Farmacocinética dos Canabinoides: Compreendendo a Absorção, Distribuição e Eliminação no Corpo.

Publicado em 19/07/24 | Atualizado em 26/08/24 Leitura: 8 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoVias de administração

A farmacocinética refere-se aos processos fisiológicos que ocorrem após a administração de um medicamento e que condicionam seu efeito final, como metabolismo, excreção e possíveis interações farmacológicas com outros medicamentos. No caso dos canabinoides, como o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), a farmacocinética é influenciada por diversos fatores, incluindo genética, composição corporal, sexo, comorbidades, padrão alimentar, microbioma e velocidade do metabolismo. Neste post, vamos explorar detalhadamente a absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos canabinoides no corpo humano, proporcionando uma compreensão abrangente para otimizar seu uso terapêutico.

Absorção

A absorção dos canabinoides varia conforme a via de administração, cada uma apresentando características únicas que influenciam a biodisponibilidade e a eficácia terapêutica.

Inalação

A inalação é uma das formas mais comuns de administração de canabinoides, especialmente devido à rápida absorção e início de ação. Quando inalados, os canabinoides são rapidamente absorvidos pelos alvéolos pulmonares e entram na circulação sistêmica, com picos plasmáticos ocorrendo em 2 a 10 minutos. Estudos indicam que a concentração plasmática de THC pode variar significativamente entre indivíduos, com valores entre 50 ng/mL e 300 ng/mL.¹

Oral

A ingestão oral de canabinoides é uma forma comum de administração, mas apresenta desafios específicos relacionados à absorção e biodisponibilidade. Devido ao metabolismo de primeira passagem hepático, uma quantidade significativa do canabinoide administrado oralmente é metabolizada antes de entrar na circulação sistêmica, resultando em uma biodisponibilidade relativamente baixa. A biodisponibilidade oral do CBD varia entre 13-19%, devido aos efeitos do metabolismo de primeira passagem e seus metabólitos apresentam excreção principalmente renal.Já a biodisponibilidade do THC é em média de 6% a 20%.³

Um fator crucial que pode melhorar a absorção oral dos canabinoides é a ingestão concomitante de alimentos, particularmente refeições ricas em gorduras. A natureza lipofílica dos canabinoides significa que eles se dissolvem melhor em gorduras, o que pode aumentar significativamente sua absorção pelo trato gastrointestinal. Estudos demonstram que a biodisponibilidade do THC e do CBD pode aumentar entre 2,5 a 3 vezes quando administrados junto com um veículo lipídico.4

A ingestão de alimentos gordurosos pode ter um impacto notável na farmacocinética dos canabinoides. A presença de gorduras na dieta estimula a produção de bile e a formação de micelas, que são necessárias para a solubilização e absorção de lipídios e substâncias lipofílicas no intestino delgado. Esse processo aumenta a absorção dos canabinoides, melhorando sua biodisponibilidade.

Por exemplo, um estudo clínico em fase I demonstrou que a biodisponibilidade do CBD pode aumentar até quatro vezes quando consumido com alimentos ricos em gorduras.5 Isso é particularmente relevante para pacientes que utilizam canabinoides para tratamento de condições crônicas, onde uma absorção mais eficiente pode levar a uma melhora significativa na eficácia terapêutica.

Sublingual

A administração sublingual permite a absorção direta dos canabinoides através da mucosa oral para a corrente sanguínea, evitando parcialmente o metabolismo de primeira passagem hepático. Esta via resulta em um início de ação mais rápido e concentrações plasmáticas mais elevadas comparadas à via oral.5

Tópica e Transdérmica

A administração tópica e transdérmica evita o metabolismo de primeira passagem hepático, mas a natureza hidrofóbica dos canabinoides limita a sua difusão através das camadas aquosas da pele. Diferentes formulações têm sido testadas para otimizar a permeabilidade dos canabinoides, oferecendo uma oportunidade terapêutica interessante devido aos níveis estáveis e duradouros alcançados no plasma.5

Distribuição

Após a absorção, os canabinoides são rapidamente distribuídos nos tecidos do corpo, um processo fortemente influenciado por sua solubilidade em lipídios. Devido à sua natureza lipofílica, os canabinoides possuem um grande volume de distribuição, o que facilita sua rápida penetração em tecidos ricos em gordura, como o cérebro e o tecido adiposo. Esse amplo volume de distribuição permite que os canabinoides se acumulem em diferentes partes do corpo, especialmente nos tecidos adiposos, onde podem ser armazenados por períodos prolongados.

No plasma, a maioria dos canabinoides está ligada a proteínas, principalmente à albumina, o que influencia significativamente sua distribuição, metabolismo e eliminação. A alta taxa de ligação às proteínas afeta a quantidade de canabinoides disponíveis para atravessar as membranas celulares e exercer seus efeitos farmacológicos nos tecidos alvo. 

Os canabinoides penetram rapidamente em tecidos altamente vascularizados, como pulmões, fígado e cérebro. Essa rápida distribuição inicial é seguida por uma redistribuição gradual para tecidos menos vascularizados e mais ricos em lipídios, como o tecido adiposo. Com o uso regular e contínuo, os canabinoides tendem a se acumular no tecido adiposo, de onde são liberados gradualmente de volta à circulação sistêmica. Esse processo de liberação prolongada pode contribuir para a duração estendida dos efeitos dos canabinoides, mesmo após a cessação do uso.

Metabolismo

O metabolismo dos canabinoides ocorre principalmente no fígado, envolvendo enzimas do citocromo P450 e da UDP-glucuronosiltransferase (UGT). O THC é metabolizado principalmente pelas enzimas CYP2C9 e CYP3A4, gerando o metabólito ativo 11-hidroxi-THC (11-OH-THC) e o metabólito inativo 11-nor-9-carboxi-THC (THC-COOH), que é excretado principalmente na urina. Já o CBD é metabolizado pelas enzimas CYP2C19 e CYP3A4, gerando metabólitos como o 7-hidroxi-CBD (7-OH-CBD). Assim como o THC, esses metabólitos são posteriormente glicuronizados e excretados.5

Os canabinoides podem interagir com outros medicamentos metabolizados pelas enzimas do citocromo P450, afetando sua eficácia e segurança. Por exemplo, o CBD é um inibidor potente da enzima CYP3A4, o que pode aumentar as concentrações plasmáticas de medicamentos metabolizados por essa via.

Eliminação

A eliminação dos canabinoides ocorre principalmente através da excreção renal e biliar. A excreção renal envolve a eliminação de metabólitos hidrossolúveis na urina, enquanto a excreção biliar e fecal é responsável pela eliminação da maior parte dos canabinoides e seus metabólitos. Cerca de 65% dos metabólitos são excretados nas fezes e 20% na urina. A compreensão da farmacocinética dos canabinoides é essencial para otimizar seu uso terapêutico e garantir a segurança dos pacientes.5

Conclusão

A farmacocinética dos canabinoides, incluindo a absorção, distribuição, metabolismo e eliminação, é um processo complexo e influenciado por uma variedade de fatores individuais, como genética, composição corporal, alimentação e presença de comorbidades. A natureza lipofílica dos canabinoides facilita sua distribuição em tecidos ricos em gordura e sua ligação às proteínas plasmáticas, afetando a biodisponibilidade e a duração dos efeitos. O metabolismo hepático, principalmente pelas enzimas do citocromo P450, desempenha um papel crucial na biotransformação do THC e do CBD, enquanto a eliminação ocorre predominantemente via excreção biliar e renal. 

Compreender esses processos é fundamental para otimizar o uso terapêutico dos canabinoides, permitindo ajustes precisos na administração e dosagem para maximizar a eficácia e minimizar potenciais interações medicamentosas e efeitos adversos. Este conhecimento é especialmente relevante para a prática clínica, onde a personalização do tratamento pode levar a melhores resultados para os pacientes que utilizam canabinoides para uma variedade de condições médicas. Nesse contexto, a WeCann desempenha um papel fundamental ao fornecer informações atualizadas e baseadas em evidências científicas sobre a cannabis medicinal, capacitando os médicos a tomarem decisões informadas e cientificamente embasadas para o melhor cuidado de seus pacientes.

Referências

  1. Huestis. M.A.Human Cannabinoid Pharmacokinetics. Cbem. Biodivers. 4, 1770-1804 (2007).
  2. SALUSTIANO, Racliff Leticia Costa; BORTOLI, Stella. Canabidiol: aspectos gerais e aplicações farmacológicas. **Conjecturas**, v. 22, n. 2, 2022. DOI: 10.53660/CONJ-839-F05. ISSN: 1657-5830.
  3. WALL, M. E. et al. Metabolism, disposition, and kinetics of delta-9- tetrahydrocannabinol in men and women. Clinical Pharmacology and Therapeutics, [s. l.], v. 34, n. 3, p. 352–363, 1983.
  4. Bachhuber, M., Arnsten, J. H. & Wurm, G. Use of Cannabis to Relieve Pain and Promote Sleep by Customers at an Adult Use Dispensary. J.Psychoactive Drugs 51,400-404 (2019).
  5. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. Wecann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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