Medicina Personalizada no Tratamento com Cannabis

Publicado em 17/04/25 | Atualizado em 16/04/25 Leitura: 13 minutos

Cannabis como MedicamentoEducação Médica

²

A medicina personalizada tem transformado a abordagem terapêutica em diversas condições clínicas, ao possibilitar intervenções ajustadas às características genéticas, fisiológicas e comportamentais de cada paciente. Essa prática, ao integrar conhecimentos de genética, farmacologia e biologia, busca maximizar a eficácia e a segurança dos tratamentos. No contexto da cannabis medicinal, a personalização do uso terapêutico tem demonstrado um enorme potencial, permitindo a adaptação de doses, compostos e vias de administração para atender às necessidades específicas de cada indivíduo, minimizando riscos e otimizando os resultados. Neste post, exploraremos como a medicina personalizada está redefinindo o tratamento com cannabis e as suas implicações clínicas.

Medicina personalizada

A medicina personalizada, também conhecida como medicina de precisão, é um campo emergente que visa otimizar a abordagem terapêutica com base nas características únicas de cada paciente. Ao invés de aplicar tratamentos padrão para todos os indivíduos com uma determinada condição, a medicina personalizada leva em consideração a diversidade genética, ambiental e comportamental dos pacientes, oferecendo tratamentos mais direcionados e eficazes.¹

O conceito central da medicina personalizada é a utilização de dados genéticos, moleculares e clínicos para personalizar as intervenções médicas. Isso envolve a análise de variabilidade genética entre os pacientes, o que pode influenciar diretamente a resposta a medicamentos e o risco de efeitos adversos. Além disso, fatores como estilo de vida, histórico médico e até mesmo características ambientais podem ser levados em conta para garantir que o tratamento seja o mais eficaz possível.¹

A farmacogenômica é uma das disciplinas-chave dentro da medicina personalizada. Ela estuda como os genes de um indivíduo influenciam sua resposta aos medicamentos, ajudando os médicos a prescreverem terapias que ofereçam os melhores resultados. Por exemplo, variações em genes que codificam enzimas metabolizadoras de fármacos podem afetar a velocidade com que o organismo processa determinadas substâncias, o que, por sua vez, impacta a dosagem necessária e o risco de efeitos colaterais.¹

Essa abordagem tem um impacto direto na medicina moderna, especialmente em áreas como o tratamento de câncer, doenças cardiovasculares, distúrbios psiquiátricos e doenças autoimunes. Ao permitir tratamentos mais individualizados, a medicina personalizada não apenas melhora a eficácia dos cuidados, mas também reduz os riscos de complicações, proporcionando aos pacientes uma terapia mais segura e adaptada à sua biologia única de cada paciente.

Farmacogenômica e o uso da cannabis na medicina personalizada

A farmacogenômica, ao mapear as variações genéticas individuais, abre novas possibilidades para a personalização da terapia com cannabis, proporcionando tratamentos mais eficazes e com menos efeitos adversos. Essa abordagem é especialmente relevante em doenças complexas e multifatoriais, onde a resposta ao tratamento pode variar amplamente entre os indivíduos. A cannabis medicinal, com seus compostos como o THC e o CBD, tem mostrado resultados significativos no alívio da dor crônica, no controle de crises epilépticas e no manejo de distúrbios psiquiátricos, como ansiedade e depressão. 

Uso medicinal da cannabis. A cannabis e diferentes fitocomponentes da cannabis, como THC e CBD, têm sido usados para várias terapias que incluem, mas não estão limitadas, ao tratamento de convulsões, vômitos e náuseas, neuropatia periférica, dor crônica; psoríase; redução do crescimento de células cancerígenas, perda óssea e distúrbio inflamatório intestinal; sendo usada como anti-inflamatório e anti-hipertensivo; além de redução do nível de glicose no sangue. Fonte: Leinen, Z.J.; Mohan, R.; Premadasa, L.S.; Acharya, A.; Mohan, M.; Byrareddy, S.N. Therapeutic Potential of Cannabis: A Comprehensive Review of Current and Future Applications. Biomedicines 2023, 11, 2630.
Uso medicinal da cannabis. A cannabis e diferentes fitocomponentes da cannabis, como THC e CBD, têm sido usados para várias terapias que incluem, mas não estão limitadas, ao tratamento de convulsões, vômitos e náuseas, neuropatia periférica, dor crônica; psoríase; redução do crescimento de células cancerígenas, perda óssea e distúrbio inflamatório intestinal; sendo usada como anti-inflamatório e anti-hipertensivo; além de redução do nível de glicose no sangue. Fonte: Leinen, Z.J.; Mohan, R.; Premadasa, L.S.; Acharya, A.; Mohan, M.; Byrareddy, S.N. Therapeutic Potential of Cannabis: A Comprehensive Review of Current and Future Applications. Biomedicines 2023, 11, 2630.

Contudo, as reações heterogêneas ao tratamento indicam que a adaptação terapêutica com base nas características genéticas de cada paciente pode ser crucial. Ao entender os mecanismos moleculares subjacentes à resposta dos pacientes aos canabinoides, é possível ajustar as doses, a via de administração e a combinação de compostos para maximizar os efeitos terapêuticos e reduzir os riscos de eventos adversos. Em um futuro próximo, o uso de testes farmacogenômicos pode ser integrado de forma rotineira na prática clínica, permitindo que os profissionais de saúde escolham os tratamentos mais apropriados para cada paciente, promovendo uma medicina mais precisa e eficaz.

Controle da Dor 

O uso crescente de cannabis para o controle da dor crônica tem gerado resultados diversos entre os pacientes, com uma significativa variação nas respostas terapêuticas. Enquanto muitos pacientes experimentam alívio significativo da dor, uma parcela de indivíduos não apresenta melhora. Essa variabilidade na resposta ao tratamento pode ser atribuída a uma série de fatores, incluindo características clínicas, como o tipo e a gravidade da dor, e, cada vez mais reconhecidamente, a variabilidade genética dos pacientes.

Um estudo recente realizado por Poli et al. (2022) procurou investigar a relação entre polimorfismos genéticos e a eficácia do tratamento com cannabis em pacientes com dor crônica. O estudo envolveu 600 pacientes com diferentes tipos de dor, como dor neuropática, dor associada a câncer e dor crônica de origem músculoesquelética, sendo este um dos maiores estudos observacionais sobre o tema.²

A análise revelou uma redução média de 43% na intensidade da dor após um ano de tratamento, uma melhoria considerável, mas com uma variação expressiva entre os pacientes. O estudo também apontou um alto índice de abandono do tratamento entre aqueles que não apresentaram alívio adequado ou que sofreram efeitos adversos, como sonolência, náusea e alterações cognitivas, que impactaram negativamente na adesão ao tratamento.²

Um dos achados mais relevantes do estudo foi a associação entre certos polimorfismos genéticos e a resposta ao tratamento com cannabis. Especificamente, a análise do gene CNR1, que codifica o receptor canabinoide tipo 1, mostrou uma associação significativa com a resposta terapêutica. ¹

Pacientes que apresentaram variações genéticas nesse gene tiveram uma resposta mais eficiente ao tratamento, com redução mais significativa da dor, enquanto aqueles com variantes menos favoráveis experimentaram menos alívio ou um aumento dos efeitos adversos. Este gene desempenha um papel crucial na modulação da dor e na resposta ao THC, um dos principais compostos ativos da cannabis, sugerindo que a farmacogenômica pode ser uma ferramenta essencial para predizer a resposta dos pacientes ao tratamento com cannabis e, consequentemente, melhorar a eficácia e a segurança dessa terapia.¹

Para saber mais sobre o uso da Cannabis no tratamento da dor crônica acesse: Cannabis no manejo da Dor Crônica – WeCann Academy

Esses resultados reforçam a ideia de que a resposta ao tratamento com cannabis não é homogênea e que fatores genéticos devem ser considerados na personalização da terapia. O estudo de Poli et al. representa um avanço importante na medicina personalizada, destacando o potencial da farmacogenômica para otimizar a terapia com cannabis, maximizar os benefícios clínicos e reduzir o risco de efeitos adversos, uma estratégia que pode melhorar substancialmente a adesão ao tratamento e os resultados a longo prazo.

Epilepsia 

A epilepsia refratária, ou resistente ao tratamento convencional, é uma condição desafiadora que afeta uma parcela significativa de pacientes, especialmente aqueles com formas graves de convulsões. Tradicionalmente, o tratamento da epilepsia envolve o uso de anticonvulsivantes, mas nem todos os pacientes respondem adequadamente às medicações disponíveis. Nesse contexto, a cannabis tem emergido como uma alternativa promissora. O CBD tem demonstrado efeitos anticonvulsivantes em diversos estudos clínicos, com resultados positivos especialmente em condições de epilepsia resistente ao tratamento, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut. No entanto, a resposta ao CBD não é uniforme entre os pacientes, e a variabilidade genética desempenha um papel significativo na eficácia e segurança do tratamento.

A farmacogenômica tem se mostrado fundamental para explicar essa variabilidade na resposta ao CBD. Estudos indicam que certos polimorfismos em genes envolvidos no metabolismo de medicamentos, como os farmacogenes CYP450, podem impactar a forma como o corpo processa o CBD. Essas variações podem afetar tanto a eficácia do CBD no controle das crises quanto a ocorrência de efeitos adversos, como sonolência excessiva ou interações medicamentosas prejudiciais.

Por exemplo, indivíduos com variantes específicas no gene CYP3A4, responsável pela metabolização do CBD, podem ter concentrações sanguíneas mais elevadas do composto, o que pode aumentar o risco de efeitos colaterais.³ Por outro lado, aqueles com variações em genes como o ABCB1, que está relacionado ao transporte de medicamentos, podem apresentar uma menor absorção do CBD, o que pode diminuir a eficácia do tratamento.¹

Pesquisas recentes têm explorado a interação entre os perfis genéticos dos pacientes e a resposta ao CBD, particularmente no que diz respeito aos farmacogenes envolvidos no metabolismo do canabidiol. Um estudo recente, realizado com 113 pacientes com epilepsia resistente ao tratamento, investigou a variação genética nos farmacogenes e como ela influencia tanto a eficácia do CBD quanto a ocorrência de efeitos adversos. Utilizando tecnologias avançadas, como o Affymetrix plus array para mapear enzimas e transportadores metabolizadores de drogas, os pesquisadores observaram que certos polimorfismos genéticos estavam associados a uma resposta mais favorável ao CBD. Por outro lado, os pacientes com variantes genéticas específicas também apresentaram maior propensão a sofrer eventos adversos, como sedação excessiva ou alterações no comportamento.4

Genes associados à resposta ao CBD (≥ 50% de redução de crises convulsivas) e efeitos adversos com base, em valores de P < 0,05. Para cada gene, a variante com o menor valor de P foi usada para cada resultado. CBD, canabidiol. Fonte: Davis B.H., Beasley T.M., Amaral M., Szaflarski J.P., Gaston T., Perry Grayson L., Standaert D.G., Bebin E.M., Limdi N.A., UAB CBD Study Group (includes all the investigators involved in the UAB EAP CBD program) Pharmacogenetic Predictors of Cannabidiol Response and Tolerability in Treatment-Resistant Epilepsy. Clin. Pharmacol. Ther. 2021;110:1368–1380. 
Genes associados à resposta ao CBD (≥ 50% de redução de crises convulsivas) e efeitos adversos com base, em valores de P < 0,05. Para cada gene, a variante com o menor valor de P foi usada para cada resultado. CBD, canabidiol. Fonte: Davis B.H., Beasley T.M., Amaral M., Szaflarski J.P., Gaston T., Perry Grayson L., Standaert D.G., Bebin E.M., Limdi N.A., UAB CBD Study Group (includes all the investigators involved in the UAB EAP CBD program) Pharmacogenetic Predictors of Cannabidiol Response and Tolerability in Treatment-Resistant Epilepsy. Clin. Pharmacol. Ther. 2021;110:1368–1380. 

Para saber mais sobre o uso do canabidol no tratamento da epilepsia refratária acesse: Canabidiol no tratamento da Epilepsia Refratária – WeCann Academy

Esses achados ressaltam a importância de uma abordagem farmacogenômica no tratamento de patologias refratárias e incapacitantes com canabinoides, permitindo uma melhor compreensão das nuances individuais que afetam a resposta ao medicamento. A personalização do tratamento com base nas características genéticas do paciente não só aumenta a eficácia terapêutica, mas também minimiza os riscos de efeitos adversos. O futuro da terapia com cannabis medicinal está cada vez mais voltado para tratamentos individualizados, nos quais a farmacogenômica desempenha um papel relevante na seleção da melhor opção terapêutica para cada paciente, otimizando os resultados e melhorando a qualidade de vida.

Conclusão

A medicina personalizada está revolucionando o tratamento com cannabis, especialmente em condições complexas como a dor crônica e a epilepsia resistente ao tratamento. A farmacogenômica permite um ajuste terapêutico mais preciso, maximizando a eficácia e minimizando os riscos. À medida que novas descobertas genéticas e moleculares surgem, a medicina personalizada se estabelece como uma abordagem importante para melhorar os resultados terapêuticos e a qualidade de vida dos pacientes, tornando a cannabis uma ferramenta cada vez mais eficaz e segura na prática clínica. Nesse contexto, a WeCann, a maior comunidade online do mundo dedicada à medicina endocanabinoide, oferece uma plataforma altamente qualificada para médicos de diferentes especialidades e níveis de experiência. 

A Comunidade WeCann não é apenas um espaço de aprendizado, mas também um ponto de encontro para médicos e acadêmicos que buscam inovar na abordagem terapêutica de condições crônicas e complexas. Por meio da troca constante de conhecimento, os membros têm acesso a uma rede global de profissionais altamente capacitados, o que facilita a atualização sobre novas descobertas científicas e os últimos avanços no tratamento com cannabis. O ambiente colaborativo permite a discussão de casos clínicos desafiadores, permitindo que os médicos desenvolvam novas estratégias para lidar com as dificuldades encontradas no tratamento de diversas patologias. Esse suporte contínuo tem um impacto significativo na prática clínica, garantindo que os profissionais estejam sempre prontos para implementar as abordagens mais eficazes.

Além disso, a WeCann se destaca pela sua estrutura educativa, oferecendo ferramentas práticas e recursos de fácil acesso. Os “WeCann Talks” e os “WeCann Rounds” proporcionam discussões dinâmicas sobre os mais recentes protocolos de tratamento, permitindo que os médicos compartilhem insights e tirem dúvidas diretamente com especialistas de renome. O aplicativo da WeCann garante que a educação e o networking possam ser acessados a qualquer hora e de qualquer lugar, promovendo uma verdadeira revolução no ensino médico. Ao fazer parte dessa comunidade, os médicos não só aprimoram suas habilidades terapêuticas, mas também garantem que seus pacientes recebam cuidados mais personalizados, seguros e eficazes.

Referências

  1. Babayeva, Mariana, and Zvi G Loewy. “Cannabis Pharmacogenomics: A Path to Personalized Medicine.” Current issues in molecular biology vol. 45,4 3479-3514. 17 Apr. 2023, doi:10.3390/cimb45040228
  2. Poli P., Peruzzi L., Maurizi P., Mencucci A., Scocca A., Carnevale S., Spiga O., Santucci A. The Pharmacogenetics of Cannabis in the Treatment of Chronic Pain. Genes. 2022;13:1832. doi: 10.3390/genes13101832.
  3. Beers JL, Fu D, Jackson KD. Cytochrome P450-Catalyzed Metabolism of Cannabidiol to the Active Metabolite 7-Hydroxy-Cannabidiol. Drug Metab Dispos. 2021 Oct;49(10):882-891. doi: 10.1124/dmd.120.000350. Epub 2021 Jul 30. PMID: 34330718; PMCID: PMC11025033.
  4. Davis B.H., Beasley T.M., Amaral M., Szaflarski J.P., Gaston T., Perry Grayson L., Standaert D.G., Bebin E.M., Limdi N.A., UAB CBD Study Group (includes all the investigators involved in the UAB EAP CBD program) Pharmacogenetic Predictors of Cannabidiol Response and Tolerability in Treatment-Resistant Epilepsy. Clin. Pharmacol. Ther. 2021;110:1368–1380. 
  5. Leinen, Z.J.; Mohan, R.; Premadasa, L.S.; Acharya, A.; Mohan, M.; Byrareddy, S.N. Therapeutic Potential of Cannabis: A Comprehensive Review of Current and Future Applications. Biomedicines 2023, 11, 2630.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

Mantenha-se atualizado. Cadastre-se e receba conteúdos exclusivos e tecnicamente qualificados.


    Ao assinar, você concorda com a política de privacidade.

    Assine nossa
    
newsletter.

      Ao assinar, você concorda com a política de privacidade.

      Artigos relacionados