O eczema e o prurido crônico são condições dermatológicas que impactam significativamente a qualidade de vida dos pacientes. O eczema, um termo abrangente para diferentes tipos de dermatites inflamatórias, incluindo a dermatite atópica (DA), manifesta-se com eritema, descamação, ressecamento e prurido intenso. O prurido crônico, por sua vez, pode estar associado a diversas condições dermatológicas, sistêmicas ou neuropáticas e é definido como coceira persistente por mais de seis semanas.
A terapia convencional para essas condições pode levar à resistência ao tratamento em muitos pacientes ou causar efeitos adversos significativos, estimulando a busca por abordagens terapêuticas mais eficazes e seguras. Nesse contexto, os canabinoides surgem como uma alternativa promissora devido às suas propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e antipruriginosas. No post de hoje, vamos explorar como os canabinoides podem ser utilizados no tratamento do eczema e do prurido crônico.
Eczema e Prurido Crônico
O eczema é um termo amplo que se refere a um grupo de condições inflamatórias crônicas da pele, sendo a dermatite atópica a forma mais comum. Caracteriza-se por lesões eritematosas, descamação, ressecamento e prurido intenso. Sua etiologia é multifatorial, envolvendo predisposição genética, disfunção da barreira cutânea, alterações imunológicas e fatores ambientais.
Além disso, o quadro pode ser exacerbado por estresse, exposição a alérgenos e substâncias irritantes, impactando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Outras formas de eczema incluem a dermatite de contato, dermatite seborreica, eczema dishidrótico e eczema numular, cada uma com apresentações clínicas e fatores desencadeantes distintos.
O prurido crônico, por sua vez, é um sintoma debilitante presente em diversas condições dermatológicas, inflamatórias e sistêmicas. Definido como uma coceira persistente por mais de seis semanas, ele pode estar associado a doenças como eczema, psoríase, insuficiência renal crônica, doenças hepáticas e neuropatias. Sua fisiopatologia envolve a ativação de fibras nervosas específicas, mediadores inflamatórios e desregulação do eixo neuroimune, tornando seu controle um desafio clínico.
Ambas as condições impactam profundamente o bem-estar dos pacientes. O prurido intenso e persistente leva a distúrbios do sono, irritabilidade, ansiedade e até depressão. Além disso, o ato de coçar frequentemente agrava as lesões cutâneas, aumentando o risco de infecções secundárias e levando a um ciclo vicioso de inflamação e desconforto. A limitação imposta pelos sintomas também pode afetar a autoestima e a vida social dos indivíduos, reduzindo sua produtividade e bem-estar geral.
O tratamento convencional dessas condições inclui o uso de corticosteroides tópicos, inibidores da calcineurina, anti-histamínicos, imunossupressores sistêmicos e terapias biológicas em casos mais graves. No entanto, essas abordagens nem sempre são eficazes a longo prazo e podem estar associadas a efeitos adversos significativos, como atrofia cutânea, supressão imunológica e toxicidade sistêmica. Além disso, muitos pacientes desenvolvem resistência aos tratamentos tradicionais, tornando o manejo da doença ainda mais complexo.
Nesse cenário, os canabinoides vêm se destacando como uma alternativa promissora. Devido às suas propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e antipruriginosas, esses compostos podem oferecer alívio para pacientes que não respondem adequadamente às terapias convencionais. Estudos sugerem que os canabinoides atuam na regulação da resposta inflamatória e da transmissão do prurido por meio do sistema endocanabinoide, tornando-se uma opção inovadora no tratamento dessas condições dermatológicas.
O Sistema Endocanabinoide e a Pele
O sistema endocanabinoide (SEC) é um sistema de sinalização molecular que desempenha papel crucial na homeostase de diversos órgãos, incluindo a pele. Este sistema é composto por endocanabinoides, seus receptores (CB1 e CB2), e as enzimas responsáveis pela síntese e degradação desses compostos.¹
Na pele, os endocanabinoides estão envolvidos na regulação de processos fisiológicos fundamentais, como crescimento e diferenciação celular, resposta inflamatória, produção de sebo e suor, além de fenômenos sensoriais. Assim, o SEC exerce um papel crucial na manutenção da integridade e função da pele, com implicações terapêuticas para uma variedade de condições dermatológicas.¹
Os receptores CB1 e CB2 estão amplamente distribuídos na pele e em seus apêndices dérmicos, incluindo queratinócitos, melanócitos, fibroblastos, adipócitos e células de glândulas sebáceas. Além disso, esses receptores são expressos em estruturas nervosas e vasculares da pele, indicando sua participação em processos sensoriais e inflamatórios. A presença de CB1 e CB2 também foi observada em células imunológicas da derme, como mastócitos, macrófagos e linfócitos T e B, corroborando a importância do SEC na regulação das funções imunológicas da pele.¹
A ativação dos receptores CB2, por exemplo, tem mostrado um efeito modulador sobre a ativação das células T, favorecendo a predominância de um perfil anti-inflamatório, com aumento da presença de células Th2. Por outro lado, em condições de inflamação crônica, como na dermatite atópica, onde ocorre um desequilíbrio entre as células Th1 e Th2, a ativação do CB2 pode induzir uma resposta imunológica mais favorável à resolução da inflamação. Estudos demonstram que a anandamida, um endocanabinoide, pode inibir a proliferação de células Th1 e reduzir a liberação de citocinas pró-inflamatórias, de forma dependente da dose.¹
Além disso, os receptores TRPV1, presentes em diversas células da pele, incluindo terminais nervosos, células imunológicas e queratinócitos, desempenham papel fundamental na percepção de dor e prurido. A ativação do TRPV1 pelos fitocanabinoides pode promover vasodilatação e atenuar os sintomas de dor e prurido, frequentemente presentes em condições dermatológicas inflamatórias. Outro receptor relacionado, o PPARy, que está envolvido na regulação da inflamação e do metabolismo lipídico, também é um alvo de modulação pelos canabinoides. A ativação do PPARy tem mostrado efeitos anti-inflamatórios adicionais, potencializando os benefícios terapêuticos dos derivados canabinoides em doenças cutâneas.¹
O SEC apresenta um grande potencial terapêutico no tratamento de condições dermatológicas inflamatórias, como o eczema e o prurido crônico. A ativação dos receptores CB2 e TRPV1, presentes em diversas células da pele, mostra-se promissora na modulação da resposta imunológica, redução da inflamação e atenuação do prurido, sintomas comuns nessas condições.
O uso de canabinoides pode reduzir a proliferação de células inflamatórias, promover a resolução da inflamação e melhorar o controle do prurido. Além disso, a modulação do receptor PPARy acrescenta um benefício adicional ao promover efeitos anti-inflamatórios e melhorar a homeostase lipídica na pele.
Portanto, os canabinoides representam uma abordagem terapêutica inovadora e eficaz, com potencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com eczema e prurido crônico, ao mesmo tempo em que oferecem uma alternativa ao tratamento convencional com menos efeitos adversos.
Para saber mais sobre o uso da Cannabis para tratar outras condições de pele acesse: Canabinoides para alívio da Psoríase: como funciona? – WeCann Academy
Evidências clínicas e pré-clínicas
A investigação científica sobre os canabinoides como potenciais agentes terapêuticos para doenças inflamatórias da pele, como o eczema atópico e o prurido crônico, tem avançado nos últimos anos. Evidências pré-clínicas sugerem que os canabinoides exercem efeitos imunomoduladores e antipruriginosos por meio da interação com o sistema endocanabinoide cutâneo, enquanto estudos clínicos emergentes indicam benefícios relevantes para pacientes com condições dermatológicas inflamatórias e refratárias ao tratamento convencional.
Estudos in vivo demonstraram que a ativação do receptor CB1 (CB1R) pode ter efeitos benéficos na dermatite atópica. O uso de agonistas seletivos para CB1R resultou na redução da inflamação e na melhoria da barreira de permeabilidade epidérmica em modelos experimentais, além de evitar o espessamento epidérmico, um dos principais sinais da patogênese da doença. Por outro lado, camundongos deficientes em CB1R apresentaram recuperação tardia da barreira epidérmica, reforçando a importância desse receptor na manutenção da integridade da pele. Além disso, a ativação do CB1R mostrou modular a proliferação de mastócitos e a infiltração celular, um fator importante na inflamação associada à dermatite atópica.²
Estudos in vitro mostram que o CBD reduz a produção de citocinas pró-inflamatórias como IL-6, IL-8 e TNF-α em queratinócitos humanos estimulados por lipopolissacarídeos (LPS), além de atenuar a ativação do fator nuclear kappa B (NF-κB), um regulador central da resposta inflamatória. Em modelos murinos de dermatite induzida, a aplicação tópica de CBD resultou na diminuição da infiltração de células inflamatórias e na melhora da integridade da barreira cutânea.³
Estudos clínicos preliminares reforçam os achados pré-clínicos e sugerem benefícios dos canabinoides na dermatite atópica e no prurido crônico. Um ensaio clínico piloto avaliando a eficácia de um creme tópico contendo palmitoiletanolamida (PEA), um canabinoide endógeno com ação sobre os receptores CB2 e PPAR-α, demonstrou redução significativa do prurido e da inflamação em pacientes com dermatite atópica moderada a grave. Os efeitos foram atribuídos à capacidade da PEA de modular a liberação de citocinas inflamatórias e de reduzir a ativação de mastócitos na pele.
Em um estudo randomizado e controlado envolvendo 60 pacientes com eczema asteatótico, os participantes foram divididos em dois grupos: um recebeu tratamento com um creme emoliente contendo PEA ou anandamida (AEA), enquanto o outro utilizou um emoliente convencional sem canabinoides. Após o período de observação, os pacientes tratados com PEA/AEA apresentaram melhora significativa dos sintomas, incluindo redução da descamação e do ressecamento, além de menor intensidade do prurido (p < 0,05). Além disso, a hidratação da superfície cutânea foi consideravelmente superior no grupo tratado com PEA/AEA em comparação ao grupo controle.4
Outro estudo clínico, conduzido com um desenho de “corpo dividido” e envolvendo 43 pacientes com DA, avaliou a eficácia da combinação de um corticosteroide tópico com PEA em comparação com o uso isolado do corticosteroide. Os resultados indicaram que os lados do corpo tratados com a combinação de PEA e corticosteroide apresentaram uma resolução mais rápida das lesões cutâneas do que os lados tratados apenas com o corticosteroide tópico, sugerindo que a PEA pode potencializar os efeitos anti-inflamatórios dos glicocorticoides e contribuir para uma recuperação mais eficaz da barreira epidérmica.5
Além dos estudos de menor escala, uma coorte prospectiva mais ampla, com 2.456 pacientes com dermatite atópica, analisou os efeitos da aplicação tópica de PEA em longo prazo. Os resultados mostraram que 58,6% dos participantes relataram alívio significativo de sintomas como prurido intenso, ressecamento, escoriação, liquenificação, eritema e descamação. A tolerabilidade da PEA foi excelente, sem relatos de efeitos adversos relevantes, o que reforça seu potencial como uma alternativa segura para o manejo da dermatite atópica, especialmente em pacientes que necessitam reduzir a exposição prolongada a corticosteroides tópicos.6
Um estudo mais recente conduzido por Gao et al. em 2022, avaliou os efeitos de uma combinação tópica de canabidiol e aspartame (JW-100) em 57 pacientes com diagnóstico de dermatite atópica. Este ensaio clínico randomizado, duplo-cego, revelou que, após duas semanas de tratamento, a maioria dos participantes demonstrou melhorias estatisticamente significativas em diversas avaliações qualitativas da condição.7
Os principais resultados incluíram a redução do prurido, a diminuição da inflamação cutânea e uma melhora significativa na qualidade de vida relacionada à saúde da pele. Esses achados indicam que a combinação de CBD com aspartame pode oferecer uma estratégia terapêutica promissora para o manejo do eczema e do prurido crônico, promovendo não apenas a melhoria clínica dos sintomas, mas também o bem-estar geral dos pacientes.7
Conclusão
Os canabinoides representam uma abordagem inovadora para o tratamento do eczema e do prurido crônico. Suas propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e antipruriginosas os tornam alternativas viáveis para pacientes que não respondem bem às terapias convencionais.A interação com os receptores do sistema endocanabinoide da pele pode modular a inflamação e a sensação de coceira, proporcionando alívio significativo aos pacientes.
Estudos clínicos e pré-clínicos mostram resultados promissores, sugerindo que os canabinoides podem ser uma abordagem inovadora e eficaz para essas doenças dermatológicas. Dado o impacto significativo que o eczema e o prurido crônico têm na qualidade de vida, os canabinoides oferecem uma alternativa atraente, com menos efeitos adversos em comparação com os tratamentos convencionais. A pesquisa contínua é crucial para consolidar o uso terapêutico desses compostos, abrindo novas possibilidades para o manejo dessas condições.
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Referências
- MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
- Kim HJ, Kim B, Park BM, Jeon JE, Lee SH, Mann S, Ahn SK, Hong SP, Jeong SK. Topical cannabinoid receptor 1 agonist attenuates the cutaneous inflammatory responses in oxazolone-induced atopic dermatitis model. Int J Dermatol. 2015 Oct;54(10):e401-8. doi: 10.1111/ijd.12841. Epub 2015 Jun 20. PMID: 26095080.
- Tóth, Kinga Fanni et al. “Cannabinoid Signaling in the Skin: Therapeutic Potential of the “C(ut)annabinoid” System.” Molecules (Basel, Switzerland) vol. 24,5 918. 6 Mar. 2019, doi:10.3390/molecules24050918
- Yuan C., Wang X.M., Guichard A., Tan Y.M., Qian C.Y., Yang L.J., Humbert P. N-palmitoylethanolamine and N-acetylethanolamine are effective in asteatotic eczema: Results of a randomized, double-blind, controlled study in 60 patients. Clin. Interv. Aging. 2014;9:1163–1169. doi: 10.2147/CIA.S65448.
- Del Rosso J.Q. Use of a palmitoylethanolamide-containing nonsteroidal cream for treating atopic dermatitis: Impact on the duration of response and time between flares. Cosmet. Dermatol. 2007;20:4.
- Eberlein B., Eicke C., Reinhardt H.W., Ring J. Adjuvant treatment of atopic eczema: Assessment of an emollient containing N-palmitoylethanolamine (ATOPA study) J. Eur. Acad. Dermatol. Venereol. 2008;22:73–82. doi: 10.1111/j.1468-3083.2007.02351.x.
- Gao, Y. et al. Novel cannabidiol aspartame combination treatment (JW-100) significantly reduces ISGA score in atopic dermatitis: Results from a randomized double-blinded placebo, controlled interventional study.J.Cosmet.Dermatol 21, 1647-1650 (2022).