Canabinoides como auxílio nos Cuidados Paliativos

Publicado em 29/04/25 | Atualizado em 30/04/25 Leitura: 22 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoOncológicas

O cuidado paliativo é uma abordagem essencial na medicina moderna, voltada para o alívio do sofrimento e a melhoria da qualidade de vida de pacientes que enfrentam doenças graves ou em estágio terminal. Nesse cenário, a gestão eficaz de sintomas como dor crônica, náuseas, ansiedade e insônia desempenha um papel central. Recentemente, os canabinoides têm despertado o interesse da comunidade médica como uma opção terapêutica inovadora e eficaz no manejo desses sintomas. No post de hoje vamos explorar de forma abrangente o potencial dos canabinoides no cuidado paliativo, com base nas mais recentes evidências científicas disponíveis.

Cuidados paliativos

Os cuidados paliativos são uma abordagem médica que se concentra no alívio do sofrimento e na promoção da qualidade de vida de pacientes com doenças graves, progressivas ou em estágio terminal. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa modalidade de cuidado não se limita ao tratamento da dor física, mas também aborda os aspectos emocionais, psicológicos, sociais e espirituais que afetam tanto os pacientes quanto suas famílias.

O objetivo principal não é a cura da doença, mas oferecer suporte integral que permita aos pacientes viver com dignidade, mesmo em condições adversas. Esses cuidados podem ser implementados em qualquer estágio da doença, desde o diagnóstico até o fim da vida, frequentemente em conjunto com tratamentos curativos ou de controle.¹

A importância dos cuidados paliativos é evidente em diversas dimensões. Para pacientes com doenças como câncer avançado, insuficiência cardíaca, doenças respiratórias crônicas, esclerose múltipla e demências, eles representam um suporte essencial. Primeiramente, o controle da dor e de outros sintomas debilitantes, como náuseas, fadiga e dispneia, é fundamental para melhorar a qualidade de vida. 

Além disso, os cuidados paliativos oferecem apoio emocional e psicológico, auxiliando os pacientes a lidar com ansiedade, depressão e medo. Eles também buscam melhorar a qualidade de vida mesmo em condições irreversíveis, proporcionando conforto e bem-estar por meio de uma abordagem integrada e respeitosa das necessidades individuais. Outro aspecto relevante é a redução de hospitalizações desnecessárias, já que muitos pacientes podem ser tratados em casa, evitando o estresse de idas frequentes ao hospital. Por fim, os cuidados paliativos ajudam no processo de tomada de decisões, orientando pacientes e famílias a entenderem as opções terapêuticas disponíveis e respeitando suas preferências e valores.

Nesse contexto, a cannabis tem ganhado destaque como recurso terapêutico complementar nos cuidados paliativos, contribuindo significativamente para o alívio de muitos sintomas que comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Os compostos ativos da planta, conhecidos como canabinoides (incluindo THC e CBD), interagem com o sistema endocanabinoide humano, modulando processos fisiológicos como dor, inflamação, apetite e humor. Essa interação traz benefícios notáveis, especialmente em situações de sofrimento intenso.

Entre os principais impactos positivos da cannabis está o alívio da dor. A interação com os receptores CB1 do sistema nervoso central reduz a percepção de dor, sendo particularmente eficaz em pacientes com câncer ou neuropatias. Além disso, a cannabis tem demonstrado sucesso no controle de náuseas e vômitos, especialmente aqueles induzidos por quimioterapia, proporcionando maior conforto ao paciente. Outro benefício significativo é o aumento do apetite, essencial para pacientes com anorexia ou caquexia associadas a doenças avançadas.

Para saber mais sobre o uso da cannabis para tratar a dor crônica acesse: Cannabis no manejo da Dor Crônica – WeCann Academy

A cannabis também oferece benefícios no âmbito psicológico. O CBD, por exemplo, atua nos receptores de serotonina, ajudando a mitigar sintomas de ansiedade e depressão, que frequentemente acompanham doenças graves. Outro impacto positivo é a melhoria da qualidade do sono. Muitos pacientes com insônia relacionada ao desconforto físico ou psicológico encontram na cannabis uma forma de regular seus ciclos de sono e obter noites mais reparadoras. Portanto, a introdução da cannabis nos cuidados paliativos, pode transformar positivamente a experiência de pacientes e suas famílias, oferecendo conforto, alívio de sintomas e melhora na qualidade de vida, e promovendo dignidade e bem-estar em momentos desafiadores.

Usos da Cannabis em pacientes com câncer. Adaptado de Troyer, J.; Tanco, K. Review of the Use of Medicinal Cannabis Products in Palliative Care. Cancers 2024, 16, 1412.
Usos da Cannabis em pacientes com câncer. Adaptado de Troyer, J.; Tanco, K. Review of the Use of Medicinal Cannabis Products in Palliative Care. Cancers 2024, 16, 1412.

O Sistema Endocanabinoide e seus alvos terapêuticos no contexto dos cuidados paliativos

O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel central na regulação da homeostase do organismo, sendo especialmente relevante no contexto dos cuidados paliativos. Este sistema é composto por endocanabinoides (moléculas lipídicas produzidas sob demanda), receptores canabinoides (CB1 e CB2) e enzimas que regulam a sua síntese e degradação. No cuidado paliativo, onde o foco é aliviar sintomas e melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças graves ou terminais, a modulação do SEC tem se mostrado uma abordagem terapêutica promissora.

Os receptores CB1, amplamente distribuídos no sistema nervoso central (SNC), desempenham um papel fundamental no alívio da dor, controle de náuseas e melhora do apetite, sintomas frequentemente debilitantes em pacientes em cuidados paliativos. Por outro lado, os receptores CB2, presentes principalmente em células do sistema imunológico, estão envolvidos na regulação de processos inflamatórios, contribuindo para o controle da dor inflamatória e de outras condições sistêmicas que impactam a qualidade de vida desses pacientes.

Além dos receptores CB1 e CB2, o SEC também interage com outros alvos terapêuticos, como os receptores TRPV1 e GPR55, e sistemas neuroquímicos relacionados, como o sistema serotoninérgico. Essas interações ampliam as possibilidades de manejo de sintomas comuns em cuidados paliativos, incluindo dor crônica, ansiedade, insônia e distúrbios gastrointestinais.

Os canabinoides, tanto os fitocanabinoides quanto os canabinoides sintéticos, têm demonstrado eficácia significativa em cuidados paliativos. O Δ9-tetraidrocanabinol (THC), um agonista parcial dos receptores CB1 e CB2, é amplamente reconhecido por seu efeito analgésico e por aliviar sintomas como náusea e anorexia em pacientes com câncer avançado ou doenças neurodegenerativas. Já o canabidiol (CBD), que modula o sistema endocanabinoide de forma indireta e interage com outros alvos terapêuticos, apresentando propriedades ansiolíticas, anti-inflamatórias e neuroprotetoras, sendo particularmente útil em pacientes que apresentam sofrimento psicológico ou condições como espasticidade muscular e dor neuropática.

Além disso, as estratégias terapêuticas que visam aumentar os níveis endógenos de endocanabinoides, como os inibidores das enzimas FAAH e MAGL, têm se mostrado promissoras no manejo de condições complexas frequentemente observadas em cuidados paliativos. O aumento da anandamida (AEA) e do 2-araquidonoilglicerol (2-AG) pode promover alívio da dor, melhora do humor e regulação do sono, proporcionando uma abordagem mais ampla e personalizada.

No contexto dos cuidados paliativos, onde o objetivo é oferecer um cuidado integral ao paciente, a modulação do SEC representa uma ferramenta valiosa. Ao abordar não apenas os sintomas físicos, mas também os emocionais e psicológicos, o uso terapêutico de canabinoides e moduladores do sistema endocanabinoide pode melhorar significativamente a qualidade de vida de pacientes e seus cuidadores. Assim, a integração do conhecimento sobre o SEC ao cuidado paliativo permite a adoção de intervenções mais eficazes e centradas no paciente, ampliando as possibilidades de tratamento e contribuindo para um cuidado mais humanizado e personalizado. 

Aplicações do canabinoides em cuidados paliativos

Os canabinoides têm emergido como aliados fundamentais nos cuidados paliativos, oferecendo alívio para sintomas complexos e melhorando a qualidade de vida de pacientes que enfrentam doenças graves ou terminais. Esses compostos, extraídos da planta Cannabis sativa ou sintetizados, interagem com o sistema endocanabinoide humano, modulando processos fisiológicos relacionados à dor, inflamação, apetite e humor.

Uso de Canabinoides no Tratamento da Dor

A dor é um dos principais fatores que impactam negativamente a qualidade de vida de pacientes em cuidados paliativos. Muitas vezes, essa dor é refratária aos tratamentos analgésicos convencionais, como AINEs, opioides e gabapentinoides, levando a sofrimento contínuo e limitações significativas nas atividades diárias. Nesse contexto, os canabinoides, como o THC e o CBD, têm emergido como alternativas promissoras devido às suas propriedades analgésicas e anti-inflamatórias.

A dor associada ao câncer é uma das experiências mais desafiadoras para pacientes em cuidados paliativos, impactando severamente sua qualidade de vida. Estudos indicam que aproximadamente metade dos pacientes oncológicos relatam dor, e um terço enfrenta dores moderadas a intensas. Embora a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) recomende o uso de opioides como tratamento de primeira linha para dores intensas, preocupações relacionadas à dependência, efeitos adversos e estigmatização têm incentivado a busca por alternativas, como terapias baseadas em cannabis.³

Os canabinoides oferecem um potencial significativo para o manejo da dor ao interagirem com o sistema endocanabinoide. O THC atua predominantemente como agonista parcial dos receptores CB1 e CB2, localizados no sistema nervoso central e periférico. Essa interação regula a percepção da dor, diminuindo a transmissão de sinais nociceptivos. O CBD, por sua vez, possui efeitos moduladores, reduzindo processos inflamatórios e influenciando outros sistemas, como o serotoninérgico, para promover alívio da dor sem efeitos psicomiméticos.

Um estudo aberto de acompanhamento com 43 pacientes, que enfrentavam dor inadequadamente controlada apesar do uso crônico de opioides, mostrou resultados promissores ao utilizar nabiximols, uma formulação com proporção aproximada de 1:1 de THC e CBD. Após um período médio de tratamento de 25 dias, os pacientes relataram melhorias significativas nas pontuações de dor e qualidade de vida, incluindo redução da gravidade da dor, fadiga e insônia.4

Interessantemente, os pacientes que utilizaram nabiximols precisaram de doses significativamente menores de analgésicos convencionais, o que destaca a capacidade dos canabinoides de diminuir a dependência de opioides, um desafio comum no manejo da dor oncológica. Além disso, a adesão ao tratamento foi positiva, com poucos pacientes necessitando aumentar a dosagem ou recorrer a outros analgésicos, o que sugere a eficácia e a estabilidade do tratamento com nabiximols.4

Em um ensaio clínico randomizado e controlado, a eficácia de diferentes doses de nabiximols foi comparada a placebo em 263 pacientes com dor refratária a opioides. Os resultados mostraram que, em doses baixas e médias, os nabiximols foram mais eficazes na redução da dor média diária em comparação com o placebo. No entanto, a dose alta de nabiximols foi associada a mais eventos adversos, sugerindo que a titulação cuidadosa é essencial para equilibrar os benefícios e riscos do tratamento. Esses achados indicam que, em cuidados paliativos, a escolha da dosagem ideal pode ser crucial para maximizar o alívio da dor sem comprometer a segurança do paciente.5

Análise da alteração da linha de base na pontuação média de dor em pacientes com câncer refratários a opioides. Observe a melhora nos escores de dor nos dois grupos com doses mais baixas de nabiximols/dia (4 e 10 sprays/dia). Adaptado de Portenoy et al. (2012). Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Análise da alteração da linha de base na pontuação média de dor em pacientes com câncer refratários a opioides. Observe a melhora nos escores de dor nos dois grupos com doses mais baixas de nabiximols/dia (4 e 10 sprays/dia). Adaptado de Portenoy et al. (2012). Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Além disso, estudos pré-clínicos indicam que o CBD pode oferecer benefícios não apenas para a dor associada ao câncer, mas também para a dor neuropática induzida por tratamentos quimioterápicos, como o paclitaxel. Pesquisas mostraram que o CBD pode prevenir a sensibilidade mecânica e térmica induzida pelo paclitaxel em modelos animais, o que abre novas possibilidades para o manejo da dor neuropática, um efeito colateral debilitante da quimioterapia. A proteção do CBD contra a neurotoxicidade induzida pelo paclitaxel parece estar mediada, em parte, pela interação com o sistema receptor 5-HT1A, um alvo promissor para o desenvolvimento de terapias mais eficazes e com menos efeitos adversos.6

Em um estudo conduzido com 101 pacientes atendidos em uma clínica ambulatorial de cuidados paliativos na Geórgia, a percepção sobre o papel da cannabis medicinal no manejo de sintomas foi amplamente positiva. Publicado no Journal of Palliative Medicine, o estudo revelou que 96% dos participantes consideravam a cannabis essencial para o controle da dor. Além disso, 59% dos pacientes com câncer relataram acreditar que a cannabis desempenha um papel importante na cura do câncer.7

Entre os participantes, a maioria era composta por homens (56%), com mais de 50 anos (64%), casados (61%), aposentados ou incapacitados (75%), e com câncer como diagnóstico predominante (76%). As formas mais comuns de administração incluíram ingestão oral (61%) e vaporização (49%). Efeitos colaterais foram considerados minimamente incômodos, com a sonolência sendo o mais frequentemente relatado (28%).

Esses estudos ressaltam o potencial dos canabinoides como uma alternativa promissora no suporte a pacientes em cuidados paliativos, especialmente no alívio da dor crônica e na melhoria do impacto psicológico. A combinação de canabinoides, como THC e CBD, pode se revelar uma estratégia eficaz, particularmente para pacientes com dor refratária. Contudo, a personalização do tratamento, considerando a dosagem e a formulação adequadas, é crucial para maximizar os benefícios terapêuticos e minimizar os efeitos adversos.

Aumento do Apetite e Manejo da Caquexia

A caquexia é uma condição comum em pacientes com câncer avançado e outras doenças terminais, responsável por até 20% das mortes atribuídas ao câncer. Este estado patológico é caracterizado por perda significativa de peso, anorexia, e perda de massa muscular, frequentemente associado a um quadro inflamatório sistêmico. O impacto da caquexia na qualidade de vida dos pacientes é profundo, sendo a perda de apetite um dos fatores determinantes dessa deterioração.

Os canabinoides, especialmente o THC, têm se mostrado promissores no manejo da caquexia, com efeitos positivos sobre o apetite. Estudos demonstraram que o THC pode melhorar o apetite em pacientes com câncer, aumentando a ingestão calórica, especialmente de proteínas. Em um estudo realizado com pacientes oncológicos, o THC demonstrou aumento significativo no apetite antes das refeições, em comparação com o placebo, destacando seu potencial como uma estratégia terapêutica para mitigar a anorexia associada à caquexia. No entanto, é importante observar que a combinação de THC com outros tratamentos, como o megestrol, não demonstrou benefício adicional em relação ao aumento do apetite, e o ganho de peso foi mais significativo no grupo que recebeu apenas a monoterapia com megestrol.3

Além disso, o dronabinol, uma formulação semi-sintética de THC aprovada pelo FDA, tem sido amplamente utilizado no manejo da anorexia e da caquexia associadas à AIDS, com doses variando de 2,5 a 10 mg/dia. Estudos sugerem que essa abordagem também pode ser aplicada ao contexto oncológico, embora as evidências sejam ainda modestas devido às diferenças fisiopatológicas entre a anorexia causada por neoplasias malignas e outras condições clínicas.

Em um estudo conduzido por Bar-Sela et al. (2019), o uso de cápsulas contendo 9,5 mg de THC e 0,5 mg de CBD duas vezes ao dia resultou em ganho de peso em 17,6% dos pacientes com câncer, além de benefícios adicionais relatados, como melhora no apetite, humor e alívio da dor e fadiga. Esses dados sugerem um potencial promissor para o uso de canabinoides no cenário de cuidados paliativos, com um perfil de segurança favorável e efeitos colaterais mínimos.8

Controle de Náuseas e Vômitos

Náuseas e vômitos são sintomas debilitantes frequentemente presentes em pacientes sob cuidados paliativos, especialmente aqueles com câncer avançado, doenças neurológicas progressivas ou outras condições crônicas graves. O manejo eficaz desses sintomas é crucial para melhorar a qualidade de vida desses pacientes, considerando o impacto significativo que podem ter sobre a ingestão alimentar, o estado nutricional e o bem-estar geral.

Entre as opções terapêuticas disponíveis, os canabinoides, como o THC, têm efeitos antieméticos comprovados, atuando diretamente nos centros de vômito no cérebro e modulando os sinais transmitidos ao sistema nervoso. Isso permite que os pacientes tolerem melhor os tratamentos e experimentem maior conforto no dia a dia.

O Δ9-THC, na forma de medicamentos como o dronabinol, está aprovado desde os anos 1980 pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de náuseas e vômitos associados à quimioterapia. Em cuidados paliativos, sua utilização vai além do tratamento do câncer, abrangendo condições como insuficiência renal terminal e AIDS, onde a náusea e a anorexia são desafios comuns.9

Enquanto o Δ9-THC apresentou benefícios limitados em relação à Proclorperazina para controle de náuseas e vômitos, a Nabilona emergiu como uma opção significativamente superior em comparação com múltiplos fármacos tradicionais, incluindo Domperidona e Alizaprida.9 Além disso, sua eficácia foi consistente tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes, com melhorias mensuráveis na redução da gravidade dos sintomas. Esses resultados destacam o potencial da Nabilona como um antiemético mais eficaz, sobretudo em cenários onde opções convencionais falham em alcançar o controle adequado dos sintomas.

Benefícios Psicológicos e melhora na qualidade do sono

Os canabinoides têm se destacado como uma abordagem terapêutica promissora no alívio de sintomas psicológicos frequentemente enfrentados por pacientes em cuidados paliativos, como ansiedade, depressão e distúrbios do sono. O canabidiol, em particular, desempenha um papel fundamental devido à sua interação com os receptores de serotonina (5-HT1A), os quais estão envolvidos na regulação do humor e na modulação da ansiedade. A aplicação terapêutica dos canabinoides, no contexto de cuidados paliativos, surge como uma estratégia eficaz para melhorar a qualidade de vida desses pacientes, com ênfase na melhora dos aspectos psicológicos e na promoção de um sono reparador, especialmente em indivíduos com condições avançadas e debilitantes.

Estudos clínicos indicam que formulações de cannabis, como o nabiximols (Sativex®), que combina THC e CBD, melhoram significativamente a qualidade subjetiva do sono em pacientes com dor crônica associada a câncer, esclerose múltipla e artrite reumatoide. Russo, Guy e Robson (2007) analisaram mais de 2.000 pacientes em ensaios clínicos e relataram que esses tratamentos proporcionaram melhorias no sono, além de apresentarem um perfil de segurança favorável.10

A revisão sistemática conduzida por AminiLari et al. (2022), que analisou 39 ensaios clínicos randomizados e incluiu mais de 5.100 pacientes, forneceu evidências robustas sobre a eficácia dos canabinoides no manejo dos distúrbios do sono, com destaque para os casos de dor crônica não oncológica. Os resultados mostraram uma melhora significativa na qualidade subjetiva do sono, particularmente em pacientes que sofriam de dor crônica, o que é relevante no contexto de cuidados paliativos, onde a gestão da dor e a promoção de um sono reparador são fundamentais para o alívio dos sintomas e a melhoria da qualidade de vida.11

Além do sono, os benefícios psicológicos dos canabinoides em cuidados paliativos incluem a redução de sintomas depressivos e ansiosos, frequentemente presentes em pacientes com doenças avançadas. A depressão, por exemplo, atinge até 25% dos pacientes com câncer e tende a piorar à medida que a doença progride, especialmente quando acompanhada de dor crônica e fadiga. Esse impacto psicológico não só compromete a qualidade de vida, mas também pode estar relacionado à progressão e à mortalidade do câncer, o que torna ainda mais urgente a busca por tratamentos que amenizem esses sintomas.

Evidências de estudos pré-clínicos sugerem que o canabidiol pode ser um aliado eficaz no manejo da depressão, com a capacidade de modular respostas neuroquímicas associadas ao estresse e à ansiedade. Pesquisas em modelos animais demonstraram que o CBD pode reduzir comportamentos depressivos e melhorar os índices de estresse autonômico. Embora estudos clínicos em humanos ainda sejam limitados, algumas evidências de casos individuais indicam que o CBD tem o potencial de diminuir os sintomas depressivos, proporcionando alívio emocional para os pacientes .12,13

No contexto dos cuidados paliativos, onde o controle do sofrimento emocional é fundamental, os canabinoides representam uma abordagem terapêutica valiosa. Sua ação sobre os sintomas psicológicos, como a ansiedade e a depressão, pode não só melhorar a qualidade de vida dos pacientes, mas também aliviar o sofrimento gerado pela doença. Esse benefício psicológico é um reflexo da necessidade crescente de alternativas terapêuticas eficazes, que vão além do controle físico da dor, oferecendo aos pacientes uma melhor qualidade de vida.

Conclusão

Os canabinoides representam uma fronteira promissora na medicina paliativa, oferecendo alívio para sintomas complexos e impactando positivamente a qualidade de vida de pacientes e suas famílias. À medida que a ciência avança, novas evidências reforçam seu papel como alternativa ou complemento terapêutico. Ao integrar o uso responsável e baseado em evidências dos canabinoides ao manejo paliativo, é possível oferecer um cuidado mais humanizado, focado no alívio do sofrimento e na promoção do bem-estar, mesmo em momentos desafiadores.

Embora mais estudos sejam necessários para fortalecer o papel dos canabinoides no cuidado paliativo, as evidências atuais destacam sua relevância como uma opção terapêutica promissora, voltada para aliviar sintomas, preservar a dignidade e melhorar a qualidade de vida de pacientes com condições graves e debilitantes.

Nesse cenário, a WeCann assume um papel crucial ao apoiar a comunidade médica na tomada de decisões terapêuticas fundamentadas em evidências científicas. Por meio de recursos técnicos, como o Tratado de Medicina Endocanabinoide, a instituição oferece capacitação para que os médicos compreendam profundamente o potencial dos canabinoides no manejo de cuidados paliativos. Essa abordagem facilita a integração segura, eficaz e ética das terapias à base de cannabis no atendimento a pacientes que enfrentam estágios avançados de doenças complexas.

Referências

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  2. MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  3. Troyer, J.; Tanco, K. Review of the Use of Medicinal Cannabis Products in Palliative Care. Cancers 2024, 16, 1412. https://doi.org/10.3390/cancers16071412
  4. Johnson J.R., Lossignol D., Burnell-Nugen M., Fallon M.T. An open-label extension study to investigate the long-term safety and tolerability of THC/CBD oromucosal spray and oromucosal THC spray in patients with terminal cancer-related pain refractory to strong opioid analgesics. J. Pain Symptom Manag. 2013;46:207–218. doi: 10.1016/j.jpainsymman.2012.07.014.
  5. Portenoy RK, Ganae-Motan ED, Allende S, Yanagihara R, Shaiova L, Weinstein S, McQuade R, Wright S, Fallon MT. Nabiximols for opioid-treated cancer patients with poorly-controlled chronic pain: a randomized, placebo-controlled, graded-dose trial. J Pain. 2012 May;13(5):438-49. doi: 10.1016/j.jpain.2012.01.003. Epub 2012 Apr 5. PMID: 22483680.
  6. Ward S.J., McAllister S.D., Kawamura R., Murase R., Neelakantan H., Walker E.A. Cannabidiol inhibits paclitaxel-induced neuropathic pain through 5-HT 1A receptors without diminishing nervous system function or chemotherapy efficacy. J. Cereb. Blood Flow Metab. 2014;171:636–645. doi: 10.1111/bph.12439. 
  7. Zarrabi AJ, Welsh JW, Sniecinski R, Curseen K, Gillespie T, Baer W, McKenzie-Brown AM, Singh V. Perception of Benefits and Harms of Medical Cannabis among Seriously Ill Patients in an Outpatient Palliative Care Practice. J Palliat Med. 2020 Apr;23(4):558-562. doi: 10.1089/jpm.2019.0211. Epub 2019 Sep 20. PMID: 31539298.
  8. Bar-Sela G, Zalman D, Semenysty V, Ballan E. The Effects of Dosage-Controlled Cannabis Capsules on Cancer-Related Cachexia and Anorexia Syndrome in Advanced Cancer Patients: Pilot Study. Integr Cancer Ther. 2019 Jan-Dec;18:1534735419881498. doi: 10.1177/1534735419881498. PMID: 31595793; PMCID: PMC6785913.
  9. RAMOS, Maíra Catharina; ELIAS, Flávia Tavares Silva. O uso de cannabis medicinal como efeito antiemético no tratamento do câncer. Informe Técnico – Maio – 2020. Fundação Oswaldo Cruz. Fiocruz Brasília, 2020.
  10. Russo, E. B., Guy, G. W. & Robson, P.J.Cannabis, Pain, and Sleep: Lessons from Therapeutic Clinical Trials of Sativex”, a Cannabis-Based Medicine. Chem. Biodivers. 4, 1729-1743 (2007). 
  11. AminiLari, M. et al. Medical cannabis and cannabinoids for impaired sleep: a systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials. Sleep 45, zsab234 (2022).
  12. Zanelati T.V., Biojone C., Moreira F.A., Guimaraes F.S., Joca S.R.L. Antidepressant-like effects of cannabidiol in mice: Possible involvement of 5-HT1A receptors. Br. J. Pharmacol. 2010;159:122–128. doi: 10.1111/j.1476-5381.2009.00521.x. 
  13. Shunney A.G. CBD Cases & Clinical Pearls: Anxiety & Depression. Botanical Medicine, Clinical Pearls, Mind/Body. [(accessed on 19 March 2021)]. Available online: https://ndnr.com/category/botanical-medicine/
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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