Canabinoides no Tratamento da Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica em Bebês

Publicado em 28/06/25 | Atualizado em 27/06/25 Leitura: 20 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoNeurológicas

A encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) neonatal é uma das principais causas de mortalidade e morbidade neurológica em recém-nascidos, frequentemente associada a eventos de hipóxia e isquemia cerebral durante o parto. Apesar do avanço na identificação precoce e nos tratamentos, como a hipotermia terapêutica, os desfechos neurológicos a longo prazo ainda são insatisfatórios para muitos pacientes. Nesse contexto, os canabinoides têm emergido como potenciais agentes terapêuticos, devido às suas propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias. No post de hoje abordar os mecanismos de ação dos canabinoides, sua aplicabilidade no tratamento da EHI e as evidências científicas disponíveis até o momento.

Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica

A encefalopatia hipóxico-isquêmica neonatal (EHI) continua sendo uma das principais causas de lesões neurológicas em recém-nascidos, com implicações que se estendem ao longo do desenvolvimento infantil. O impacto dessa condição é profundo, com um grande número de crianças apresentando deficiências motoras, cognitivas e sensoriais de longo prazo. A prevalência dessa patologia, associada a complicações decorrentes da asfixia perinatal, varia entre 0,5% e 1% de todos os nascimentos, com até 75% dos casos evoluindo para sequelas neurológicas significativas. Tais lesões têm implicações não apenas para o indivíduo afetado, mas também para as famílias e para o sistema de saúde, evidenciando a urgência de avanços terapêuticos eficazes.

A EHI resulta da privação de oxigênio e/ou fluxo sanguíneo no cérebro de recém-nascidos, geralmente associada a complicações perinatais, como asfixia, prematuridade, distúrbios no cordão umbilical ou complicações durante o trabalho de parto. Esses episódios de hipóxia e isquemia causam danos cerebrais significativos, uma vez que o cérebro neonatal é particularmente vulnerável a esses insultos devido ao seu desenvolvimento incompleto e à imaturidade das suas funções neurofisiológicas. A etiologia da EHI envolve uma combinação de fatores, como a diminuição do fornecimento de oxigênio e nutrientes ao cérebro, que desencadeiam uma série de eventos celulares destrutivos, como a excitotoxicidade, o estresse oxidativo e a inflamação. Esses mecanismos fisiopatológicos levam à morte neuronal e ao comprometimento do desenvolvimento cerebral.¹

A fisiopatologia da EHI é complexa e envolve uma série de processos interconectados que causam dano neuronal e morte celular. Entre os principais mecanismos, destaca-se a excitotoxicidade, onde a ativação excessiva de receptores de glutamato, em resposta à hipóxia-isquemia, provoca o influxo descontrolado de cálcio nas células. Esse excesso de cálcio danifica as estruturas celulares essenciais, como as mitocôndrias e o citoesqueleto, além de desencadear vias que levam à morte celular.¹

O estresse oxidativo também desempenha um papel central, uma vez que a disfunção mitocondrial e o aumento de radicais livres resultam em danos a proteínas, lipídios e DNA, exacerbando ainda mais a lesão neuronal. A neuroinflamação é outro mecanismo crítico, com a ativação da microglia e a liberação de citocinas pró-inflamatórias criando um ambiente neurotóxico que intensifica o dano cerebral. A disfunção mitocondrial, por sua vez, compromete a produção de ATP, essencial para a função celular, ampliando a excitotoxicidade e o estresse oxidativo. As alterações na perfusão cerebral devido à redução do fluxo sanguíneo cerebral e à falência da autoregulação cerebral agravam ainda mais o quadro de lesão, resultando em hipóxia adicional. Esses eventos em cascata culminam na morte neuronal e no desenvolvimento de déficits cognitivos e motores, característicos da EHI.¹

Representação esquemática do papel protetor desempenhado pelo SEC após lesão cerebral. Vários insultos cerebrais, como traumatismos, AVC, hipóxia-isquemia, excitotoxicidade, etc., têm diferentes efetores moleculares que levam a danos cerebrais, como liberação descontrolada de glutamato, produção de EROs liberação de citocinas pró-inflamatórias, etc. A lesão cerebral, por usa vez, desencadeia a produção de endocanabinoides, que aumentam a atividade do SEC, atenuando a neuroinflamação, a excitotoxicidade e a morte das células neurais, ao mesmo tempo em que favorece o relaxamento vascular, promove a proliferação de células-tronco neurais - que dão origem a novos neurònios e células gliais - e facilita sua diferenciação e migração. Em suma, a ativação do SEC como um todo após a lesão cerebral neutraliza a maioria dos processos patofisiológicos que ocorrem e minimiza danos secundários. Abreviações: EROs, espécies reativas de oxigênio; CB1, receptor canabinoide 1; CB2, receptor canabinoide 2; TRPV1, potencial receptor transitório vaniloide tipo 1. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Representação esquemática do papel protetor desempenhado pelo SEC após lesão cerebral. Vários insultos cerebrais, como traumatismos, AVC, hipóxia-isquemia, excitotoxicidade, etc., têm diferentes efetores moleculares que levam a danos cerebrais, como liberação descontrolada de glutamato, produção de EROs liberação de citocinas pró-inflamatórias, etc. A lesão cerebral, por usa vez, desencadeia a produção de endocanabinoides, que aumentam a atividade do SEC, atenuando a neuroinflamação, a excitotoxicidade e a morte das células neurais, ao mesmo tempo em que favorece o relaxamento vascular, promove a proliferação de células-tronco neurais – que dão origem a novos neurònios e células gliais – e facilita sua diferenciação e migração. Em suma, a ativação do SEC como um todo após a lesão cerebral neutraliza a maioria dos processos patofisiológicos que ocorrem e minimiza danos secundários. Abreviações: EROs, espécies reativas de oxigênio; CB1, receptor canabinoide 1; CB2, receptor canabinoide 2; TRPV1, potencial receptor transitório vaniloide tipo 1. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Clinicamente, a EHI pode se manifestar por uma variedade de sintomas, dependendo da gravidade e da extensão do dano cerebral. Os sinais clínicos incluem dificuldades respiratórias, convulsões, alterações no tônus muscular, e, em casos mais graves, coma ou ausência de resposta a estímulos. As consequências a longo prazo podem incluir deficiências neurológicas, como paralisia cerebral, atraso no desenvolvimento motor e cognitivo, dificuldades de aprendizagem e distúrbios comportamentais. O diagnóstico precoce é fundamental para a implementação de terapias adequadas, como a hipotermia terapêutica, que visa reduzir os danos e melhorar os desfechos neurológicos.¹

O tratamento atual, predominantemente baseado na hipotermia terapêutica, apresenta resultados clínicos variáveis, com eficácia limitada em muitos casos, particularmente em neonatos de baixo peso ou com lesões cerebrais extensas. Embora a hipotermia tenha mostrado eficácia em retardar a cascata de lesões celulares, ela não é capaz de impedir totalmente a evolução do dano neurológico, o que reforça a necessidade de novas abordagens terapêuticas.¹

Nesse cenário, os canabinoides emergem como agentes promissores no tratamento de lesões cerebrais, devido à sua capacidade única de modular tanto a atividade neuronal quanto a resposta inflamatória. O sistema endocanabinoide, com seu papel crucial na regulação dessas funções, oferece novas perspectivas para o desenvolvimento de terapias neuroprotetoras eficazes. Essa abordagem torna-se particularmente relevante em condições desafiadoras, como a encefalopatia hipóxico-isquêmica neonatal, onde a intervenção precoce e eficaz pode mitigar os danos cerebrais e melhorar os desfechos clínicos.

Sistema endocanabinoide e Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica

O sistema endocanabinoide (SEC) é uma rede complexa de sinalização que desempenha um papel fundamental na regulação de diversos processos fisiológicos no corpo humano, incluindo o controle da dor, do humor, do apetite, da memória, da inflamação e da neuroproteção. Esse sistema é composto por ligantes endógenos, como a anandamida (AEA) e o 2-arquidoilglicerol (2-AG), que se ligam a dois principais tipos de receptores: o CB1, amplamente expresso no sistema nervoso central, e o CB2, presente principalmente em células do sistema imunológico e periférico.²

Além desses componentes, as enzimas responsáveis pela síntese e degradação dos canabinoides também desempenham papel essencial na regulação do sistema. A capacidade do SEC de modular uma série de respostas biológicas essenciais torna-o um alvo de crescente interesse em terapias para diversas condições clínicas, incluindo doenças neurodegenerativas, distúrbios inflamatórios e, mais recentemente, em modelos de lesão cerebral, como a encefalopatia hipóxico-isquêmica.²

A sinalização do sistema endocanabinoide desempenha um papel crucial no desenvolvimento e na maturação do sistema nervoso central (SNC), influenciando uma série de processos como neurogênese, migração neuronal e sinaptogênese, aspectos fundamentais para a integridade neural. No contexto da EHI, as alterações nos níveis de ligantes endocanabinoides e a modulação dos receptores CB1 e CB2 podem afetar diretamente a resposta cerebral a lesões, impactando a reparação e a neuroproteção após eventos de hipóxia e isquemia.³

Para saber mais sobre o papel da Cannabis na Excitabilidade Cerebral acesse: Efeitos da Cannabis na Excitabilidade Cerebral – WeCann Academy

Estudos demonstram que os receptores CB1 estão amplamente envolvidos no desenvolvimento do SNC, com uma expressão significativa durante os estágios embrionários e pós-natais, sendo responsáveis por regular a migração e diferenciação neuronal. Esses receptores, além de serem amplamente expressos nas células neuronais, também estão presentes em células não neuronais, como astrócitos e oligodendrócitos, que desempenham um papel essencial na neurogênese e na reparação das vias neuronais após lesões. Essa função do CB1, particularmente na migração neuronal e no alongamento axonal, é fundamental para o restabelecimento das conexões neurais após eventos de hipóxia e isquemia.²

Controle do sistema endocanabinoide da neurogênese e do destino das células neurais no cérebro imaturo. A expressão do receptor CB1 está presente em progenitores neurais (NPs) e aumenta durante a proliferação, diferenciação e maturação neuronal. Em contraste, o receptor CB2 está presente em NPs e é regulado negativamente após a proliferação, diferenciação e maturação neuronal. Durante o desenvolvimento neuronal, os receptores CB1 e CB2 controlam a proliferação de NP, a migração de neuroblastos e a maturação dos neurônios. Em condições neuroinflamatórias, a ativação dos receptores CB1 demonstrou restaurar a neurogênese adulta e diminuir o número de neurônios lesionados. Fonte: JIE, Xiao; YUE, Zhou; LUQIANG, Sun; HAICHAUN, Wang. Role of integrating cannabinoids and the endocannabinoid system in neonatal hypoxic-ischaemic encephalopathy. Frontiers in Molecular Neuroscience, v. 16, 2023. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/molecular-neuroscience/articles/10.3389/fnmol.2023.1152167.
Controle do sistema endocanabinoide da neurogênese e do destino das células neurais no cérebro imaturo. A expressão do receptor CB1 está presente em progenitores neurais (NPs) e aumenta durante a proliferação, diferenciação e maturação neuronal. Em contraste, o receptor CB2 está presente em NPs e é regulado negativamente após a proliferação, diferenciação e maturação neuronal. Durante o desenvolvimento neuronal, os receptores CB1 e CB2 controlam a proliferação de NP, a migração de neuroblastos e a maturação dos neurônios. Em condições neuroinflamatórias, a ativação dos receptores CB1 demonstrou restaurar a neurogênese adulta e diminuir o número de neurônios lesionados. Fonte: JIE, Xiao; YUE, Zhou; LUQIANG, Sun; HAICHAUN, Wang. Role of integrating cannabinoids and the endocannabinoid system in neonatal hypoxic-ischaemic encephalopathy. Frontiers in Molecular Neuroscience, v. 16, 2023. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/molecular-neuroscience/articles/10.3389/fnmol.2023.1152167.

No caso da EHI, a sinalização do sistema endocanabinoide tem mostrado um papel duplo. De um lado, a ativação do receptor CB1, em resposta ao aumento de AEA ou 2-AG, pode exercer efeitos neuroprotetores, como a diminuição da inflamação neural e o estímulo da neurogênese/gliogênese em regiões afetadas. 

O SEC, notavelmente o receptor CB1​, atua como um “disjuntor de circuito sináptico”, crucial na prevenção da liberação excessiva de glutamato e da consequente excitotoxicidade. Esse sistema opera sob demanda, de forma sinapse-específica, liberando endocanabinoides, principalmente o 2-AG, em resposta a estímulos fisiológicos precisamente cronometrados. O 2-AG é sintetizado na membrana pós-sináptica pela ativação de receptores metabotrópicos de glutamato tipo 1 (mGluRs), especialmente mGluR5​, que são ativados pelo transbordamento de glutamato de uma atividade pré-sináptica excessiva. O 2-AG, então, viaja retrogradamente para ativar os receptores CB1​ localizados nos terminais pré-sinápticos..

A ativação dos receptores CB1​ pré-sinápticos resulta consistentemente na atenuação da liberação de neurotransmissores, funcionando como um mecanismo neuroprotetor contra a excitotoxicidade. Em condições patológicas, como lesões traumáticas, isquemia cerebral ou convulsões epilépticas, onde há um aumento da abundância de glutamato, o SEC age para modular essa atividade. A promoção da sinalização endocanabinoide em sinapses glutamatérgicas é benéfica na epilepsia, enquanto o bloqueio do CB1​ pode reduzir o limiar de convulsão e aumentar a morte neuronal. Em pacientes com epilepsia do lobo temporal, observa-se uma redução na expressão de CB1​ e DGL−α nos terminais de axônios glutamatérgicos, indicando um comprometimento desse maquinário neuroprotetor.4

Por outro lado, a modulação dos receptores CB2, que desempenham um papel central na regulação da inflamação, pode ser um mecanismo crucial para mitigar os danos relacionados ao processo isquêmico. Em particular, a ativação do receptor CB2 tem sido associada à diminuição da neuroinflamação e à proteção contra a morte neuronal induzida pela hipóxia.³

Estudos em modelos experimentais de EHI têm revelado que a modulação da sinalização endocanabinoide, particularmente a ativação dos receptores CB2, pode ter efeitos terapêuticos significativos ao promover a sobrevivência neuronal e reduzir a extensão dos danos cerebrais. A ativação do receptor CB2 pode influenciar a migração de células progenitoras neurais para as regiões danificadas e facilitar a regeneração celular, principalmente em situações de neuroinflamação, como as observadas após lesões hipóxico-isquêmicas. Além disso, a regulação da sinalização canabinoide poderia otimizar a neurogênese/gliogênese adulta e a maturação de células neuronais e gliais nas áreas afetadas, apoiando a recuperação do tecido cerebral.³

Portanto, a modulação do sistema endocanabinoide pode representar uma estratégia terapêutica promissora no tratamento da encefalopatia hipóxico-isquêmica. A regulação fina dos receptores CB1 e CB2 e a manipulação dos níveis de ligantes endocanabinoides, como AEA e 2-AG, poderia ajudar na recuperação funcional do SNC após lesões, reduzindo tanto a inflamação quanto a morte celular, ao mesmo tempo em que promove a neurogênese/gliogênese e a restauração das conexões neuronais danificadas.

Evidências científicas

Diversos estudos têm explorado o papel do sistema canabinoide e endocanabinoide em processos neuroprotetores, destacando seu envolvimento em atividades como a regulação da homeostase, modulação de respostas imunológicas e inflamatórias, ativação de vias de sinalização citoprotetora, além de influências na plasticidade sináptica e transmissões glutamatérgicas excitatórias. Essas propriedades, associadas às ações hipotérmicas e antioxidantes dos canabinoides, sugerem que esse sistema pode desempenhar um importante papel na proteção contra lesões cerebrais hipóxico-isquêmicas, tanto agudas quanto crônicas. 

Em modelos experimentais in vitro e in vivo, os canabinoides têm demonstrado propriedades antioxidantes significativas. Por exemplo, sua capacidade de reduzir a temperatura corporal em modelos animais, como observado com o agonista sintético CB1 HU-210, sugere que a hipotermia pode potencializar seus efeitos neuroprotetores. Estudos indicam que a eficácia neuroprotetora de canabinoides é reduzida quando a temperatura corporal retorna aos níveis normais, sugerindo que condições hipotérmicas são essenciais para otimizar os benefícios terapêuticos. Essa observação reforça a necessidade de terapias combinadas que integrem hipotermia e agonistas de receptores canabinoides, especialmente em neonatos com encefalopatia hipóxico-isquêmica.5,6,7

A ativação seletiva de receptores canabinoides, como CB1 e CB2, tem mostrado resultados promissores em modelos pré-clínicos de lesões cerebrais hipóxico-isquêmicas. O receptor CB1 está associado à redução do dano cerebral por mecanismos que incluem a preservação da barreira hematoencefálica (BHE), diminuição do volume de infartos e modulação da neurotransmissão glutamatérgica. No entanto, a ativação desse receptor pode ter efeitos paradoxais, promovendo tanto respostas neuroprotetoras quanto neurotóxicas, dependendo das condições experimentais e do equilíbrio entre a inibição do glutamato e a liberação de ácido gama-aminobutírico.8

Por outro lado, o receptor CB2 tem atuado como um alvo mais consistente no contexto neuroprotetor devido às suas propriedades anti-inflamatórias. Estudos demonstraram que a ativação de CB2 reduz a neuroinflamação, estabiliza a BHE, modula a produção de citocinas inflamatórias e diminui a adesão de leucócitos aos vasos cerebrais. Esses efeitos são particularmente relevantes na proteção contra danos cerebrais hipóxico-isquêmicos em neonatos, sugerindo que estratégias terapêuticas direcionadas ao CB2 podem oferecer benefícios significativos, especialmente em condições de isquemia cerebral neonatal.9

Além disso, os canabinoides têm demonstrado benefícios adicionais, como a melhora do metabolismo energético em astrócitos e a proteção dessas células gliais contra estímulos citotóxicos e pró-apoptóticos. Estudos também indicam que compostos sintéticos como o WIN55212 promovem a neurogênese e a remielinização após episódios de hipóxia-isquemia, contribuindo para a recuperação funcional do tecido cerebral.10

Um estudo investigou a neuroproteção do canabidiol e da hipotermia em um modelo animal, especificamente em leitões recém-nascidos com lesão cerebral hipóxico-isquêmica (HI). Observou-se que a HI resultou em atividade cerebral deprimida e ativação microglial aumentada. Tanto o CBD isoladamente quanto em combinação com a hipotermia melhoraram significativamente esses efeitos, mas a hipotermia sozinha não demonstrou o mesmo benefício. Embora nem a hipotermia nem o canabidiol isoladamente tenham revertido os aumentos induzidos por HI em Lac/NAA, Glu/NAA, TNFα ou apoptose, a combinação de ambos os tratamentos mostrou um efeito significativo. O tratamento com canabidiol foi bem tolerado pelos leitões.11

As descobertas, obtidas neste modelo animal, sugerem que, embora a administração de canabidiol após hipóxia-isquemia em leitões ofereça alguns efeitos neuroprotetores, a combinação de canabidiol e hipotermia demonstra um efeito aditivo. Essa combinação leva a uma neuroproteção mais completa em comparação com o canabidiol ou a hipotermia administrados isoladamente. Este estudo ressalta o potencial da terapia combinada para otimizar os resultados em casos de lesão cerebral hipóxico-isquêmica neonatal, oferecendo uma abordagem mais abrangente do que as terapias isoladas.11

Outro estudo, realizado em um modelo animal com ratos recém-nascidos, investigou se os efeitos neuroprotetores de curto prazo do canabidiol  após hipóxia-isquemia são sustentados a longo prazo. Ratos Wistar foram submetidos a lesão de HI e, subsequentemente, tratados com veículo ou 1 mg/kg de CBD. Os pesquisadores observaram que o CBD modulou a excitotoxicidade cerebral, o estresse oxidativo e a inflamação sete dias após o HI.12

Além disso, o CBD reduziu o volume do infarto cerebral em 17% e diminuiu a extensão do dano histológico. Mais significativamente, 30 dias após o HI, os animais tratados com CBD apresentaram resultados neurocomportamentais semelhantes aos animais controle, indicando uma recuperação funcional duradoura, em contraste com o comprometimento funcional de longa duração observado nos animais não tratados. Os resultados sugerem que o CBD promove uma recuperação funcional mais significativa do que histológica, sem efeitos colaterais aparentes, reforçando o interesse no CBD como um agente neuroprotetor para HI neonatal.12

Os canabinoides apresentam um papel promissor no campo da neuroproteção, especialmente em condições de lesão cerebral hipóxico-isquêmica, devido às suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, moduladoras da neurotransmissão e estabilizadoras da barreira hematoencefálica. No entanto, apesar dos avanços significativos em modelos experimentais, a maior parte das evidências disponíveis provém de estudos pré-clínicos, realizados em modelos animais ou in vitro. Portanto, é crucial que esforços futuros sejam direcionados para superar essas barreiras e traduzir os achados pré-clínicos em intervenções terapêuticas seguras e eficazes, oferecendo uma base mais robusta para o uso clínico de canabinoides em condições neurológicas complexas.

Conclusão

Os avanços na compreensão do sistema endocanabinoide e suas interações com os processos neuroinflamatórios e regenerativos têm aberto novas perspectivas para o tratamento da encefalopatia hipóxico-isquêmica neonatal. A aplicação de canabinoides como agentes terapêuticos oferece um potencial significativo para complementar os tratamentos atuais, especialmente em neonatos que não respondem satisfatoriamente à hipotermia terapêutica. 

Embora os estudos pré-clínicos tenham apresentado resultados promissores, a tradução desses achados para a prática clínica ainda exige pesquisas adicionais, incluindo ensaios controlados em humanos. A combinação de estratégias como a modulação do sistema endocanabinoide com técnicas já estabelecidas pode representar um avanço crucial para melhorar os desfechos neurológicos desses pacientes.

Manter-se atualizado sobre as opções terapêuticas para Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica é essencial para que os médicos ofereçam tratamentos eficazes e baseados em evidências. Nesse cenário, a WeCann se posiciona como uma importante parceira da comunidade médica, fornecendo suporte à tomada de decisões clínicas fundamentadas na ciência. Por meio de recursos técnicos, como o Tratado de Medicina Endocanabinoide, a instituição capacita os profissionais a explorar o potencial terapêutico dos canabinoides no manejo dessa e de outras patologias. Essa abordagem possibilita a integração de terapias de maneira segura, ética e em conformidade com os avanços científicos mais recentes.

Referências

  1. PIGNATARI, Vinícius Thomaz et al. Neuroproteção na encefalopatia hipóxico-isquêmica neonatal: revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 13, n. 5, e0713545695, 2024. Disponível em: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v13i5.45695.
  2. MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  3. JIE, Xiao; YUE, Zhou; LUQIANG, Sun; HAICHAUN, Wang. Role of integrating cannabinoids and the endocannabinoid system in neonatal hypoxic-ischaemic encephalopathy. Frontiers in Molecular Neuroscience, v. 16, 2023. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/molecular-neuroscience/articles/10.3389/fnmol.2023.1152167.
  4. Katona I, Freund TF. Endocannabinoid signaling as a synaptic circuit breaker in neurological disease. Nat Med. 2008 Sep;14(9):923-30. doi: 10.1038/nm.f.1869. Epub 2008 Sep 5. PMID: 18776886.
  5. Leker, R. R., Gai, N., Mechoulam, R., and Ovadia, H. (2003). Drug-induced hypothermia reduces ischemic damage: Effects of the cannabinoid HU-210. Stroke 34, 2000–2006. doi: 10.1161/01.STR.0000079817.68944.1E
  6. Lafuente, H., Pazos, M. R., Alvarez, A., Mohammed, N., Santos, M., Arizti, M., et al. (2016). Effects of Cannabidiol and hypothermia on short-term brain damage in new-born piglets after acute hypoxia-ischemia. Front. Neurosci. 10:323. doi: 10.3389/fnins.2016.00323
  7. Barata, L., Arruza, L., Rodriguez, M. J., Aleo, E., Vierge, E., Criado, E., et al. (2019). Neuroprotection by cannabidiol and hypothermia in a piglet model of newborn hypoxic-ischemic brain damage. Neuropharmacology 146, 1–11. doi: 10.1016/j.neuropharm.2018.11.020
  8. Chi, O. Z., Barsoum, S., Grayson, J., Hunter, C., Liu, X., and Weiss, H. R. (2012). Effects of cannabinoid receptor agonist WIN 55,212-2 on blood-brain barrier disruption in focal cerebral ischemia in rats. Pharmacology 89, 333–338. doi: 10.1159/000338755
  9. Rivers, J. R., and Ashton, J. C. (2010). The development of cannabinoid CBII receptor agonists for the treatment of central neuropathies. Cent. Nerv. Syst. Agents Med. Chem. 10, 47–64. doi: 10.2174/187152410790780145
  10. Zhang, M., Martin, B. R., Adler, M. W., Razdan, R. J., Kong, W., Ganea, D., et al. (2009). Modulation of cannabinoid receptor activation as a neuroprotective strategy for EAE and stroke. J. Neuroimmune Pharmacol. 4, 249–259. doi: 10.1007/s11481-009-9148-4
  11. Barata L, Arruza L, Rodríguez MJ, Aleo E, Vierge E, Criado E, Sobrino E, Vargas C, Ceprián M, Gutiérrez-Rodríguez A, Hind W, Martínez-Orgado J. Neuroprotection by cannabidiol and hypothermia in a piglet model of newborn hypoxic-ischemic brain damage. Neuropharmacology. 2019 Mar 1;146:1-11. doi: 10.1016/j.neuropharm.2018.11.020. Epub 2018 Nov 20. PMID: 30468796.
  12. Pazos MR, Cinquina V, Gómez A, Layunta R, Santos M, Fernández-Ruiz J, Martínez-Orgado J. Cannabidiol administration after hypoxia-ischemia to newborn rats reduces long-term brain injury and restores neurobehavioral function. Neuropharmacology. 2012 Oct;63(5):776-83. doi: 10.1016/j.neuropharm.2012.05.034. Epub 2012 May 30. PMID: 22659086.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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