O diabetes mellitus é uma doença metabólica crônica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Caracterizada por hiperglicemia persistente, a condição resulta de uma deficiência na secreção de insulina, na ação da insulina ou em ambos. Com o aumento contínuo da prevalência do diabetes, especialmente o tipo 2, as opções de tratamento eficazes e com mínimos efeitos colaterais tornaram-se uma prioridade na pesquisa médica. Nesse cenário, o canabidiol (CBD), um composto não psicotrópico da planta Cannabis sativa, tem emergido como uma potencial alternativa terapêutica para auxiliar no controle do diabetes. No post de hoje vamos explorar as evidências científicas atuais sobre o papel do CBD no controle da glicemia, inflamação e complicações relacionadas ao diabetes.
Diabetes Mellitus
Diabetes Mellitus é um grupo de distúrbios metabólicos caracterizados pela hiperglicemia crônica, resultante de defeitos na secreção ou ação da insulina. As principais formas de diabetes incluem o Diabetes Mellitus Tipo 1 (DM1), que é uma doença autoimune na qual as células beta do pâncreas são destruídas, levando à deficiência absoluta de insulina, e o Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2), que é caracterizado pela resistência à insulina e, em estágios avançados, pela disfunção das células beta pancreáticas. DM2 é responsável por cerca de 90% dos casos de diabetes e está fortemente associado a fatores de risco como obesidade, sedentarismo, dieta inadequada e predisposição genética.¹
A fisiopatologia do DM1 envolve uma destruição autoimune das células beta pancreáticas mediada por linfócitos T, resultando em uma ausência quase completa de produção de insulina. Em contraste, o DM2 é caracterizado por uma resistência à insulina nos tecidos periféricos, como músculos e fígado, acompanhada por uma produção inadequada de insulina pelo pâncreas para compensar essa resistência.¹
Os sintomas comuns de diabetes incluem poliúria (aumento da micção), polidipsia (aumento da sede), perda de peso inexplicada e fadiga. Se não tratado adequadamente, o diabetes pode levar a complicações graves, como doenças cardiovasculares, nefropatia, neuropatia, retinopatia e aumento do risco de infecções.¹
O manejo do diabetes envolve uma combinação de intervenções farmacológicas e modificações no estilo de vida. No DM1, a terapia com insulina é fundamental para a sobrevivência, enquanto o DM2 pode ser manejado inicialmente com medicamentos orais, mudanças na dieta e aumento da atividade física. Em casos mais avançados de DM2, a insulina ou outros medicamentos injetáveis podem ser necessários. O monitoramento contínuo dos níveis de glicose no sangue e a manutenção de uma dieta equilibrada são essenciais para o controle da doença e a prevenção de complicações a longo prazo.
O Sistema Endocanabinoide e o Metabolismo
O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel fundamental na regulação do metabolismo energético, controle do comportamento alimentar, homeostase da glicose, metabolismo lipídico e na adipogênese. Este sistema é composto por receptores canabinoides (CB1 e CB2), ligantes endógenos conhecidos como endocanabinoides, como a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), além de enzimas responsáveis pela síntese e degradação desses compostos.² A atuação do SEC em diversos processos metabólicos coloca-o como um importante alvo para intervenções terapêuticas em condições metabólicas como obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica.
A ativação dos receptores CB1, principalmente no sistema nervoso central, está associada à promoção do apetite, aumento da ingestão alimentar e armazenamento de energia sob a forma de tecido adiposo. A sinalização através desses receptores influencia diretamente a homeostase glicêmica e o equilíbrio energético. No entanto, a hiperativação dos receptores CB1, especialmente no fígado e tecido adiposo, pode levar ao aumento da lipogênese, resistência insulínica e, consequentemente, ao desenvolvimento de obesidade e diabetes tipo 2. Estudos demonstram que pacientes com distúrbios metabólicos frequentemente apresentam um SEC desregulado, sugerindo que a modulação deste sistema pode ser uma estratégia eficaz no manejo dessas condições.³
No contexto da homeostase da glicose, o SEC desempenha um papel vital na regulação da secreção de insulina pelas células β pancreáticas. A sinalização mediada pelos receptores CB1 é essencial para a modulação da sensibilidade à insulina e a manutenção da glicemia em níveis normais.4 A hiperexpressão do gene CNR1, que codifica o receptor CB1, foi observada no tecido adiposo de pacientes com diabetes tipo 2 e está associada a marcadores de resistência à insulina, indicando uma possível via patogênica mediada pelo SEC.³
No tecido adiposo, os receptores CB1 estão envolvidos na modulação da sensibilidade à insulina e na adipogênese. A ativação desses receptores promove a diferenciação dos adipócitos, particularmente no tecido adiposo branco, e influencia o armazenamento de energia. Além disso, a interação dos receptores CB1 com o sistema imunológico e o sistema nervoso simpático no tecido adiposo desempenha um papel crucial na regulação da sensibilidade à insulina e na termogênese. Este último processo, especialmente o “escurecimento” dos adipócitos brancos, pode aumentar o gasto energético, o que tem implicações significativas para o manejo da obesidade e da resistência à insulina.5
No fígado, a ativação dos receptores CB1 está associada ao aumento da lipogênese e ao acúmulo de gordura, processos que podem levar à esteatose hepática, um fator de risco para a resistência à insulina e o desenvolvimento de diabetes tipo 2.6 Além disso, a desregulação do SEC em pacientes com distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes, frequentemente resulta em níveis elevados de endocanabinoides circulantes, que por sua vez exacerbam a resistência à insulina e a disfunção metabólica. Esse ciclo patológico de retroalimentação agrava o quadro clínico, tornando o SEC um alvo terapêutico promissor para o desenvolvimento de novos tratamentos para o diabetes.²
Evidências científicas
Estudos indicam que o CBD pode influenciar positivamente o controle glicêmico. Jadoon et al. (2016) realizaram um ensaio clínico duplo-cego com pacientes com diabetes tipo 2 e descobriram que o CBD reduziu a resistência à insulina e aumentou o peptídeo insulinotrópico dependente de glicose.7 Além disso, a tetrahidrocannabivarina (THCV) mostrou um efeito significativo na redução da glicose plasmática em jejum e na melhora da função das células beta pancreáticas, adiponectina e apolipoproteína A, destacando a THCV como uma opção farmacológica promissora para o controle glicêmico.7
A dor crônica, especialmente a neuropatia periférica diabética, é uma complicação comum em pacientes com diabetes e frequentemente difícil de tratar. Em um estudo recente, pacientes com dor neuropática diabética refratária à terapia convencional foram tratados com uma combinação de THC e CBD, mostrando efeitos analgésicos significativos. A pesquisa envolveu 800 pacientes com dor crônica grave, muitos dos quais apresentavam uma longa história de neuropatia diabética, com intensidade média de 46,8 mm na escala EVA e picos de até 73,3 mm. O uso do spray oromucoso THC:CBD resultou em alívio clínico relevante em pacientes com sintomas neuropáticos elevados.8 Esses achados sugerem que a cannabis medicinal pode ser uma opção eficaz para pacientes com diabetes que sofrem de dor neuropática, especialmente quando outros tratamentos, como opioides, não são suficientes.
No entanto, apesar dos resultados promissores em pacientes com dor neuropática associada ao diabetes, o estudo mostrou que aqueles com dor predominantemente nociceptiva, sem sinais de mecanismos neuropáticos, responderam menos favoravelmente ao tratamento com THC:CBD. De fato, 74,1% dos pacientes com dor nociceptiva interromperam o tratamento precocemente devido à sua ineficácia. Isso destaca a importância de identificar corretamente o tipo de dor no diabetes, uma vez que o tratamento com canabinoides parece ser mais eficaz em pacientes com dor neuropática. Com base nesses achados, o THC:CBD pode ser considerado uma intervenção complementar promissora para aliviar a dor crônica neuropática em pacientes diabéticos, particularmente aqueles que não respondem às terapias convencionais.8
Além disso, um estudo conduzido com ratos diabéticos induzidos por estreptozotocina demonstrou a eficácia antinociceptiva do canabidiol (CBD) na alodinia mecânica. Este estudo revelou que o efeito antialodínico do CBD não está associado à ativação direta dos receptores CB1 e CB2, mas sim à ativação do receptor 5-HT1A, resultando em um aumento significativo dos níveis espinhais de serotonina.9 A alodinia mecânica é uma condição comum em pacientes com neuropatia diabética, onde estímulos que normalmente não causariam dor são percebidos como dolorosos. A descoberta de que o CBD pode aliviar essa condição por meio da modulação do receptor 5-HT1A e aumento da serotonina sugere um mecanismo particularmente relevante, dado que os receptores CB1 e CB2, que são comumente associados aos efeitos analgésicos dos canabinoides, não estão diretamente envolvidos.9
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Conclusão
O canabidiol emerge como uma alternativa terapêutica promissora para o manejo do diabetes mellitus e suas complicações, oferecendo novas perspectivas além das abordagens convencionais. A evidência científica recente sugere que o CBD pode influenciar positivamente o controle glicêmico, com estudos mostrando sua capacidade de reduzir a resistência à insulina e melhorar parâmetros metabólicos relevantes. Além disso, a eficácia do CBD no alívio da alodinia mecânica em modelos animais, através da ativação do receptor 5-HT1A, destaca um mecanismo distinto dos receptores canabinoides clássicos, ampliando o potencial terapêutico da cannabis na neuropatia diabética.
É essencial que os médicos se mantenham atualizados sobre os avanços no uso da cannabis medicinal para expandir suas abordagens terapêuticas e proporcionar o melhor cuidado possível aos seus pacientes. Nesse contexto, a WeCann desempenha um papel crucial ao oferecer suporte educacional especializado para médicos interessados em explorar o uso terapêutico seguro e responsável da cannabis. Com uma base científica sólida, a WeCann visa garantir que a comunidade médica possa tomar decisões fundamentadas em evidências científicas ao considerar a cannabis como uma opção terapêutica para variadas condições médicas.
Referências
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- JESUS, Carlos Henrique Alves; REDIVO, Daiany Darlly Bello; GASPARIN, Aléxia Thamara; SOTOMAIOR, Bruna Bittencourt. Cannabidiol attenuates mechanical allodynia in streptozotocin-induced diabetic rats via serotonergic system activation through 5-HT1A receptors.Brain Research.São Paulo, p. 156-164. jul. 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30898678/. Acesso em: 17 maio 2022.