Canabigerol (CBG): o canabinoide emergente

Publicado em 04/09/24 | Atualizado em 11/09/24 Leitura: 9 minutos

Canabigerol (CBG)Canabinoides

A comunidade médica e científica tem testemunhado um interesse crescente nos canabinoides, compostos bioativos encontrados na planta Cannabis sativa. Entre os mais diversos canabinoides identificados até agora, o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) têm recebido a maior parte da atenção devido aos seus efeitos terapêuticos. No entanto, outro canabinoide está emergindo como uma molécula promissora com potencial terapêutico significativo: o canabigerol (CBG). No post de hoje, vamos explorar as propriedades, mecanismos de ação e possíveis aplicações terapêuticas do CBG, destacando sua relevância para a prática médica.

O que é o Canabigerol (CBG)?

O canabigerol é um fitocanabinoide não psicotrópico que está ganhando destaque nas pesquisas científicas devido ao seu amplo potencial terapêutico. Considerado  por muitos como a “mãe de todos os canabinoides”. Isso porque outros canabinoides são derivados do ácido canabigerólico (CBGA), a forma ácida do CBG. Durante o crescimento da planta cannabis, o CBGA é o primeiro fitocanabinoide a ser sintetizado. Ou seja, o CBGA é o ponto de partida para a formação de outros canabinoides, pois, através de reações enzimáticas, ele é convertido em três principais canabinoides ácidos:

  1. Ácido Tetrahidrocanabinólico (THCA)
  2. Ácido Canabidiólico (CBDA)
  3. Ácido Canabicromênico (CBCA)

Esses canabinoides ácidos, ao serem expostos ao calor ou à luz ultravioleta, passam por um processo de descarboxilação, perdendo um grupo carboxila (COOH) e se transformando em suas formas neutras: THC, CBD e CBC, respectivamente.

Na planta madura de cannabis, apenas pequenas quantidades de CBG são encontradas, geralmente menos de 1% do conteúdo total de canabinoides.¹ Isso ocorre porque a maior parte do CBGA é convertida em THCA, CBDA e CBCA à medida que a planta se desenvolve. Algumas variantes de cannabis, devido a sua composição genética e bioquímica, têm maiores concentrações de CBG. Devido a sua raridade e ao custo elevado de extração, o CBG é considerado um componente valioso.

Para aumentar os teores de CBG na planta cannabis, os cultivadores de cannabis têm experimentado técnicas de cruzamento seletivo e manipulação genética. Essas abordagens visam desenvolver variantes que bloqueiam a conversão de CBGA em outros canabinoides, resultando em maiores concentrações de CBG na planta madura.² Tais avanços são cruciais para tornar o CBG mais acessível para pesquisas e aplicações clínicas.

Para saber mais sobre os fitocanabinoides acesse: Principais Fitocanabinoides e seus efeitos no organismo (wecann.academy)

Como funciona o CBG?

O CBG interage com o sistema endocanabinoide (SEC) do corpo humano, uma rede complexa de receptores, enzimas e endocanabinoides que mantêm a homeostase corporal. O SEC desempenha um papel crucial na regulação de várias funções fisiológicas, incluindo dor, humor, apetite, sono e resposta imune. O SEC é composto por receptores canabinoides, endocanabinoides (compostos naturalmente produzidos pelo corpo) e enzimas que sintetizam e degradam esses endocanabinoides. Os dois principais receptores canabinoides são:

  1. Receptores CB1: Localizados principalmente no sistema nervoso central, especialmente no cérebro, e são responsáveis por mediar efeitos psicotrópicos e a modulação da dor.
  2. Receptores CB2: Encontrados principalmente no sistema imunológico e em tecidos periféricos, desempenham um papel na regulação da resposta inflamatória e imunológica.

 

O CBG age ligando-se a ambos os receptores CB1 e CB2, embora sua afinidade por esses receptores seja menor em comparação com outros canabinoides. Além disso, o CBG imita a ação dos endocanabinoides naturais do corpo, como a anandamida. A anandamida é um neurotransmissor que se liga aos receptores CB1 e CB2, desempenhando um papel vital na regulação do prazer, motivação, apetite, sono e alívio da dor. O CBG fortalece a função da anandamida (AEA) inibindo sua recaptação e degradação, aumentando assim sua disponibilidade no sistema nervoso.³

Além disso, o CBG frequentemente ativa os receptores TRPA1, α2-adrenérgicos e vários receptores vaniloides (TRPV), enquanto inibe os receptores TRPV8, TRPM8 e 5-HT. O CBG também desempenha um papel crucial na inibição da recaptação de serotonina, norepinefrina e GABA.4 Esta ação contribui para sua eficácia no alívio da dor e da inflamação, através da inibição das lipoxigenases, enzimas responsáveis pela produção de importantes mensageiros inflamatórios, bem como na modulação da sensibilização ao calor pela inibição dos receptores TRPV8. Adicionalmente, o CBG tem demonstrado ser um agente potente contra o MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina).5

 

Mecanismo de ação do Cannabigerol sobre os receptores endógenos.
Mecanismo de ação do Cannabigerol sobre os receptores endógenos. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

 

Potenciais benefícios clínicos do Canabigerol

Ansiedade e Depressão

O CBG tem mostrado um potencial promissor no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão. Um estudo recente revelou que uma proporção significativa de pacientes relatou o uso de preparações de cannabis ricas em CBG para a redução da ansiedade, com cerca de um em cada três usuários buscando alívio para sintomas depressivos.6 Esses pacientes indicaram que o CBG pode ser mais eficaz do que as terapias convencionais. O mecanismo proposto envolve a modulação dos receptores serotoninérgicos, especialmente os 5-HT1A, que estão associados ao controle do humor e à regulação da ansiedade e depressão. Além disso, o CBG pode aumentar a disponibilidade de neurotransmissores como a serotonina, influenciando positivamente o estado emocional.

Dor Crônica

Estudos recentes revelam que o CBG se liga a uma variedade de receptores, incluindo os receptores de potencial transitório TRPA1, que desempenham um papel crucial na modulação da dor e da inflamação. O TRPA1 não apenas está envolvido na percepção da dor, mas também protege as células da apoptose em condições de estresse oxidativo, o que é relevante para a Artrite Reumatoide, uma doença caracterizada por inflamação crônica e estresse oxidativo.

Pesquisas demonstraram que o CBG pode reduzir significativamente a produção de citocinas inflamatórias, como IL-6 e IL-8, em fibroblastos sinoviais reumatoides (RASF), bem como influenciar a atividade de células mononucleares de sangue periférico (PBMCs). O CBG foi eficaz em aumentar a concentração de cálcio intracelular em RASF estimulados por TNF, e sua modulação foi dependente do TRPA1, embora não exclusivamente. Além disso, o CBG demonstrou reduzir a viabilidade celular e a produção de autoanticorpos, o que pode contribuir para a diminuição da inflamação e dos sintomas associados à AR. Com essas evidências, o CBG se apresenta como uma terapia complementar potencialmente eficaz para a AR, oferecendo uma abordagem não psicotrópica com benefícios anti-inflamatórios extensivos em comparação com outros fitocanabinoides, como o THC e o CBD.6

Doença Inflamatória Intestinal

A Doença Inflamatória Intestinal (DII), que inclui condições como a doença de Crohn e a colite ulcerativa, afeta uma proporção significativa da população e frequentemente requer intervenções terapêuticas para manejo dos sintomas. Estudos indicam que entre 15% e 40% dos pacientes com DII utilizam cannabis e canabinoides, incluindo o CBG, para melhorar o apetite e reduzir a dor associada à condição.7 Embora os dados disponíveis sejam promissores, há uma necessidade de evidências clínicas mais robustas para estabelecer diretrizes claras sobre dosagem e administração. 

Conclusão

O Canabigerol emerge como um canabinoide promissor no campo da medicina, destacando-se pelo seu diversificado potencial terapêutico. Estudos preliminares indicam que o CBG pode ser particularmente eficaz no manejo da dor crônica, ansiedade, depressão e doença inflamatória intestinal. No entanto, a baixa concentração de CBG na planta madura e os desafios relacionados a sua extração e produção em larga escala ainda limitam sua disponibilidade e amplo uso clínico. É fundamental que os médicos se mantenham atualizados e busquem novas terapêuticas para seus pacientes, sempre com o respaldo de evidências científicas. Com o avanço das pesquisas e o desenvolvimento de novas variantes de cannabis com maiores concentraçõesde CBG, espera-se que este canabinoide se torne uma ferramenta valiosa no arsenal terapêutico dos profissionais médicos, oferecendo novas opções de tratamento a pacientes portadores de transtornos crônicos, refratários e incapacitantes.

Referências:

  1. Perez, E.; Fernandez, J.R.; Fitzgerald, C.; Rouzard, K.; Tamura, M.; Savile, C. In Vitro and Clinical Evaluation of Cannabigerol (CBG) Produced via Yeast Biosynthesis: A Cannabinoid with a Broad Range of Anti-Inflammatory and Skin Health-Boosting Properties. Molecules 2022, 27, 491. https://doi.org/10.3390/molecules27020491
  2. Mudge, E.M., Murch, S.J. & Brown, P.N. Chemometric Analysis of Cannabinoids: Chemotaxonomy and Domestication Syndrome. Sci Rep 8, 13090 (2018). https://doi.org/10.1038/s41598-018-31120-2
  3. Jastrząb, A.; Jarocka-Karpowicz, I.; Skrzydlewska, E. The Origin and Biomedical Relevance of Cannabigerol. Int. J. Mol. Sci. 2022, 23, 7929. https://doi.org/10.3390/ijms23147929
  4. MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  5. Pertwee, R. G. Handbook of cannabis. (Oxford University Press, USA, 2014). 
  6. Lowin T, Tigges-Perez MS, Constant E, Pongratz G. Anti-Inflammatory Effects of Cannabigerol in Rheumatoid Arthritis Synovial Fibroblasts and Peripheral Blood Mononuclear Cell Cultures Are Partly Mediated by TRPA1. Int J Mol Sci. 2023 Jan 3;24(1):855. doi: 10.3390/ijms24010855. PMID: 36614296; PMCID: PMC9820932.
  7. Nduma B N, Mofor K A, Tatang J, et al. (March 14, 2023) The Use of Cannabinoids in the Treatment of Inflammatory Bowel Disease (IBD): A Review of the Literature. Cureus 15(3): e36148. doi:10.7759/cureus.36148.
  8. ALOWAY, A.; KUMAR, A.; LAUN, A. S.; SONG, Z. H. Cannabinoid regulation of intraocular pressure: Human and animal studies, cellular and molecular targets. In: PONNAMPERUMA, G.; MUDDASSIR, S.; KAPOOR, S. (Ed.). Handbook of Cannabis and Related Pathologies: Biology, Pharmacology, Diagnosis, and Treatment. San Diego: Academic Press, 2017. p. 748-759. DOI: 10.1016/B978-0-12-800756-3.00088-0. Disponível em: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-800756-3.00088-0
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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