Caso clínico – Insônia e ansiedade

Publicado em 23/06/25 | Atualizado em 22/06/25 Leitura: 12 minutos

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Identificação

Paciente M.R.O., 69 anos, sexo feminino.

Apresentação do Caso Clínico

A paciente, M.R.O., uma mulher de 69 anos, com peso corporal de 67 kg, apresenta um histórico clínico complexo, com diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) desde os 8 anos, associado a Transtorno Depressivo Recorrente, Transtorno do Sono e Trauma Complexo. Sua principal queixa atual é a ansiedade persistente, acompanhada de insônia severa, ambos refratários aos tratamentos farmacológicos convencionais. Entre suas comorbidades, destacam-se hipotireoidismo controlado, histórico de câncer de pele facial tratado, e osteoporose.

Paciente cansada após noites mal dormidas
Paciente cansada após noites mal dormidas

No contexto de sua saúde mental, a paciente carrega um histórico significativo de sofrimento, incluindo múltiplas tentativas de suicídio em episódios depressivos graves. Desde a infância, relata níveis altos de ansiedade que impactaram sua funcionalidade e interações sociais. Ao longo dos anos, passou por diversos tratamentos, com regimes farmacológicos incluindo Quetiapina 225 mg, Pregabalina 275 mg, Melatonina 2 mg e Escitalopram 10 mg. Embora esses medicamentos tenham oferecido algum alívio parcial, a insônia e a ansiedade permaneceram, demandando uma abordagem terapêutica diferenciada.

Histórico Familiar e Hábitos de Vida

A história de vida da paciente M.R.O. é marcada por um ambiente familiar desafiador e emocionalmente adverso. O pai, alcoólatra e frequentemente agressivo, desempenhava um papel desestabilizador no núcleo familiar, enquanto a mãe, de personalidade controladora, exacerbava os conflitos interpessoais. A dinâmica familiar caótica criou um terreno fértil para sentimentos de insegurança e solidão, impactando diretamente a saúde mental da paciente desde a infância.

Durante a adolescência, M.R.O. vivenciou um isolamento social progressivo, combinado com uma rebeldia crescente como forma de lidar com a ausência de apoio emocional. Essa fase foi permeada por pensamentos conflitantes e intensos, frequentemente associados à sensação de inadequação e à dificuldade de estabelecer vínculos saudáveis.

Apesar do ambiente hostil, a paciente encontrou refúgio e significado em suas conexões com os animais, desenvolvendo laços afetivos profundos que ofereceram algum conforto emocional. Além disso, dedicou-se a atividades que promoviam bem-estar e criatividade, como leitura, jardinagem, natação e artes plásticas. Esses hábitos, incorporados ao longo da vida, não apenas proporcionaram momentos de alívio, mas também revelaram uma capacidade de resiliência notável frente às adversidades.

Exame Psíquico

No momento do exame, a paciente mantém uma aparência bem cuidada, vigil, orientada no tempo e espaço. Seu discurso é coerente, mas permeado por pensamentos de caráter depressivo e ansioso. O afeto é predominantemente triste, e há relato de sono superficial, com despertares frequentes e dificuldade em iniciar o sono.

Ao exame psíquico, a paciente apresenta-se com postura hipoativa, condizente com um quadro de sofrimento emocional crônico. Durante a entrevista, foi evidente uma expressão facial marcada por tristeza e cansaço, acompanhada de olheiras pronunciadas e aparência geral compatível com insônia prolongada.

A linguagem verbal é coerente, mas notadamente lenta e com entonação monótona. Embora responda às perguntas de forma colaborativa, frequentemente faz pausas longas, como se buscasse organizar os pensamentos antes de falar. Relata episódios de esquecimento e dificuldade de concentração, o que foi corroborado por sua dificuldade em realizar tarefas mentais simples propostas durante a avaliação.

No campo do humor e afeto, predomina um humor depressivo, com afetividade restrita, caracterizada por pouca variação emocional ao longo da consulta. A paciente descreve sentimentos persistentes de desesperança, culpa e fracasso, que contribuem para sua visão pessimista em relação ao futuro.

A cognição apresenta-se globalmente preservada em aspectos básicos, mas com prejuízo nas funções executivas, como planejamento e tomada de decisões. O pensamento com velocidade normal, fluxo linear e conteúdos patológicos, pautado por ruminações de teor ansioso e catastrófico, especialmente em relação à saúde e eventos familiares passados.

Não há evidências de alucinações ou delírios estruturados, mas a paciente refere fenômenos intrusivos relacionados ao trauma, como memórias invasivas e flashbacks ocasionais. Nega ideação suicida atual, mas relata pensamentos de morte frequentes no passado, principalmente durante episódios mais graves de ansiedade e depressão.

O juízo crítico e a percepção de realidade estão preservados, embora sua autocrítica seja excessivamente negativa. Este exame reflete um quadro compatível com transtornos psiquiátricos crônicos, destacando a necessidade de intervenções que abordem tanto os sintomas agudos quanto os fatores psicossociais subjacentes.

Diagnóstico

  1. Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) – Diagnóstico histórico de longa data, desde os 8 anos de idade, com sintomatologia persistente, caracterizada por preocupação excessiva e dificuldades em controlar os pensamentos ansiosos, afetando suas funções diárias e seu bem-estar psicológico. A intensidade dos sintomas tem sido exacerbada pela insônia crônica e pelos episódios de depressão.
  2. Transtorno Depressivo Recorrente – Episódios depressivos recorrentes, com predominância de humor depressivo, sentimentos de desesperança e culpa, associados a dificuldade de concentração, fadiga, e alteração do sono. Os sintomas têm sido crônicos e intensificados por uma história de vida marcada por adversidade emocional e familiar.
  3. Transtorno do Sono (Insônia Crônica) – A paciente relata insônia refratária, caracterizada por sono superficial, despertares frequentes e dificuldade em iniciar o sono. Os distúrbios do sono são um fator significativo na exacerbação dos sintomas de ansiedade e depressão, agravando o quadro clínico global.
  4. Trauma Complexo – O histórico de abuso emocional e negligência durante a infância, aliado à convivência com um pai alcoólatra e agressivo e uma mãe controladora, configura um quadro de trauma complexo, com impacto profundo na saúde mental da paciente ao longo de sua vida. A paciente apresenta sinais claros de disfunções emocionais, dificuldade de regulação emocional e uma visão distorcida de seu valor e capacidade.

 

Este quadro clínico exige uma abordagem integrada e multidisciplinar, com ênfase no manejo dos sintomas psiquiátricos, no tratamento das comorbidades e na atenção às questões psicossociais subjacentes. A paciente se mostrou refratária à terapia convencional, com respostas insatisfatórias aos tratamentos farmacológicos previamente tentados. Dada a persistência e resistência aos métodos tradicionais, torna-se imprescindível a introdução de uma terapia alternativa, que possa oferecer melhores resultados e melhorar a qualidade de vida da paciente. A avaliação contínua e os ajustes terapêuticos serão essenciais para otimizar o manejo do quadro clínico e proporcionar um controle mais eficaz dos sintomas.

Tratamento com Cannabis

Em agosto de 2023, a paciente com histórico de insônia severa e ansiedade buscou atendimento psiquiátrico. Ela fazia uso de Quetiapina 225 mg, Pregabalina 275 mg, Melatonina 2 mg e Escitalopram 10 mg, mas ainda apresentava sintomas intensos, especialmente à noite. Para abordar o problema, foi prescrita uma formulação magistral de Cannabis sativa L., com proporção THC:CBD de 1:5 (24 mg/mL de THC e 8 mg/mL de CBD), diluída em óleo de cânhamo. A paciente foi orientada a iniciar com 2 gotas sublinguais às 20h. O objetivo principal era melhorar a qualidade do sono.

Evolução – Outubro de 2023
Após seis semanas de uso, a paciente retornou relatando que a formulação inicial não trouxe a melhora esperada no sono. Durante a consulta, foi ajustada a prescrição para uma formulação com maior concentração de THC, na proporção 3:1 (24 mg/mL de THC e 8 mg/mL de CBD). A dose foi aumentada para 14 gotas sublinguais às 20h. Não foram registradas observações adversas até o momento, e os demais medicamentos (quetiapina, pregabalina, melatonina e escitalopram) foram mantidos.

Evolução – Novembro de 2023
Na consulta seguinte, a paciente relatou dormir melhor com as 14 gotas da formulação THC:CBD 3:1 à noite. Contudo, ao tentar aumentar a dose para 16 gotas, experimentou efeitos colaterais como náuseas, vômitos, ansiedade intensa e sensação de morte iminente. Diante disso, a dose foi fixada em 14 gotas noturnas. Para tratar a ansiedade diurna persistente, foi introduzido CBD isolado, na dose de 200 mg pela manhã e 200 mg à tarde.

Evolução – Janeiro de 2024
A paciente relatou melhora significativa na qualidade do sono, mas a ansiedade matinal permanecia alta, variando de 7 a 10 em uma escala de 0 a 10. Apesar de despertar com menor intensidade de sintomas (5/10), esses aumentavam ao longo do dia. Para tratar a ansiedade matinal, foi acrescentada uma gota de THC:CBD 3:1 ao início da manhã, enquanto a dose noturna permaneceu em 14 gotas. Além disso, os medicamentos convencionais foram mantidos.

Evolução – Abril de 2024
Em nova consulta, foi observada uma evolução positiva no estado emocional e no sono. A paciente demonstrou estabilidade significativa e aceitou iniciar uma redução gradual da quetiapina, que passou de 225 mg para 200 mg. A formulação de cannabis medicinal continuou com 14 gotas de THC:CBD 3:1 à noite. Exames laboratoriais, incluindo avaliação hepática e tireoidiana, foram solicitados para acompanhamento de segurança a longo prazo.

Evolução – Julho de 2024
A paciente apresentou estabilidade contínua, com bom humor e qualidade de sono preservada. A ansiedade estava controlada, e a quetiapina foi mantida em 200 mg. Os outros medicamentos permaneceram sem alterações, assim como a dose noturna de 14 gotas de THC:CBD 3Paciente menos ansiosa e dormindo muito melhor

Evolução – Outubro de 2024
A paciente iniciou um ajuste na redução da quetiapina, administrada agora em doses fracionadas (100 mg, 25 mg e 12,5 mg ao longo do dia). Foi observada persistência de sintomas leves de ansiedade, associados a suor excessivo, embora esse sintoma estivesse em declínio. A formulação de cannabis medicinal foi ajustada para uma proporção de THC:CBD 1:10, com administração em três doses diárias de 3 gotas cada. A paciente relatou ter iniciado práticas de meditação, o que contribuiu para um maior equilíbrio emocional e bem-estar.

Paciente menos ansiosa e dormindo bem
Paciente menos ansiosa e dormindo bem

Conclusão

O caso clínico de M.R.O. ilustra como o uso de cannabis medicinal pode ser uma abordagem eficaz para pacientes com transtornos psiquiátricos complexos e refratários aos tratamentos convencionais. Ao longo de um ano de acompanamento, a introdução de formulações personalizadas de THC e CBD resultou em avanços significativos no manejo de sintomas que antes eram persistentes, especialmente a insônia severa e a ansiedade crônica.

A paciente apresentou melhora sustentada na qualidade do sono e no estado emocional, alcançando níveis de estabilidade que possibilitaram até mesmo uma redução gradual da dose de quetiapina, um dos medicamentos tradicionais utilizados. Além disso, a inclusão de CBD isolado para controle da ansiedade diurna contribuiu para uma abordagem integrada e personalizada, ajustada às necessidades específicas da paciente.

Para saber mais sobre o uso da Cannabis no tratamento da insônia acesse: Cannabis no tratamento dos Distúrbios do Sono: mecanismos, evidências e desafios terapêuticos – WeCann Academy

Importante destacar que o tratamento foi bem tolerado, com efeitos colaterais limitados e gerenciados adequadamente mediante ajustes na dose. O sucesso terapêutico deste caso reforça a importância de uma abordagem cuidadosa e individualizada, considerando tanto as características clínicas do paciente quanto a necessidade de monitoramento contínuo para garantir segurança e eficácia a longo prazo.

Esse desfecho positivo exemplifica o potencial da cannabis medicinal como uma ferramenta terapêutica valiosa em casos complexos, oferecendo esperança para pacientes que enfrentam transtornos mentais refratários e uma melhoria real em sua qualidade de vida.

As informações pessoais contidas neste caso clínico foram modificadas para preservar a identidade e a imagem do paciente, mantendo, no entanto, a veracidade e a integridade dos dados clínicos. Este é um relato baseado em um caso real, com base na documentação médica e nas observações clínicas realizadas durante o acompanhamento do paciente. A finalidade é compartilhar o tratamento e as estratégias adotadas em um cenário clínico de relevância, respeitando sempre a confidencialidade e a ética médica.

No contexto do manejo de condições como ansiedade e insônia, casos como este oferecem uma oportunidade valiosa para explorar abordagens baseadas na medicina endocanabinoide. Esses tratamentos vêm sendo cada vez mais discutidos em fóruns especializados, como a Comunidade WeCann. Esta plataforma reúne mais de 3.000 médicos de 15 países e mais de 30 especialidades, proporcionando um ambiente exclusivo para troca de experiências e aprendizado contínuo sobre casos desafiadores e inovadores.

Ao integrar a comunidade WeCann, médicos têm acesso a recursos de ensino avançados, como as “WeCann Talks” e os “WeCann Rounds”, onde temas clínicos e estratégias prescritivas são discutidos por especialistas e profissionais de diferentes níveis de experiência. Por meio de um aplicativo exclusivo, os membros podem acessar aulas gravadas, participar de fóruns de discussão e interagir com uma rede global de médicos comprometidos com o aprimoramento da prática clínica. Essas ferramentas são especialmente úteis no tratamento de condições crônicas, muitas vezes refratárias, como ansiedade e insônia, permitindo maior confiança nas decisões clínicas e melhores resultados para os pacientes.

Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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