É inquestionável a relevância terapêutica dos opioides no tratamento da dor aguda de forte intensidade e da dor crônica associada ao câncer. No entanto, o uso de opioides para o manejo da dor crônica não oncológica, principal motivo pelo qual essas drogas são atualmente prescritas no mundo, é bastante questionável, pois está associado a altas taxas de abuso e dependência e, não deveriam ser utilizados como drogas de primeira linha nesses casos.
O uso de opioides em longo prazo frequentemente causa um fenômeno de tolerância, ou seja, o paciente precisa de doses cada vez mais elevadas para obter resultados terapêuticos. A “crise dos opioides” nos Estados Unidos ilustra bem esse contexto: em 14 anos, o país somou mais de 160 mil mortes devido à sobredosagem desses medicamentos.
Embora o cenário brasileiro não represente uma crise de uso de opioides como acontece em países como Estados Unidos e Canadá, a situação atual pode ser considerada preocupante, porque nos últimos anos houve um aumento exponencial (e epidemiologicamente desproporcional) nas prescrições de opioides no Brasil.
Segundo pesquisa realizada pela FioCruz, em parceria com a Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), esse aumento foi de 465% no período de 2009 a 2015. Em números absolutos, isso significa que as prescrições saltaram de 1,6 milhão para 9 milhões no país.
Estudiosos do assunto especulam que a derrocada da indústria dos opioides nos países desenvolvidos estimularam as indústrias farmacêuticas do ramo a migrarem seus investimentos para países em desenvolvimento. Nesse cenário, curiosamente, a oxidocona (principal opioide associado à crise dos opioides dos EUA), diferentemente de outros medicamentos psicoativos, como antipsicóticos e sedativos, não é considerada medicamento tarja preta. Ela é vendida em farmácias do país com tarja vermelha, a mesma utilizada para medicamentos como antibióticos e para hipertensão arterial. Alarmante, não?
>>> Sobre isso, veja a reportagem da Superinteressante sobre O Remédio Mais Perigoso do Mundo.
A boa notícia é que a Cannabis medicinal vem se consolidando como uma estratégia segura e eficaz no tratamento da dor crônica associada ou não ao câncer. Isso contribui de forma muito efetiva para a qualidade de vida dos pacientes e, ao mesmo tempo, para a redução no uso e até suspensão de opioides. Continue a leitura e descubra por quê.
A “crise dos opioides” e o risco de overdose
Os medicamentos opioides têm como base o ópio, componente extraído da papoula. Entre seus derivados estão substâncias como a morfina e a heroína. Os opioides se tornaram uma febre nos Estados Unidos a partir da década de 1990, muito em decorrência do marketing agressivo e tecnicamente desleal de empresas farmacêuticas do ramo.
Com o volume de consumo, as indústrias farmacêuticas faturaram bastante desde então. Por outro lado, no período de 2000 a 2014, o país registrou mais de 160 mil mortes em decorrência da overdose a essas substâncias. Tontura, letargia, paranoias e depressão respiratória são alguns sintomas da superdosagem desses medicamentos.
Aqui no Brasil, algo semelhante ocorre com o uso crônico de benzodiazepínicos, normalmente utilizados para tratar problemas como ansiedade e insônia. Embora tenham menor potencial para causar overdose, os benzodiazepínicos também podem gerar dependência química e crises de abstinência, dificultando o desmame medicamentoso.
Traçar estratégias para descontinuar o uso de certos medicamentos é fundamental para alcançar melhores resultados e melhor qualidade de vida aos pacientes.
Nesse sentido, a Cannabis medicinal vem se consolidando como um poderoso agente capaz de aliar efeitos terapêuticos e auxiliar na redução do uso de opioides, tendo em vista o potencial de substâncias como o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol) em modular as percepções dolorosas relacionadas à dor e reduzir a intensidade e frequência dos estímulos dolorosos.
CBD e THC: Alívio da dor e redução no uso de opioides
Além de atuarem no alívio da dor crônica, os fitocanabinoides CBD e THC funcionam como adjuvantes em estratégias de desmame para pacientes que fazem uso de opioides, antidepressivos, ansiolíticos, anticonvulsivantes, antipsicóticos, entre outros medicamentos psicotrópicos.
>>> Leia esse estudo de Lucas, P. & Walsh, Z. Medical cannabis access, use, and substitution for prescription opioids and other substances: A survey of authorized medical cannabis patients. Int. J. Drug Policy 42, 30–35 (2017).
Os canabinoides também apresentam propriedades que auxiliam no combate a efeitos adversos comuns dessas medicações, como irritabilidade, insônia, náuseas, inapetência, constipação intestinal e fadiga.
Especificamente em relação aos opioides, é interessante notar que existe um efeito sinérgico na associação com canabinoides, prevenindo o desenvolvimento da tolerância aos opioide e, por consequência, evitando a necessidade de aumento da dosagem.
>>> Sobre o tema, recomendo essas duas publicações:
- Khan, S. P., Pickens, T. A. & Berlau, D. J. Perspectives on cannabis as a substitute for opioid analgesics. Pain Manag. 9, 191–203 (2019).
- Lucas, P. Cannabis as an Adjunct to or Substitute for Opiates in the Treatment of Chronic Pain. J. Psychoactive Drugs 44, 125–133 (2012).
Quanto às propriedades analgésicas dos fitocanabinoides, é importante salientar o potencial do THC em modular as percepções desagradáveis relacionadas à dor, por ser um agonista parcial dos receptores endocanabinoides CB1, amplamente presentes no córtex sensitivo motor e na amigdala. Além disso, o THC é um valioso antiespasmódico e relaxante muscular, sendo muito útil em casos de dor crônica associada à espasticidade. Importante também frisar que o potencial psicotóxico do THC é mínimo em um contexto assertivo de prescrição desse fitocanabinoide – ao contrário dos opioides, que cujo potencial psicotóxico e risco de overdose são significativamente mais elevados.
Evidências científicas
Diversos estudos comprovam a eficácia da Cannabis medicinal no alívio da dor e, também, na redução do uso de opioides.
Uma pesquisa conduzida em 2020 pela Society of Cannabis Clinicians em Sebastopol, nos Estados Unidos, avaliou 525 pacientes que fizeram uso de canabinoides em combinação com opioides, os quais lhes foram prescritos por pelo menos três meses para tratar dor crônica. Os resultados mostraram que:
- 40% dos pacientes conseguiram interromper por completo o uso de opioides;
- 45% dos pacientes conseguiram diminuir parcialmente o uso de opioides;
- 65% dos pacientes conseguiram sustentar a diminuição na dosagem de opioides por mais de um ano;
- 48% dos pacientes conseguiram reduzir de 40% a 100% o índice de percepção das dores.
Outro estudo que trouxe resultados promissores foi realizado pela Universidade de Victoria no Canadá. Os pesquisadores avaliaram 1.145 pacientes em 21 clínicas médicas do país. Deste total, 28% faziam uso de opioides e deram início ao tratamento associado com canabinoides. Seis meses após o experimento, o número de usuários de opioides caiu para 11%, com a dosagem diária média diminuindo de 152 mg para 32 mg equivalentes de morfina.
Esses resultados permitem concluir que os derivados canabinoides são uma estratégia eficaz tanto do ponto de vista terapêutico da dor crônica, quanto do ponto de vista da redução do uso de opioides, o que traz melhores resultados aos pacientes e evita que a prescrição indiscriminada de certos medicamentos se transforme em graves problemas de saúde pública.
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Referências
Peixoto, LS et. al. Ansiedade: o uso da cannabis sativa como terapêutica alternativa frente aos benzodiazepínicos / Anxiety: the use of cannabis sativa as an alternative therapy in front of benzodiazepinics. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 7, jul. 2020.
Purcell C, Davis A, Moolman N, Taylor SM. Reduction of Benzodiazepine Use in Patients Prescribed Medical Cannabis. Cannabis Cannabinoid Res., 2019.