Canabidiol no manejo da dor na coluna

Publicado em 04/10/24 | Atualizado em 04/10/24 Leitura: 14 minutos

Canabidiol (CBD)Cannabis como MedicamentoOrtopédicas

A dor na coluna é uma das principais causas de incapacidade física no mundo, afetando milhões de pessoas anualmente. O manejo eficaz dessa condição é essencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, e os tratamentos medicamentosos mais frequentes, como analgésicos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares, antidepressivos e anticonvulsivantes, muitas vezes oferecem alívio limitado ou efeitos colaterais importantes. Nos últimos anos, o canabidiol (CBD), um dos compostos ativos da planta Cannabis sativa, tem se destacado como uma opção terapêutica promissora para o manejo das dores crônicas. No post de hoje, iremos explorar os mecanismos de ação do CBD, suas aplicações clínicas na dor na coluna e as evidências científicas que sustentam seu uso.

Dor na coluna

A dor na coluna é uma das condições mais prevalentes entre adultos, sendo uma das principais causas de incapacidade física, ela pode afetar diferentes regiões da coluna, como a cervical (pescoço), torácica (meio das costas) e lombar (parte inferior das costas), sendo a dor lombar a mais comum. 

Os principais tipos de dor na coluna incluem a lombalgia, que afeta a parte inferior das costas e pode ser causada por problemas como distensões musculares, estenoses de canal vertebral ou hérnias de disco. Já a dor cervical, que ocorre no pescoço devido à má postura ou condições degenerativas. A dor torácica, menos comum, é frequentemente resultante de problemas posturais, lesões traumáticas ou degenerativas. A coluna também pode ser origem de dor neuropática, associada à compressão ou lesão de nervos, e de dor mecânica, que resulta de movimentos inadequados, sobrecarga ou degeneração dos discos e vértebras. A classificação temporal da dor também é importante, a dor aguda está geralmente associada a lesões recentes ou sobrecarga muscular, enquanto a dor crônica, persiste por mais de três meses e pode estar relacionada a problemas estruturais ou neurológicos.¹

Os tratamentos convencionais para a dor na coluna variam conforme a causa e a intensidade dos sintomas, envolvendo uma combinação de abordagens farmacológicas, físicas e, em casos mais graves, cirúrgicas. Contudo, muitos desses tratamentos apresentam limitações e efeitos colaterais significativos. Os analgésicos e anti-inflamatórios de venda livre, como paracetamol e ibuprofeno, são amplamente utilizados para aliviar a dor leve a moderada. No entanto, o uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) pode causar irritação gástrica, úlcera péptica, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares e danos renais.² Já os derivados opioides, como tramadol, morfina e oxicodona, são prescritos para casos de dor intensa que não respondem a outros tratamentos. Embora eficazes, esses medicamentos apresentam riscos elevados de tolerância, dependência, constipação intestinal, náuseas, sedação excessiva, e depressão respiratória, especialmente em uso prolongado e altas doses.²

Outro grupo de medicamentos utilizados são os relaxantes musculares, como ciclobenzaprina e baclofeno, usados para aliviar espasmos musculares associados à dor na coluna. Esses medicamentos podem causar sonolência e tontura, além de potencial dependência. Além disso, outro grupo de medicamentos frequentemente utilizado no tratamento da dor crônica na coluna, especialmente na dor neuropática, são os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs), como a duloxetina e a venlafaxina, os antidepressivos tricíclicos (como a amitriptilina) e os anticonvulsivantes (como a gabapentina e a pregabalina). 

Os IRSNs atuam aumentando os níveis de serotonina e noradrenalina no cérebro, neurotransmissores que desempenham um papel fundamental na modulação da percepção da dor³ e têm mostrado eficácia tanto na redução da dor neuropática quanto no alívio de sintomas de depressão e ansiedade que muitas vezes acompanham condições de dor crônica. No entanto, esses medicamentos também estão associados a efeitos colaterais, como cefaleia, tontura e aumento da pressão arterial. Em alguns casos, o uso prolongado de IRSNs pode levar a disfunções sexuais, como diminuição da libido, além de potencial ganho de peso e insônia. Ainda assim, os IRSNs são geralmente considerados uma opção eficaz e relativamente segura para o manejo da dor crônica, particularmente quando a dor tem um componente neuropático.²

Os gabapentinoides, como gabapentina e pregabalina, são frequentemente utilizados no manejo da dor crônica na coluna. Seus potenciais benefícios incluem a redução eficaz da hipersensibilidade e dor neuropática, proporcionando alívio significativo em pacientes com essa condição. No entanto, os efeitos colaterais podem limitar seu uso, como tonturas, sonolência, ganho de peso e, em alguns casos, dependência, além de variações individuais na resposta ao tratamento, que podem afetar sua eficácia.4

Já os procedimentos cirúrgicos para dor na coluna, como a descompressão vertebral ou a fusão espinhal, oferecem benefícios importantes em casos graves, especialmente quando há compressão nervosa ou danos estruturais significativos. Eles podem proporcionar alívio duradouro da dor e melhorar a função motora, restaurando a qualidade de vida do paciente. No entanto, as limitações incluem o risco de complicações, como infecções, dor persistente ou recorrente, e a necessidade de um longo período de recuperação. Além disso, os resultados nem sempre são garantidos, e alguns pacientes podem continuar a sentir dor mesmo após a cirurgia.5

Embora essas terapêuticas sejam úteis em muitos casos, os efeitos colaterais associados e a resposta variável entre os pacientes reforçam a necessidade de buscar alternativas terapêuticas mais seguras e melhor toleradas. Diante dessas limitações dos tratamentos convencionais, o canabidiol surge como uma alternativa terapêutica promissora para o manejo da dor na coluna. O CBD atua modulando o sistema endocanabinoide, além de interagir com outros sistemas envolvidos na regulação da dor e apresenta um perfil de potenciais efeitos colaterais mais ameno e caracteristicamente temporário. 

Sistema Endocanabinoide e Dor

O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel crucial na modulação da dor, sendo particularmente relevante no contexto da dor na coluna, que pode se manifestar de forma aguda ou crônica. Este sistema é constituído por uma complexa rede de receptores, ligantes endógenos e enzimas, que regulam não apenas a percepção da dor, mas também a resposta inflamatória e o estado emocional do paciente.6

Os principais endocanabinoides, como a anandamida e o 2-araquidonilglicerol (2-AG), interagem com os receptores canabinoides, CB1 e CB2, além de outros receptores importantes na modulação da dor, incluindo TRPV1 e GPR55.6 Os receptores CB1, amplamente distribuídos no sistema nervoso central e periférico, têm um papel fundamental na modulação da transmissão nociceptiva. A ativação desses receptores resulta na inibição da liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, que são cruciais na amplificação da dor. Nos casos de dor aguda, como uma lesão súbita na coluna, essa inibição pode reduzir significativamente a sensação dolorosa, facilitando a recuperação e a mobilidade.4 Em condições de dor crônica, a ativação dos receptores CB1 não só reduz a transmissão de estímulos dolorosos nos nervos periféricos, como também modula a ascensão e a percepção da dor nos níveis espinhais e supraspinhais, influenciando os aspectos emocionais e cognitivos associados à dor.7

Em contrapartida, os receptores CB2, que estão predominantemente presentes em células imunológicas como macrófagos e mastócitos, desempenham um papel crucial na modulação da dor inflamatória. Esses receptores inibem a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IL-6, reduzindo a inflamação e, consequentemente, a sensibilidade à dor, o que é particularmente relevante em condições crônicas que envolvem processos inflamatórios.7

Assim, o SEC não apenas regula a percepção da dor na coluna, mas também modula a resposta inflamatória e a experiência emocional do paciente. O uso de fitocanabinoides representa uma nova perspectiva no manejo da dor crônica da coluna, destacando a importância de explorar essa via terapêutica para proporcionar alívio e melhorar a qualidade de vida desses pacientes. Em suma, a modulação do sistema endocanabinoide surge como uma abordagem promissora para o tratamento da dor na coluna, oferecendo uma alternativa mais segura e potencialmente eficaz em comparação com outras opções convencionais.

Evidências Científicas 

Um estudo observacional prospectivo avaliou pacientes com dor crônica relacionada à claudicação neurogênica ou sintomas radiculares devido à estenose de canal lombar. Os participantes relataram melhorias significativas em seus níveis habituais de dor, com escores médios de dor reduzidos de 6,02 ± 1,95 (dor moderada a intensa) para 4,26 ± 2,41 (dor leve a moderada) após o uso de cápsulas de gel de CBD. A diminuição de quase dois pontos nos escores de dor foi considerada clinicamente significativa, reforçando a ideia de que o CBD pode ser eficaz na redução da dor lombar.8

Os achados deste estudo são consistentes com outros trabalhos que investigaram a cannabis medicinal em diversos contextos de dor crônica. Três estudos de curto prazo e várias investigações de longo prazo relataram melhorias significativas nas escalas de dor em pacientes tratados com produtos à base de cannabis. No entanto, o presente estudo é inovador, pois examina o efeito isolado do CBD, sem a presença do tetrahidrocanabinol (THC), o que ainda é uma área de pesquisa em expansão.9

Além dos escores de dor, outros dados coletados durante o estudo indicaram melhorias na qualidade de vida dos pacientes. Os participantes relataram maior facilidade em ficar em pé e menos necessidade de mudar de posição devido à redução da dor. Melhorias no sono e no apetite também foram observadas, corroborando a ideia de que o controle da dor tem um impacto positivo em vários aspectos da saúde.8

O estudo clínico CANBACK10 foi inovador ao investigar os efeitos do canabidiol isolado, sem a presença de THC, em pacientes com dor lombar aguda. Os resultados não revelaram diferenças significativas entre os grupos que receberam CBD e aqueles que receberam placebo, tanto em relação ao tempo de internação quanto à ocorrência de efeitos adversos e ao uso adicional de opioides. Esses achados levantam importantes questões sobre a eficácia do CBD em situações agudas, especialmente considerando seu alto custo e a expectativa de benefícios que muitos pacientes podem ter ao ponderar sua utilização.10 No entanto, é fundamental destacar que, apesar dos resultados deste estudo específico, o CBD continua a ser explorado em diferentes contextos terapêuticos, onde pode apresentar um potencial significativo como uma opção de tratamento benéfica para a dor crônica e outras condições.

Outro estudo observacional, com 31 pacientes predominantemente do sexo feminino que apresentavam dor lombar crônica por mais de 12 meses, examinou o impacto da terapia com cannabis medicinal (MCT) em comparação a um regime analgésico padronizado (SAT) que incluía duloxetina e oxicodona com naloxona. Os participantes foram expostos a um MCT que continha uma proporção de 1:4 de THC e CBD, recebendo até 30 gramas por mês durante seis meses. Enquanto não houve mudanças significativas nos níveis de dor após a fase inicial de SAT, os pacientes relataram uma melhora significativa na dor e na capacidade funcional após a introdução da MCT, com resultados altamente significativos (P < 0,0001) em comparação ao grupo controle.11 Esses achados reforçam a ideia de que a cannabis, quando integrada a outros tratamentos, pode oferecer uma alternativa promissora para pacientes que não respondem adequadamente às terapêuticas tradicionais.

Esses estudos destacam a necessidade de mais pesquisas para aprofundar a compreensão dos efeitos dos canabinoides na dor na coluna. A combinação de cannabis com as terapêuticas convencionais pode não apenas aumentar a eficácia do tratamento, mas também oferecer alívio a pacientes que sofrem de dor crônica persistente, como aqueles com histórico adicional de fibromialgia e que não apresentam controle satisfatório da dor e de outros sintomas associados à dor crônica. As evidências emergentes sustentam a inclusão da cannabis como uma ferramenta valiosa no arsenal terapêutico para o manejo da dor crônica, destacando seu potencial não apenas para reduzir os escores de dor, mas também para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

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Conclusão

Em síntese, a utilização do canabidiol no manejo da dor na coluna emerge como uma alternativa terapêutica promissora, especialmente diante das limitações dos tratamentos convencionais. Os dados existentes sugerem que o CBD, ao atuar sobre o sistema endocanabinoide e interagir com outros mecanismos de modulação da dor, pode oferecer alívio eficaz e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

À medida que novas evidências se acumulam, fica claro que o canabidiol pode constituir uma adição valiosa ao arsenal terapêutico para o tratamento da dor na coluna, oferecendo esperança a milhões de pacientes em busca de alívio. Nesse cenário, é essencial que os médicos se mantenham atualizados, a fim de oferecer as melhores opções terapêuticas para seus pacientes. A WeCann Academy se destaca como referência internacional de educação nessa área, compartilhando informações sobre cannabis medicinal sempre fundamentadas em evidências científicas. Dessa forma, a comunidade médica pode otimizar o cuidado a seus pacientes, explorando ao máximo as potencialidades terapêuticas dessa promissora ferramenta terapêutica.

Referências

  1. Malta, Deborah Carvalho et al. Dor crônica na coluna entre adultos brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. v. 25 [Acessado 20  Setembro 2024] , e220032. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1980-549720220032.2 https://doi.org/10.1590/1980-549720220032>. ISSN 1980-5497. 
  2. Hennemann-Krause, L., & Sredni, S.. (2016). Systemic drug therapy for neuropathic pain. Revista Dor, 17, 91–94. https://doi.org/10.5935/1806-0013.20160057
  3. Cecin, H. A., & Ximenes, A. C.. (2008). Tratamento conservador: medicamentoso. Revista Brasileira De Reumatologia, 48, 16–19.
  4. Hennemann-Krause, L., & Sredni, S.. (2016). Systemic drug therapy for neuropathic pain. Revista Dor, 17, 91–94. https://doi.org/10.5935/1806-0013.20160057
  5. Falavigna, A., Teles, A. R., Braga, G. L. de ., Barazzetti, D. O., Lazzaretti, L., & Tregnago, A. C.. (2011). Instrumentos de avaliação clínica e funcional em cirurgia da coluna vertebral. Coluna/columna, 10(1), 62–67. https://doi.org/10.1590/S1808-18512011000100012
  6. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  7. Maldonado, R., Baños, J. E. & Cabańero, D. The endocannabinoid system and neuropathic pain. Pain 157, S23-S32 (2016).
  8. Farrar JT, Young JP Jr, LaMoreaux L, Werth JL, Poole MR. Clinical importance of changes in chronic pain intensity measured on an 11-point numerical pain rating scale. Pain. 2001 Nov;94(2):149-158. doi: 10.1016/S0304-3959(01)00349-9. PMID: 11690728.
  9. Bakewell BK, Sherman M, Binsfeld K, Ilyas AM, Stache SA, Sharma S, Stolzenberg D, Greis A. The Use of Cannabidiol in Patients With Low Back Pain Caused by Lumbar Spinal Stenosis: An Observational Study. Cureus. 2022 Sep 15;14(9):e29196. doi: 10.7759/cureus.29196. PMID: 36507111; PMCID: PMC9731549.
  10. BEBEE, Bronwyn; TAYLOR, David M.; BOURKE, Elyssia; POLLACK, Kimberley; FOSTER, Lian; CHING, Michael; WONG, Anselm. The CANBACK trial: a randomised, controlled clinical trial of oral cannabidiol for people presenting to the emergency department with acute low back pain. Med J Aust, v. 214, n. 8, p. 370-375, 2021. DOI: 10.5694/mja2.51014. Publicado online em 19 de abril de 2021.
  11. Price RL, Charlot KV, Frieler S, Dettori JR, Oskouian R, Chapman JR. The Efficacy of Cannabis in Reducing Back Pain: A Systematic Review. Global Spine Journal. 2022;12(2):343-352. doi:10.1177/21925682211065411.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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