Náusea: tratamento com Cannabis medicinal para potencializar resultados

Publicado em 01/06/22 | Atualizado em 10/06/22 Leitura: 10 minutos

CanabinoidesCannabis como Medicamento

Em linhas gerais, as náuseas e os vômitos são respostas defensivas do nosso organismo à ingestão ou digestão de substâncias potencialmente nocivas. No entanto, essas ocorrências podem estar associadas ao tratamento de outras doenças, como no caso dos pacientes oncológicos, que apresentam náuseas como resposta aos medicamentos quimioterápicos

 

Embora o uso da Cannabis medicinal tenha origem milenar no combate às náuseas e vômitos, foi somente com a descoberta científica do Sistema Endocanabinoide que a comunidade médica passou a olhar mais criteriosamente para essa prática.

 

Atualmente, há diversos estudos comprovando o potencial dos canabinoides para combater náuseas e vômitos de diferentes causas. Neste conteúdo, falaremos das evidências científicas a esse respeito, com destaque para o potencial anti-emético da Cannabis nos regimes de quimioterapia.

O Sistema Endocanabinoide na fisiologia e fisiopatologia do trato gastrointestinal

 

Com a expansão das pesquisas sobre o Sistema Endocanabinoide (SEC) a partir da segunda metade do século XX, as evidências sobre as propriedades terapêuticas da Cannabis foram muito melhor esclarecidas e exploradas.

 

Em relação à fisiologia e fisiopatologia do trato gastrointestinal, os estudos indicam que a ativação dos receptores CB1 pelas substâncias canabinoides são capazes de modular uma série de funções gastrointestinais, incluindo secreção gástrica, esvaziamento gástrico e motilidade intestinal.

 

Um exemplo é este estudo pré-clínico que, por meio de condições fisiopatológicas induzidas experimentalmente em roedores, demonstrou que o SEC confere proteção ao trato gastrointestinal – em relação, por exemplo, à inflamação e secreções gástricas e entéricas anormalmente altas.

 

Esses resultados sugerem que os derivados canabinoides podem ser alvos terapêuticos promissores no tratamento de diferentes transtornos gastrointestinais, incluindo não só náuseas e vômitos, mas, também, doenças intestinais inflamatórias e funcionais, como doença de Crohn, a síndrome do intestino irritável e distúrbios relacionados à secreção e motilidade gastrointestinal.

 

>> Leia o estudo completo em: The endocannabinoid system in the physiology and pathophysiology of the gastrointestinal tract.

Eficácia dos produtos de Cannabis para o tratamento de náuseas

 

Especificamente em relação ao tratamento de náuseas e vômitos, os estudos seguem promissores quanto ao uso dos canabinoides, a exemplo deste experimento que avaliou relatos de 886 pacientes que completaram 2.220 sessões de auto administração de Cannabis para tratar náuseas durante um período de três anos.

 

A partir da ferramenta Releaf App, os pacientes registraram as características dos produtos de Cannabis auto administrados e os níveis de intensidade dos sintomas. Os resultados indicaram que, cerca de uma hora após o consumo, 96,4% das pessoas experimentaram alívio dos sintomas, com uma redução média de -3,85 pontos na intensidade das náuseas (numa escala de 0 a 10).

 

Os resultados mostraram ainda que flores de Cannabis e produtos de maior concentração de canabinoides tiveram um desempenho superior aos produtos híbridos. Além disso, os extratos com maior teor de THC (tetra-hidrocanabinol) em comparação ao CBD (canabidiol) foram associados ao maior alívio na intensidade dos sintomas, apresentando também, um mecanismo de ação mais ágil.

 

>> Veja o experimento completo em: The Effectiveness of Common Cannabis Products for Treatment of Nausea.

 

Outra pesquisa que traz resultados promissores é esta revisão sistemática que avaliou 30 estudosrandomizados avaliando o uso de Cannabis,placebo ou antieméticos, a partir de registros de informações sobre eficácia e perfil de segurança da substância em dados coletados de 1.366 pacientes.

 

O estudo abrangeu as seguintes substâncias canabinoides: nabilona oral, dronabinol oral e levonantradol intramuscular. Os resultados mostraram que o potencial anti-emético desses canabinoides foi superior ao potencial dos seguintes antieméticos convencionais: proclorperazina, metoclopramida, clorpromazina, tietilperazina, haloperidol, domperidona e alizaprida. Além disso, em pacientes selecionados, os canabinoides testados nestes ensaios demonstraram ser úteis como tratamento adjuvante para melhorar o humor em pacientes em regime de quimioterapia. Os efeitos colaterais mais comuns com o uso de canabinoides foram euforia, sonolência e prostração. Interessante notar nesse estudo que a maioria dos pacientes referiu preferência pelos derivados canabinoides como agentes anti-eméticos.

 

>> Leia o estudo completo em: Cannabinoids for control of chemotherapy induced nausea and vomiting: quantitative systematic review.

 

Uso de canabinoides para tratamento de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia

 

O potencial anti-emético é uma propriedade medicinal do THC já bastante conhecida e explorada. Vários estudos, como o publicado por Meiri et al. (2007) já demonstraram uma redução dramática na emese associada ao uso de quimioterápicos com o uso de canabinoides sintéticos, como o dronabinol e a nabilona. Não à toa, esses medicamentos à base de cannabis já estão registrados no FDA, nos EUA, desde a década de 80 para tratamento de náuseas e vômitos associados ao uso de quimioterápicos.

 

Estudos como esta revisão sistemática com meta-análise desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP), comparam a eficácia antiemética do THC sintético (dronabinol) e outros canabinoides em pacientes submetidos à quimioterapia. A revisão utilizou estudos de diversos bancos de dados eletrônicos, como PUBMED, EMBASE, PSYCINFO e LILACS e Cochrane.

 

A pesquisa avaliou 30 artigos e 13 deles foram utilizados na meta-análise. Todos os 30 artigos demonstraram superioridade da eficácia anti-emética dos canabinoides em comparação com os medicamentos convencionais e placebo. Na meta-análise, os grupos de medicamentos avaliados foram divididos em: 1) dronabinol versus placebo; 2) dronabinol versus neurolépticos; 3) nabilona versus neurolépticos; 4) levonantradol versus neurolépticos; 5) preferência dos pacientes por Cannabis ou outras drogas. 

 

O canabinoide dronabinol apresentou uma eficácia anti-emética superior aos neurolépticos para pacientes com câncer em regime de quimioterapia. Embora as outras comparações não tenham sido significativamente diferentes, diferenças clínicas foram encontradas. Os pacientes mostraram uma clara preferência por canabinoides como agentes anti-eméticos ao receberem medicamentos quimioterápicos.

 

>> Leia a pesquisa completa em:  Therapeutic use of Cannabis sativa on chemotherapy-induced nausea and vomiting among cancer patients: systematic review and meta-analysis.

 

Destacamos ainda este estudo de caso que avaliou o uso do dronabinol no tratamento de náuseas e vômitos decorrentes do tratamento de radioterapia. O estudo investiga o quadro de um homem de 50 anos que, quatro anos após a ressecção de um melanoma maligno de nível IV de Clark, desenvolveu uma doença metastática envolvendo o fígado, ossos, cérebro, mucosa gastrointestinal e pulmões.

 

O paciente, submetido à radioterapia cerebral, foi tratado com vários medicamentos antieméticos convencionais, mas não apresentou sinais de melhora. Porém, o uso do dronabinol apresentou resultados muito superiores a essas medicações no combate às náuseas e vômitos provavelmente decorrentes da metástase da mucosa gastrintestinal.

 

Os resultados sugerem que, sobretudo nos quadros em que os pacientes não respondem aos antieméticos convencionais, uma combinação de dronabinol com proclorperazina tende a ser uma terapêutica antiemética eficaz.

 

>> Leia o estudo completo em: Intractable nausea and vomiting due to gastrointestinal mucosal metastases relieved by tetrahydrocannabinol (dronabinol).

 

Uso de canabinoides para tratamento de náuseas e vômitos associados à Hiperemêse gravídica

 

Apesar de ainda não termos estudos científicos que atestem a segurança do uso de derivados canabinoides em gestantes, no que diz respeito principalmente à saúde do feto, existem relatos contundentes do potencial anti-emético da cannabis também do contexto da hiperêmese gravídica.

 

Foi o que demonstrou esse estudo isralenese, que avaliou quatro mulheres com Hiperêmese Gravídica grave e refratária antes e depois do uso de cannabis, utilizando o Escore de PUQE (Pregnancy Unique Quantification of Emesis). Houve uma melhora altamente significativa nos sintomas: a pontuação PUQE melhorou de 14,5 para 7,5 (p = 0.0004) e o uso da cannabis foi associado também, a uma melhora significativa da qualidade de vida  na escala PUQE Quality of Life.

 

Os autores concluem que a cannabis pode ser eficaz no manejo da Hiperemêse Gravídica e essa ferramenta terapêutica deve ser adequadamente avaliada através de estudos controlados e randomizados para realizar uma análise criteriosa sobre os potenciais riscos ao feto.

 

>> Leia o estudo completo em:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7819334/pdf/42238_2020_Article_17.pdf

 

Outros canabinoides no tratamento de náusea e vômitos

 

Para além do THC, os estudos científicos também abrangem outros canabinoides que demonstram potencial anti-emético. Nesta revisão de literatura, foram avaliados estudos in vitro e in vivo quanto à eficácia do canabidiol (CBD), do ácido canabidiólico (CBDA) e de uma versão metilada do CBDA (CBDA-ME) no tratamento de náuseas e vômitos.

 

Os resultados mostraram que, embora o CBD tenha sido eficaz no controle desses quadros clínicos, o CBDA e o CBDA-ME foram mais potentes quanto à capacidade de reduzir as náuseas e os vômitos.

 

>> Leia o estudo completo em: Therapeutic Potential of Cannabidiol, Cannabidiolic Acid, and Cannabidiolic Acid Methyl Ester as Treatments for Nausea and Vomiting.

 

Apesar de as evidências científicas em torno do uso dos canabinoides para tratar náuseas e vômitos serem numerosas, é imprescindível uma formação especializada na área para incorporar a Cannabis medicinal com segurança nas práticas prescritivas, de modo a potencializar os resultados terapêuticos e modular possíveis efeitos adversos nos tratamentos.

 

A WeCann Academy é comprometida com a sua jornada de aprendizado através da Certificação Internacional em Medicina Endocanabinoide. Proporcionamos conhecimento disruptivo aos médicos que desejam incorporar os derivados canabinoides em sua prática prescritiva e alcançar melhores resultados com seus pacientes.

 

Conectamos especialistas de todo o mundo em uma comunidade global de estudos em Sistema Endocanabinoide para interligar conhecimento científico e experiência prática no uso medicinal da Cannabis.

 

Quer fazer parte desta comunidade? Entre em contato conosco e prepare-se para esta nova fronteira da Medicina!

 

 

Referências

 

Gonzalez-Rosales F, Walsh D. Intractable nausea and vomiting due to gastrointestinal mucosal metastases relieved by tetrahydrocannabinol (dronabinol). J Pain Symptom Manage. 1997.

 

Machado Rocha FC, Stéfano SC, De Cássia Haiek R, Rosa Oliveira LM, Da Silveira DX. Therapeutic use of Cannabis sativa on chemotherapy-induced nausea and vomiting among cancer patients: systematic review and meta-analysis. Eur J Cancer Care (Engl). 2008.

 

Massa F, Storr M, Lutz B. The endocannabinoid system in the physiology and pathophysiology of the gastrointestinal tract. J Mol Med (Berl). 2005.

 

Meiri E, Jhangiani H, Vredenburgh JJ, Barbato LM, Carter FJ, Yang HM, Baranowski V. Efficacy of dronabinol alone and in combination with ondansetron versus ondansetron alone for delayed chemotherapy-induced nausea and vomiting. Curr Med Res Opin. 2007.

 

Rock EM, Limebeer CL, Pertwee RG, Mechoulam R, Parker LA. Therapeutic Potential of Cannabidiol, Cannabidiolic Acid, and Cannabidiolic Acid Methyl Ester as Treatments for Nausea and Vomiting. Cannabis Cannabinoid Res. 2021.

 

Stith SS, Li X, Orozco J, Lopez V, Brockelman F, Keeling K, Hall B, Vigil JM. The Effectiveness of Common Cannabis Products for Treatment of Nausea. J Clin Gastroenterol. 2022.

 

Tramèr MR, Carroll D, Campbell FA, Reynolds DJ, Moore RA, McQuay HJ. Cannabinoids for control of chemotherapy induced nausea and vomiting: quantitative systematic review. BMJ. 2001.

 

 

Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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