Nas últimas décadas, o interesse em torno da cannabis medicinal cresceu exponencialmente. Com o avanço das pesquisas, a complexidade da planta e de seus compostos se revela, abrindo portas para novas abordagens terapêuticas. Uma das mais importantes é o uso dos canabinoides isolados, uma forma pura e precisa de tratamento.
Neste post, vamos explorar o universo da cannabis medicinal para entender o que são os canabinoides isolados, como eles se diferenciam dos extratos de espectro completo e por que essa pureza pode ser a chave para tratamentos mais seguros e eficazes.
Espectro completo VS Canabinoide isolado
A compreensão do tratamento com canabinoides exige uma distinção fundamental entre as formulações disponíveis. A planta Cannabis sativa L. é um complexo fitofarmacológico, com um perfil bioquímico que vai além da presença de Δ9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC) e canabidiol (CBD). Seus efeitos terapêuticos são mediados por uma vasta gama de fitocanabinoides, como o canabigerol (CBG) e o canabinol (CBN), e por outros compostos bioativos, incluindo terpenos e flavonoides.¹
Para saber mais sobre os fitocanabinoides acesse: Principais Fitocanabinoides e seus efeitos no organismo
Extratos de espectro completo (full spectrum) preservam a totalidade desses compostos. Sua ação terapêutica é frequentemente atribuída ao efeito comitiva (ou efeito entourage), um conceito que postula a sinergia entre os diversos componentes da planta. Nessa interação, o perfil farmacológico de cada composto é modulado pelos demais, resultando em um efeito terapêutico que supera a soma de suas partes.²
Por exemplo, a coadministração de CBD pode atenuar os efeitos psicotrópicos do Δ9-THC, ao mesmo tempo que terpenos como o mirceno, podem potencializar suas propriedades analgésicas. Essa sinergia pode ser particularmente relevante em condições como dor crônica e inflamação, onde a modulação de diversos alvos do sistema endocanabinoide (SEC) pode ser mais eficaz.
Em contrapartida, os canabinoides isolados representam uma abordagem de pureza molecular. Obtidos por meio de processos de purificação de alta precisão, como a cromatografia, esses produtos resultam em um composto único e cristalino, com pureza superior a 99%. O isolado de CBD, por exemplo, é canabidiol puro, completamente desprovido de outros canabinoides, terpenos, flavonoides ou vestígios de Δ9-THC.
A escolha entre um extrato de espectro completo e um canabinoide isolado deve ser guiada por uma análise clínica cuidadosa, considerando a condição do paciente, seu histórico, a tolerância ao Δ9-THC e os objetivos terapêuticos. Essa decisão, sempre baseada em evidências, é fundamental para otimizar os desfechos clínicos e maximizar o potencial da cannabis medicinal.
Para saber mais sobre o efeito entourage acesse: Efeito entourage: por que é melhor utilizar extratos completos da Cannabis
Vantagens e indicações dos Canabinoides Isolados
A principal vantagem dos canabinoides isolados é a previsibilidade e a precisão na dosagem. Com uma formulação isolada, o médico e o paciente sabem exatamente a quantidade de um canabinoide específico que está sendo consumida. Não há variação na composição, como pode ocorrer em extratos de espectro completo, que dependem da colheita da planta, do método de extração e da variedade da planta. Essa precisão é importante em tratamentos onde a dose precisa ser ajustada milimetricamente, ou quando se deseja evitar completamente o THC.
Outra característica relevante do uso de isolados é a ausência de THC. A preocupação com os efeitos psicotrópicos do THC, mesmo em doses mínimas, é uma barreira para muitos pacientes, principalmente aqueles que operam máquinas no trabalho e/ou são submetidos a testes anti-doping, gestantes, lactantes, crianças, ou pessoas com histórico de sensibilidade a substâncias psicoativas. O isolado de CBD, por exemplo, oferece os benefícios terapêuticos do canabidiol (como os efeitos ansiolíticos, anti-inflamatórios e anticonvulsivantes) sem o risco de intoxicação ou de testes de drogas positivos para THC.
Isso torna os isolados ideais para algumas situações clínicas:
- Pacientes com histórico de sensibilidade ao THC: Pessoas que apresentam ansiedade ou paranoia com doses mínimas de THC podem se beneficiar enormemente de isolados de CBD ou CBG.
- Pacientes com histórico de doenças psiquiátricas graves e instáveis: pacientes com história de surto psicótico, esquizofrenia, transtorno bipolar afetivo, transtorno de personalidade borderline, depressão maior, bem como, qualquer quadro psiquiátrico não diagnosticado e não controlado, deve-se preferencialmente, usar formulações isoladas de CBD ou CBG, e evitar o uso de THC.
- Atletas profissionais e trabalhadores com testes de drogas obrigatórios: A maioria dos testes de drogas procura especificamente por metabólitos do THC. Como os isolados de CBD não contém THC, o risco de um teste positivo é eliminado.
- Crianças com quadros de epilepsia e outros transtornos neuropsiquiátricos: estudos clínicos metodologicamente qualificados demonstraram a segurança e eficácia do uso de CBD isolado no tratamento da síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e do Complexo Esclerose Tuberosa, culminando no registro do medicamento Epidiolex pela FDA, um isolado de CBD.³
- Pesquisa científica: Para a realização de pesquisas na área, os isolados são frequentemente, a ferramenta de eleição. Eles permitem aos cientistas isolar o efeito de um único canabinoide, sem a interferência potencialmente complexa de outras substâncias da plamta. Essa abordagem é fundamental para desvendar os mecanismos de ação específicos de cada molécula.
Limitações dos canabinoides isolados:
Embora os canabinoides isolados ofereçam precisão e pureza, sua principal limitação reside na ausência do potencial efeito entourage. A sinergia entre os diversos compostos da planta—incluindo outros canabinoides, terpenos e flavonoides—é um pilar fundamental da cannabis medicinal. Ao utilizar um isolado, essa interação biológica é suprimida.
Estudos clínicos e meta-análises têm fornecido evidências sobre essa limitação. Uma meta-análise de 2018, que revisou estudos clínicos observacionais sobre o tratamento da epilepsia refratária, comparou a eficácia de extratos ricos em CBD com a de produtos de CBD purificado. Os resultados foram clinicamente significativos:4
- Eficácia e dosagem: Pacientes tratados com extratos de espectro completo alcançaram os mesmos efeitos terapêuticos com uma dose diária média de 6,0 mg/kg, enquanto os que usaram CBD isolado necessitaram de uma dose significativamente maior, de 25,3 mg/kg. Essa disparidade sugere que os outros compostos no extrato de espectro completo potencializam a ação terapêutica do CBD, permitindo doses mais baixas e eficazes.4
- Segurança e efeitos adversos: A incidência de efeitos adversos foi consideravelmente maior nos grupos tratados com CBD purificado. Isso indica que a sinergia dos componentes do extrato de espectro completo não apenas otimiza a eficácia, mas também modula e minimiza os potenciais efeitos colaterais da formulação.4
A perda da sinergia do efeito entourage pode resultar em uma menor eficácia terapêutica e em um perfil de efeitos adversos menos favorável. Extratos de espectro completo, por conterem uma gama de canabinoides e terpenos, demonstram ser mais eficazes para certas condições clínicas. Essa maior eficácia e a possibilidade de utilizar doses menores ressaltam a importância de considerar o perfil bioquímico completo da planta no plano terapêutico.
Escolhendo o melhor tratamento para o seu paciente
A escolha entre um canabinoide isolado e um extrato de espectro completo não deve ser uma decisão do paciente, mas sim uma estratégia terapêutica definida em conjunto com um profissional de saúde qualificado. O médico está apto a avaliar o histórico clínico do paciente, a patologia em questão e as necessidades individuais para, então, prescrever a abordagem mais adequada.
A decisão clínica é multifatorial e rigorosa, baseada na análise de:
- Condição clínica e objetivos do tratamento: Estudos diversos demonstram que extratos de espectro completo podem ser mais eficazes para o manejo de dor crônica e neuropatias, onde a sinergia entre os compostos da planta otimiza os resultados.5,6 A eficácia desses extratos reside na sinergia entre os diversos compostos da planta, um fenômeno conhecido como efeito comitiva, que otimiza os resultados.
- A metanálise realizada por Darkovska-Serafmovska et al. (2018) demonstrou a eficácia dos nabiximols (uma combinação de CBD e tetraidrocanabinol – THC) no controle da dor crônica. A pesquisa revelou que a administração de uma média de 10 pulverizações diárias, contendo 25 mg de CBD e 27 mg de THC, proporcionou um alívio significativo da dor em pacientes com dor neuropática, artrite reumatoide e câncer, sugerindo que a combinação de fitocanabinoides atua de forma sinérgica para um efeito analgésico.5
- Além disso, revisões sistemáticas recentes com metanálises reforçam a eficácia de terapias à base de cannabis no tratamento da dor neuropática crônica. Essas análises mostraram que tanto a combinação de CBD e THC quanto o THC isolado (como dronabinol e nabilona) resultaram em reduções significativas nas avaliações de dor em comparação com o placebo, destacando o potencial promissor dessas intervenções na modulação dos receptores canabinoides e vias de sinalização da dor.6
- Por outro lado, ensaios clínicos randomizados e controlados já demonstraram com clareza, que formulações de CBD isolado, que, oferecem uma dosagem precisa e eliminam o Δ9-THC, são ferramentas eficazes para o tratamento de epilepsias graves e refratárias, onde a segurança e a precisão da dose são prioritárias.
- Perfil e tolerância do paciente: A idade, condições de saúde preexistentes e o uso de outras medicações são fatores importantes para a escolha do tratamento. A sensibilidade a compostos psicotrópicos também deve ser avaliada, já que a ausência de Δ9-THC nos isolados pode ser decisiva para pacientes que não toleram seus efeitos.
- Aspectos legais e profissionais: A presença de testes toxicológicos no ambiente de trabalho, ou a participação em competições esportivas com regras antidoping, pode ser um fator determinante na escolha de um produto completamente livre de Δ9-THC. A precisão e pureza dos isolados eliminam o risco de resultados positivos para essa substância.
A tomada de decisão informada, baseada em evidências clínicas, é a base de uma medicina ética e responsável. A escolha da formulação mais apropriada é o que garante a eficácia da terapia, maximizando os benefícios e minimizando os riscos para o paciente, e contribuindo para um desfecho clínico positivo e seguro.
Conclusão
O avanço da ciência na área da cannabis medicinal nos leva a um futuro promissor. A discussão entre canabinoides isolados e extratos de espectro completo não é sobre qual é a melhor opção em absoluto, mas sim sobre qual é a mais adequada para cada paciente e condição clínica. Ambas as formulações são complementares, e a escolha estratégica de uma delas é o ponto de partida para o sucesso da terapia.
O futuro reside na capacidade de combinar a precisão molecular dos isolados com a sinergia dos compostos da planta. A pesquisa e o desenvolvimento de formulações personalizadas, que podem misturar canabinoides e terpenos em proporções específicas, têm o potencial de revolucionar ainda mais o campo da cannabis medicinal.
Ao final, a eficácia do tratamento com cannabis medicinal depende de uma abordagem baseada em evidências e personalizada. A parceria entre médico e paciente, baseada no conhecimento científico e na individualização do cuidado, é a chave para desbloquear o vasto potencial terapêutico da planta e garantir os melhores desfechos clínicos.
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Referências
- MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
- Russo, Ethan B. “Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects.” British journal of pharmacology vol. 163,7 (2011): 1344-64. doi:10.1111/j.1476-5381.2011.01238.x
- Food and Drug Administration (FDA). What We Do. Disponível em:\<https://www.fda.gov/about-fda/what-we-do>. Acesso em: 18 ago.2025.
- Pamplona FA, da Silva LR, Coan AC. Potential Clinical Benefits of CBD-Rich Cannabis Extracts Over Purified CBD in Treatment-Resistant Epilepsy: Observational Data Meta-analysis. Front Neurol. 2018 Sep 12;9:759. doi: 10.3389/fneur.2018.00759. Erratum in: Front Neurol. 2019 Jan 10;9:1050. doi: 10.3389/fneur.2018.01050. PMID: 30258398; PMCID: PMC6143706.
- Darkovska-Scrafimovska, M. et al. Pharmacotherapeutic considerations for use of cannabinoids to relieve pain in patients with malignant diseases.J. Pain Res. Volume 1 1, 837-842 (2018).
- Bilbao, A. & Spanagel, R. Medical cannabinoids: a pharmacology-based systematic review and meta- analysis for all relevant medical indications. BMC Med. 20, 259 (2022).