Caso Clínico: Tratamento de Doença de Alzheimer com Cannabis Medicinal

Publicado em 19/05/25 | Atualizado em 19/05/25 Leitura: 9 minutos

Educação MédicaNeurológicas

Identificação

Paciente M.S.A., sexo feminino, 87 anos,.

Mulher caucaciana de 87 anos. Cabelos brancos, finos e curtos. Aparência frágil, condizente com seu baixo peso (46kg), postura ligeiramente encurvada, pele pálida com rugas características da idade avançada. Expressão facial que pode alternar entre confusão mental e certa apatia. Utilizando auxílio para locomoção como andador ou bengala. Olhar distante, reflexo do comprometimento cognitivo. Vestimenta simples e confortável, apropriada para facilitar os cuidados diários

Apresentação do Caso Clínico

Paciente idosa, 87 anos, vem ao consultório com diagnóstico de Doença de Alzheimer estabelecido em 2014 (aproximadamente 8 anos de evolução). Apresenta como queixa principal agitação psicomotora significativa, com episódios frequentes de inquietação que comprometem sua qualidade de vida e dificultam seus cuidados diários. Refere que a inquietação é particularmente acentuada no período vespertino e noturno, fenômeno conhecido como “sundowning” (síndrome do pôr do sol), comum em pacientes com demência.

Além do diagnóstico principal de Alzheimer, a paciente apresenta comorbidades importantes que incluem insônia crônica, parestesias (sensações anormais como formigamento) e anorexia, resultando em baixo peso corporal (46 kg). Seu tratamento prévio incluía uso de Alprazolam (um benzodiazepínico frequentemente prescrito para ansiedade e agitação) e Gabapentina (medicamento utilizado para dor neuropática, possivelmente prescrito para as parestesias), sem obtenção de controle adequado dos sintomas.

Histórico Familiar e Hábitos de Vida

Apresenta histórico familiar relevante para sua condição atual. Sua mãe desenvolveu sintomas compatíveis com demência aos 78 anos, embora nunca tenha recebido diagnóstico formal devido à época e ao contexto de cuidados em saúde. Um irmão mais velho, falecido aos 83 anos, também apresentou quadro de declínio cognitivo progressivo nos últimos anos de vida, com diagnóstico de Doença de Alzheimer. 

A paciente foi professora durante grande parte de sua vida, mantendo-se intelectualmente ativa até os primeiros sinais da doença. Era conhecida por sua memória excepcional e habilidades cognitivas preservadas, o que tornou os primeiros sintomas da doença particularmente notáveis para familiares e amigos próximos. Antes do diagnóstico em 2014, mantinha hábitos de vida saudáveis, com alimentação regrada e prática diária de exercícios físicos.

Com a progressão da doença, seus hábitos de vida sofreram modificações significativas. Inicialmente mantinha independência parcial, necessitando apenas de supervisão para atividades mais complexas, mas gradualmente desenvolveu dependência total para atividades básicas como alimentação, higiene pessoal e locomoção. 

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A paciente reside com familiares que são seus cuidadores principais. Apresenta total dependência para atividades da vida diária, com comprometimento cognitivo avançado característico da progressão da Doença de Alzheimer. O ambiente familiar é estruturado, mas a equipe de cuidadores relatava dificuldades significativas no manejo dos episódios de agitação. A família demonstra forte comprometimento com seu bem-estar, buscando constantemente alternativas terapêuticas para melhorar sua qualidade de vida, o que motivou a exploração da terapia com cannabis medicinal após a ineficácia dos tratamentos convencionais.

Exame Físico

Ao exame físico, a paciente apresenta-se emagrecida, estado nutricional comprometido, com sinais evidentes de sarcopenia. Observa-se palidez cutâneo-mucosa (+/4+), turgor cutâneo diminuído e ressecamento de pele e mucosas, compatíveis com o quadro de anorexia relatado.

Sinais vitais:

  • Pressão arterial: 130/70 mmHg
  • Frequência cardíaca: 78 bpm, rítmica
  • Frequência respiratória: 18 irpm
  • Temperatura axilar: 36,2°C
  • Saturação de oxigênio: 95% em ar ambiente

 

Avaliação neurológica:

  • Nível de consciência: alerta, porém com nítido déficit de atenção e concentração;
  • Orientação: desorientada em tempo e espaço, reconhece parcialmente familiares;
  • Memória: comprometimento severo de memória recente e moderado de memória remota;
  • Linguagem: discurso fragmentado, com períodos de afasia nominal e dificuldade na compreensão de comandos complexos;
  • Comportamento: períodos de inquietação psicomotora alternados com momentos de apatia;
  • Reflexos: preservados, simétricos, com discreta hiperreflexia patelar bilateral;
  • Sensibilidade: relato de parestesias (formigamento e sensação de “agulhadas”) em extremidades, principalmente em membros inferiores, sugestivas de neuropatia periférica;
  • Coordenação: comprometida, com disdiadococinesia e dismetria leves.

 

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Exames Complementares

Exames laboratoriais de rotina sem alterações significativas que contra indicassem o tratamento proposto. Avaliação da função hepática e renal dentro dos limites da normalidade, fator importante para o planejamento terapêutico com derivados canabinoides.

Diagnóstico

  • Diagnóstico principal: Doença de Alzheimer em estágio avançado 
  • Comorbidades:
    • Insônia
    • Parestesias
    • Anorexia

Proposta terapêutica inicial

Diante do quadro de agitação refratária ao tratamento convencional, com histórico de uso prévio de Alprazolam e Gabapentina sem benefício satisfatório ou com efeitos colaterais limitantes, optou-se pela introdução de terapia à base de cannabis medicinal.

Considerando a idade avançada da paciente, seu baixo peso corporal e a sensibilidade potencialmente aumentada aos canabinoides, foi adotada uma abordagem conservadora de iniciar com doses proporcionalmente mais baixas e escalonamento de dose mais lento.

Abordagem farmacológica

A abordagem farmacológica adotada consiste no uso de uma quimiovariante do Tipo I, caracterizada por alto teor de THC. A administração será por via oral ou sublingual, com uma posologia de 2,5 mg de THC uma vez ao dia, às 16h00, totalizando uma dose diária de 2,5 mg THC/dia.

Abordagem Não-Farmacológica

Paralelamente à introdução da terapia canabinoide, foram reforçadas as seguintes medidas não-farmacológicas:

  • Manutenção de rotina diária estruturada;
  • Estimulação cognitiva adequada ao estágio da doença;
  • Ambiente tranquilo, especialmente no período vespertino/noturno;
  • Orientação aos cuidadores sobre técnicas de manejo comportamental.

Evolução do Tratamento

A paciente foi monitorada regularmente para avaliação da eficácia terapêutica e potenciais efeitos adversos. Foram realizadas avaliações semanais no primeiro mês e, posteriormente, mensais. Após avaliação da resposta inicial ao tratamento, observou-se:

  • Melhora imediata dos sintomas de agitação;
  • Paciente mais calma e com episódios de inquietação significativamente reduzidos;
  • Ausência de efeitos colaterais significativos;
  • Melhora na qualidade do sono noturno, com redução de despertares noturnos e maior facilidade para retornar ao sono quando acordava;
  • Maior receptividade aos cuidados básicos, facilitando a higiene pessoal e alimentação.

 

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Esta resposta terapêutica positiva e consistente permitiu a descontinuação gradual do Alprazolam e da Gabapentina, medicamentos que, apesar do uso prolongado, não haviam proporcionado controle adequado dos sintomas comportamentais e contribuíam para a sonolência diurna excessiva e o maior risco de quedas.

No terceiro mês de tratamento, entretanto, observou-se aumento da fraqueza generalizada, com deterioração progressiva do estado geral, decorrente da evolução natural da doença de base. Diante deste novo cenário clínico, optou-se pela suspensão temporária do THC e encaminhamento para serviço de cuidados paliativos, onde a paciente permaneceu por 5 meses, recebendo cuidados de conforto e suporte.

Acompanhamento e ajustes

Na unidade de cuidados paliativos, após estabilização inicial e reavaliação multidisciplinar, uma nova estratégia terapêutica foi proposta para manejo dos sintomas residuais de inquietação e para auxiliar no controle da anorexia:

A equipe introduziu um produto de espectro completo (full spectrum), caracterizado por uma proporção balanceada entre CBG e THC. Esta formulação, contendo 5 mg de CBG e 2,5 mg de THC por dose, foi administrada por via oral, mantendo a posologia de uma dose única diária às 16h00, totalizando 7,5 mg de canabinoides ativos.

A introdução do CBG (Canabigerol) em associação ao THC em uma formulação de espectro completo visou potencializar os efeitos terapêuticos através do efeito entourage, enquanto oferecia benefícios potenciais adicionais no controle dos sintomas neuropsiquiátricos da demência e no estímulo do apetite, considerando o quadro de anorexia da paciente.

Esta nova abordagem permitiu manter o controle dos sintomas comportamentais com dose equivalente de THC (2,5mg), adicionando os benefícios potenciais do CBG e demais componentes do espectro completo, proporcionando maior conforto e dignidade à paciente durante sua permanência na unidade de cuidados paliativos.

Para saber sobre o potencia terapêutico do canabidiol no manejo da Doença de Alzheirmer acesse; Canabidiol para a Doença de Alzheimer: Potencial terapêutico

As informações pessoais contidas neste caso clínico foram modificadas para preservar a identidade e a imagem do paciente, mantendo, no entanto, a veracidade e a integridade dos dados clínicos. Este é um relato baseado em um caso real, fundamentado na documentação médica e nas observações clínicas realizadas durante o acompanhamento do paciente. A finalidade é compartilhar o tratamento e as estratégias adotadas em um cenário clínico de relevância, respeitando sempre a confidencialidade e a ética médica.

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Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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