É seguro dirigir após o uso de cannabis medicinal?

Publicado em 11/06/25 | Atualizado em 12/06/25 Leitura: 20 minutos

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Você já se perguntou se é seguro dirigir depois de usar cannabis medicinal? Com o crescente reconhecimento dos benefícios terapêuticos da cannabis para condições como dor crônica, epilepsia e náuseas causadas pela quimioterapia, esta é uma dúvida que surge para muitas pessoas.

Com a expansão global das políticas regulatórias que viabilizam o acesso à cannabis medicinal, surgem desafios importantes relacionados à segurança viária. Trata-se de uma questão complexa e multifatorial. No post de hoje, iremos explorar esse tema em profundidade, analisando suas implicações sob as perspectivas farmacológica, ética, jurídica e de saúde pública.

Entendendo os principais canabinoides

Os canabinoides são compostos bioativos encontrados na planta Cannabis sativa, responsáveis por suas propriedades terapêuticas e efeitos fisiológicos no organismo. Entre os mais de 500 compostos identificados na cannabis, destacam-se os fitocanabinoides, que interagem com o sistema endocanabinoide humano, modulando diversas funções, como dor, inflamação, humor e neuroproteção.

Dentre esses compostos, dois se sobressaem tanto pelo impacto clínico quanto pela relevância científica:

  • THC (Δ9-tetrahidrocanabinol): É o principal componente psicotrópico da cannabis. As evidências científicas confirmam sua eficácia no tratamento da dor crônica, náuseas e vômitos provocados pela quimioterapia, e espasticidade na esclerose múltipla. É este componente que pode afetar a capacidade de dirigir.
  • CBD (canabidiol): Não causa efeitos psicotrópicos significativos e tem sido estudado para o tratamento de epilepsias resistentes, ansiedade, psicose, dor crônica e distúrbios neurológicos. Alguns estudos sugerem que o CBD pode amenizar certos efeitos adversos do THC.

 

As doses terapêuticas normalmente usadas variam de 5-20 mg para o THC e são consideravelmente maiores para o CBD (50-1500 mg). Os produtos medicinais podem conter predominantemente THC, predominantemente CBD, ou combinações específicas de ambos.

Para saber mais sobre os Fitocanabinoides acesse: Principais Fitocanabinoides e seus efeitos no organismo

Como a cannabis afeta a capacidade de dirigir?

O THC exerce efeitos significativos sobre funções neurocognitivas e psicomotoras críticas para a condução segura de veículos, incluindo:

  • Prolongamento do tempo de reação a estímulos
  • Comprometimento da coordenação motora fina
  • Déficit na capacidade de atenção dividida
  • Alteração na percepção espaço-temporal
  • Redução do estado de vigilância
  • Prejuízo nos processos decisórios

 

Estudos epidemiológicos e experimentais demonstram consistentemente que a exposição ao THC pode comprometer a aptidão para condução veicular. Meta-análises recentes indicam que condutores com presença detectável de canabinoides apresentam risco relativo de envolvimento em acidentes de trânsito aproximadamente 1,1 a 1,4 vezes superior ao de condutores não expostos, além de maior probabilidade de culpabilidade em colisões.1,2

É relevante observar que a magnitude do risco associado ao THC é comparável àquela observada em concentrações alcoólicas sanguíneas baixas (0,01-0,05 g/L). Contudo, alguns estudos sugerem correlação positiva entre concentrações sanguíneas elevadas de THC e aumento do risco de colisão.³

Farmacocinética dos canabinoides e implicações para o desempenho na condução

A via de administração dos canabinoides influencia significativamente o início, duração e intensidade dos efeitos, com implicações diretas para a segurança na condução veicular:

Administração inalatória (fumo ou vaporização):

  • Produz elevação rápida e transitória nas concentrações sanguíneas e salivares de THC
  • Início de efeitos em minutos
  • Efeitos máximos entre 30-60 minutos
  • Duração relativamente breve (2-4 horas para efeitos agudos)
  • Comprometimento mais intenso, porém menos prolongado

 

Administração oral (óleos, cápsulas, comestíveis):

  • Absorção retardada pelo trato gastrointestinal, resultando em concentrações sanguíneas de THC substancialmente inferiores
  • Início tardio dos efeitos (30-90 minutos)
  • Efeitos máximos entre 2-4 horas
  • Duração prolongada (6-8 horas ou superior)
  • Variabilidade interindividual significativa na intensidade dos efeitos

 

Administração sublingual:

  • Início intermediário dos efeitos (15-45 minutos)
  • Duração intermediária (4-6 horas)
  • Perfil de absorção mais consistente em comparação com formulações orais

 

Administração tópica:

  • Efeitos psicoativos mínimos ou ausentes
  • Representa risco mínimo para a aptidão à condução veicular

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É importante compreender que o THC, devido à sua elevada lipofilicidade, demonstra uma distribuição preferencial para o tecido adiposo. A partir desse reservatório, o THC pode ser lentamente redistribuído para a circulação sistêmica por períodos prolongados após a exposição.

Além disso, em situações de consumo crônico ou sustentado, os canabinoides (incluindo o THC) não apenas se distribuem, mas também se acumulam no tecido adiposo. Esse acúmulo permite que sejam liberados de volta para a corrente sanguínea ao longo do tempo, o que pode aumentar significativamente os níveis sanguíneos correspondentes ao consumo inicial ou recente. Consequentemente, as concentrações sanguíneas de THC não refletem necessariamente a exposição recente ou as quantidades consumidas.

O que dizem os estudos científicos

As investigações experimentais sobre cannabis e condução veicular empregam frequentemente simuladores ou, menos comumente, testes em vias reais. O parâmetro mais frequentemente avaliado nesses estudos é o desvio padrão da posição lateral (SDLP), uma medida de oscilação na faixa de rodagem que indica controle veicular prejudicado.

O SDLP é uma métrica utilizada em estudos sobre direção veicular para avaliar a oscilação lateral do veículo dentro da faixa de rodagem. Ele mede a variabilidade na posição do carro ao longo do tempo e é um indicador da estabilidade e do controle do condutor. Um aumento no SDLP sugere comprometimento da direção, sendo amplamente utilizado para quantificar os efeitos de substâncias como álcool e sedativos no desempenho ao volante.

O desvio padrão da posição lateral (SDLP) é uma medida comumente usada da variância na posição lateral de um veículo dentro de uma faixa. Os paineis inferiores mostram aumento do SDLP, indicando maior perda de controle veicular. Fonte: ARKELL, T.; McCARTNEY, D.; McGREGOR, I. Medical cannabis and driving. Australian Journal for General Practitioners, v. 50, p. 357-362, 26 maio 2021. Disponível em: https://www1.racgp.org.au/ajgp/2021/june/medical-cannabis-and-driving
O desvio padrão da posição lateral (SDLP) é uma medida comumente usada da variância na posição lateral de um veículo dentro de uma faixa. Os paineis inferiores mostram aumento do SDLP, indicando maior perda de controle veicular. Fonte: ARKELL, T.; McCARTNEY, D.; McGREGOR, I. Medical cannabis and driving. Australian Journal for General Practitioners, v. 50, p. 357-362, 26 maio 2021. Disponível em: https://www1.racgp.org.au/ajgp/2021/june/medical-cannabis-and-driving

Um estudo recente investigou o desempenho na condução em rodovias reais em indivíduos com uso ocasional de cannabis, após administração de 13,75 mg de THC (dose dentro do intervalo terapêutico típico). Os resultados evidenciaram comprometimento moderado, porém clinicamente relevante, na condução entre 40-100 minutos após a administração, sem comprometimento significativo após 240-300 minutos. Estes achados sugerem que doses moderadas de cannabis inalada provavelmente não prejudicam significativamente o desempenho na condução após quatro horas.4

Mudança média (erro padrão da média [EPM]) no desvio padrão da posição lateral (SDLP) em relação ao placebo durante testes de direção em rodovias após a vaporização de cannabis com predominância de canabidiol (CBD), cannabis com predominância de Δ9-tetraidrocanabinol (THC) e cannabis com proporção equivalente de THC/CBD. A linha pontilhada representa o aumento do SDLP associado a uma concentração de álcool no sangue (BAC) de 0,02 g/L, enquanto a linha sólida representa o aumento do SDLP associado a um BAC de 0,05 g/L. Fonte: Arkell TR, Vinckenbosch F, Kevin RC, Theunissen EL, McGregor IS, Ramaekers JG. Effect of cannabidiol and Δ9-tetrahydrocannabinol on driving performance: A randomized clinical trial. JAMA 2020;324(21):2177–86. doi: 10.1001/jama.2020.21218.
Mudança média (erro padrão da média [EPM]) no desvio padrão da posição lateral (SDLP) em relação ao placebo durante testes de direção em rodovias após a vaporização de cannabis com predominância de canabidiol (CBD), cannabis com predominância de Δ9-tetraidrocanabinol (THC) e cannabis com proporção equivalente de THC/CBD. A linha pontilhada representa o aumento do SDLP associado a uma concentração de álcool no sangue (BAC) de 0,02 g/L, enquanto a linha sólida representa o aumento do SDLP associado a um BAC de 0,05 g/L. Fonte: Arkell TR, Vinckenbosch F, Kevin RC, Theunissen EL, McGregor IS, Ramaekers JG. Effect of cannabidiol and Δ9-tetrahydrocannabinol on driving performance: A randomized clinical trial. JAMA 2020;324(21):2177–86. doi: 10.1001/jama.2020.21218.

Uma meta-análise recente concluiu que a maioria das habilidades cognitivas relevantes para a condução veicular se recupera em aproximadamente cinco horas após inalação de 20 mg de THC em indivíduos com uso ocasional de cannabis. Com formulações orais, o comprometimento pode persistir por períodos mais prolongados, com tempos de recuperação de até 8 horas após doses elevadas.5

Diferenciação entre uso recreativo e terapêutico

É fundamental estabelecer distinção entre o uso recreativo e medicinal da cannabis. Enquanto o primeiro frequentemente visa efeitos psicomiméticos, o uso terapêutico geralmente envolve perfis canabinoides distintos e metodologias de administração diferenciadas:

  • Composição fitoquímica: A composição fitoquímica da cannabis medicinal frequentemente prioriza o CBD e reduz o THC para minimizar efeitos psicotrópicos e maximizar os benefícios terapêuticos. Contudo, em certas condições clínicas, produtos medicinais com quantidades mais elevadas de THC também são utilizados, sempre sob supervisão médica.
  • Vias de administração: Formulações como óleos, cápsulas ou sprays orais podem apresentar perfis farmacocinéticos distintos dos métodos inalatórios convencionais.
  • Posologia controlada: A cannabis medicinal prescrita geralmente apresenta concentrações padronizadas e regimes posológicos definidos.
  • Padrão de uso crônico versus agudo: Pacientes em terapêutica canabinoide crônica podem desenvolver tolerância aos potenciais efeitos prejudiciais à condução veicular. Em contraste, o uso agudo de preparados contendo THC é mais suscetível a induzir alterações motoras e cognitivas que comprometem a capacidade de dirigir.

 

Grande parte dos estudos sobre os efeitos da cannabis na direção concentra-se no uso não medicinal, avaliando participantes jovens e saudáveis que consomem cannabis ocasionalmente e em doses intoxicantes. No entanto, pacientes que fazem uso terapêutico regular de produtos à base de cannabis podem desenvolver tolerância aos efeitos do THC, o que pode mitigar seu impacto no desempenho ao dirigir.

Evidências sugerem que indivíduos com uso intenso de cannabis (diário ou quase diário) apresentam menor comprometimento na direção após a administração de THC quando comparados a usuários ocasionais. Um estudo demonstrou que pacientes submetidos a tratamento prolongado com nabiximols (spray bucal contendo THC e CBD em proporção 1:1) não relataram piora na capacidade de dirigir – pelo contrário, alguns relataram melhora, possivelmente devido à redução da espasticidade e ao aprimoramento da função cognitiva.6

Além disso, uma revisão recente indicou que o THC raramente compromete habilidades cognitivas relacionadas à direção em pacientes com condições como neuropatia diabética, síndrome de Tourette, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e demência.5

Paralelo a isso, um subestudo do ensaio clínico fase IIIb CANNA-TICS, focado na aptidão para dirigir, demonstrou que o tratamento com nabiximols (um extrato de cannabis que contém THC) não apenas não prejudicou as habilidades de condução em pacientes com transtornos crônicos de tique que já eram aptos a dirigir no início do estudo, como também melhorou a aptidão para dirigir em um subconjunto de pacientes que não estavam aptos antes do tratamento.7

Especificamente, a proporção de pacientes aptos a dirigir aumentou no grupo nabiximols (de 55,8% para 71,8%) e diminuiu no grupo placebo (de 66,7% para 52,6%). A diferença de risco foi de 0,17 a favor do nabiximols. Esses achados reforçam a complexidade da interação entre canabinoides e capacidade de direção, sugerindo que, em contextos terapêuticos específicos, o THC pode não ter os mesmos efeitos prejudiciais observados em uso agudo ou recreativo.7

Complementando essas observações, um estudo semi-naturalístico recente investigou o impacto do uso de cannabis medicinal prescrita contendo THC no desempenho de condução simulado em 40 pacientes adultos. Os participantes consumiram seu próprio produto de cannabis medicinal (doses de 1,13 a 39,18 mg de THC) e foram avaliados em um simulador de condução (Forum8) na linha de base, 2,5 horas e 5 horas pós-dosagem. 8

Os resultados indicaram um impacto insignificante no desempenho de condução quando a cannabis medicinal foi utilizada conforme prescrito. Observou-se um efeito principal significativo do tempo para a velocidade média e o esforço de condução percebido (PDE), com os pacientes exibindo uma estabilização modesta do controle do veículo, maior adesão aos limites de velocidade e reduções no PDE pós-dosagem em comparação com a linha de base. Adicionalmente, o desvio padrão da posição lateral (SDLP) e o PDE foram elevados para aqueles que consumiram óleo em relação aos produtos à base de flores. Concentrações detectáveis de THC no fluido oral foram observadas até 6 horas após a administração.8

Esses achados reforçam a ideia de que, em pacientes sob tratamento de longo prazo com doses estáveis de canabinoides prescritos, os sintomas clínicos podem ser aliviados, impactando positivamente o desempenho cognitivo e psicomotor e resultando em um efeito mínimo no desempenho de condução.

Desafios metodológicos na detecção e aspectos legais

Um dos maiores desafios da relação entre cannabis e direção é a falta de métodos confiáveis para determinar o comprometimento imediato. Ao contrário do álcool, onde o bafômetro é preciso, a detecção de canabinoides tem limitações. Isso ocorre porque o THC é lipofílico e se acumula no tecido adiposo, sendo liberado lentamente na corrente sanguínea. Consequentemente, os níveis de THC detectados não refletem necessariamente o grau de comprometimento psicomotor atual ou o consumo recente, pois a simples presença de THC não indica alteração na capacidade de dirigir.

  • Testes em fluido oral podem detectar THC por 4-6 horas após cannabis inalada (em usuários intensos, detectabilidade pode estender-se por até três dias)
  • No sangue, o THC é comumente detectável por até sete dias, e em casos extremos, por até 30 dias após cessação do uso
  • Na urina, metabólitos do THC podem ser detectados por até 24 dias, dependendo da sensibilidade analítica
  • Concentrações de THC não apresentam correlação robusta com o grau de comprometimento funcional
  • Inexiste um “limite legal” universalmente aceito de THC indicativo de comprometimento

 

Dada a crescente utilização da cannabis para fins medicinais e recreativos, e a consequente preocupação com a identificação de motoristas comprometidos, surge a possibilidade de integrar testes de sobriedade de campo (TSCs) no arcabouço regulatório.

Esta questão representa desafio particular para pacientes em terapêutica canabinoide. Na Austrália, por exemplo, todas as jurisdições realizam testes aleatórios de drogas móveis, análogos ao teste aleatório de bafômetro. Estes testes verificam apenas a presença de substâncias, não o comprometimento funcional, e a cannabis medicinal legalmente prescrita não constitui defesa válida contra processos judiciais sob estas legislações, representando barreira significativa para pacientes que dependem da condução veicular para atividades laborais e qualidade de vida.

A abordagem australiana contrasta com a de outras nações, onde os testes geralmente são realizados apenas mediante evidência de condução prejudicada, não aleatoriamente. No Canadá, por exemplo, onde o uso da cannabis foi integralmente legalizado em 2018, testes em fluido oral podem ser empregados para confirmar suspeita de condução sob influência de substâncias, mas apenas quando um agente pode primeiramente demonstrar evidência de condução prejudicada.

Um estudo recente, duplo-cego e controlado por placebo, investigou a eficácia dos TSCs no desempenho de direção após o consumo de cannabis. Os resultados indicaram que os TSCs foram capazes de classificar corretamente os participantes do grupo THC como comprometidos por até 188 minutos após o consumo. No entanto, um desafio surgiu: embora 81% dos participantes que utilizaram cannabis fossem identificados como comprometidos 71 minutos após o uso, 49% do grupo placebo também foram classificados erroneamente como tal no mesmo período.9

A boa notícia é que a combinação de um teste toxicológico (especificamente, um corte de 2 ng/mL de THC em fluido oral) com os resultados positivos dos TSCs aumentou significativamente a precisão da detecção. Essa abordagem conjunta conseguiu reduzir a zero o número de participantes do grupo placebo classificados incorretamente como comprometidos, 86 minutos após a administração do placebo.9

Portanto, o estudo sugere que a estratégia mais eficaz para identificar a condução sob influência de THC envolve a integração das observações dos testes de sobriedade de campo com um resultado toxicológico positivo, o que aprimora a precisão e minimiza os erros de classificação.9

Recomendações para pacientes que usam cannabis medicinal

Para pacientes em terapêutica com cannabis que necessitam conduzir veículos, determinadas recomendações podem contribuir para mitigação de riscos:

  1. Consulta médica especializada: Discuta especificamente questões relacionadas à condução veicular com o profissional prescritor. Este poderá oferecer orientações individualizadas baseadas em sua condição clínica, regime terapêutico e necessidades específicas. 
  2. Conhecimento farmacológico: Familiarize-se com o conteúdo de THC e CBD do seu produto, bem como seu perfil de efeitos. Produtos com elevada proporção CBD:THC podem induzir menor comprometimento cognitivo. 
  3. Compreensão da resposta individual: Os efeitos dos canabinoides apresentam variabilidade interindividual significativa. Observe cuidadosamente sua resposta individual antes de considerar a condução veicular. 
  4. Cronologia dos efeitos: Evite conduzir durante o período de efeito máximo. Para produtos inalados, isto pode significar intervalo mínimo de 4-5 horas após uso; para produtos orais, o período de abstinência da condução pode estender-se por 8 horas ou mais. 
  5. Período de adaptação terapêutica: Exerça extrema cautela ao conduzir durante fase inicial de tratamento com produtos contendo THC. O comprometimento tende a ser mais significativo no início da terapêutica, antes do desenvolvimento de tolerância. 
  6. Formulações alternativas: Discuta com seu médico a possibilidade de utilizar formulações com menor concentração de THC ou vias de administração que minimizem efeitos psicotrópicos (cápsulas, adesivos transdérmicos ou supositórios podem reduzir a deposição de THC na cavidade oral). 
  7. Evite combinações farmacológicas: Exerça particular cautela quanto ao uso concomitante de álcool e outras substâncias com efeito sedativo durante a terapêutica com cannabis medicinal. 
  8. Métodos alternativos de transporte: Quando viável, considere transporte público, compartilhamento de trajetos ou serviços de transporte por aplicativo, particularmente durante a fase inicial do tratamento. 
  9. Conhecimento legislativo: Familiarize-se com legislação específica em sua jurisdição relacionada à cannabis medicinal e condução veicular.

 

O dilema do paciente

Para numerosos pacientes, a decisão de conduzir veículos durante a terapêutica com cannabis medicinal representa dilema significativo. Para aqueles em tratamento de condições como espasticidade associada à esclerose múltipla, dor crônica refratária ou êmese grave induzida por quimioterapia, a cannabis medicinal pode proporcionar alívio significativo, possibilitando funcionalidade cotidiana. Contudo, esta mesma terapêutica pode potencialmente comprometer sua aptidão para condução segura e expô-los a sanções legais.

Para alguns pacientes, as opções apresentam limitações significativas:

  • Dirigir potencialmente comprometido
  • Abster-se temporariamente da medicação para poder dirigir (possivelmente sofrendo sintomas debilitantes)
  • Depender de transporte alternativo (que pode ser indisponível ou caro)
  • Depender de outras pessoas para transporte

 

Este dilema destaca a necessidade de:

  • Mais pesquisas para determinar com precisão os períodos seguros após o uso
  • Desenvolvimento de produtos medicinais que minimizem os efeitos que prejudicam a direção
  • Melhoria dos sistemas de transporte acessíveis para pacientes com necessidades médicas
  • Maior flexibilidade nas leis de trânsito para acomodar pacientes que usam cannabis medicinal

 

Conclusão

A questão da segurança na condução veicular após uso de cannabis medicinal não comporta resposta simplista ou universal. Embora evidências científicas indiquem que a cannabis contendo THC pode comprometer habilidades essenciais para condução segura, a magnitude e duração deste comprometimento apresentam variabilidade significativa conforme fatores individuais, composição do produto, padrões de uso e desenvolvimento de tolerância.

Estudos experimentais sugerem que o comprometimento induzido por doses moderadas de cannabis inalada (contendo THC) geralmente dissipa-se em aproximadamente 4-5 horas, enquanto para formulações orais pode estender-se por 8 horas ou mais. Produtos contendo exclusivamente CBD aparentemente não representam risco significativo à segurança viária.10

A abordagem mais prudente para pacientes compreende consulta especializada, compreensão dos efeitos individuais da medicação e adoção de decisões conservadoras relativamente à condução, particularmente durante a fase inicial do tratamento. Na perspectiva de políticas públicas, evidencia-se necessidade de métodos aprimorados para avaliação do comprometimento atual e de estruturas legais que equilibrem a segurança pública com necessidades terapêuticas legítimas.

À medida que a utilização medicinal da cannabis continua em expansão global, o equilíbrio entre acesso terapêutico e segurança viária permanece um desafio significativo. A resposta mais responsável parece residir numa abordagem individualizada e fundamentada em evidências, que reconheça simultaneamente os benefícios terapêuticos da cannabis medicinal e os riscos potenciais associados à condução sob sua influência.

Nesse cenário, a WeCann Academy surge como uma aliada essencial para a comunidade médica, oferecendo suporte na tomada de decisões terapêuticas informadas e fundamentadas em evidências científicas robustas. Por meio de materiais técnicos, como o Tratado de Medicina Endocanabinoide, a instituição capacita a comunidade médica a compreender com profundidade o potencial dos canabinoides no manejo de patologias complexas. Essa abordagem permite que médicos ampliem seu entendimento sobre a aplicação segura e eficaz das terapias à base de cannabis, integrando-as ao cuidado de pacientes de forma ética e responsável.

Referências

  1. Rogeberg O. A meta-analysis of the crash risk of cannabis-positive drivers in culpability studies-Avoiding interpretational bias. Accid Anal Prev 2019;123:9–78. doi: 10.101/j.aap.2018.11.011. 
  2. Rogeberg O, Elvik R. The effects of cannabis intoxication on motor vehicle collision revisited and revised. Addiction 201;111(8):1348–59. doi: 10.1111/add.13347. 
  3. Hels T, Bernhoft IM, Lychegaard A, et al. Risk of injury by driving with alcohol and other drugs. Project No. TREN-05-FPTR-S07.1320-518404-DRUID. European Comission; 2011. 
  4. Arkell TR, Vinckenbosch F, Kevin RC, Theunissen EL, McGregor IS, Ramaekers JG. Effect of cannabidiol and Δ9-tetrahydrocannabinol on driving performance: A randomized clinical trial. JAMA 2020;324(21):2177–8. doi: 10.1001/jama.2020.21218.
  5. McCartney D, Arkell TR, Irwin C, McGregor IS. Determining the magnitude and duration of acute Δ9-tetrahydrocannabinol (Δ9-THC)-induced driving and cognitive impairment: A systematic and meta-analytic review. Neurosci Biobehav Rev 2021;12:175–93. doi: 10.1016/j.neubiorev.2021.01.003.
  6. Celius EG, Vila C. The influence of THC:CBD oromucosal spray on driving ability in patients with multiple sclerosis-related spasticity. Brain Behav 2018;8(5):e00962. doi: 10.1002/brb3.962.
  7. Müller-Vahl KR, Pisarenko A, Ringlstetter R, Cimpianu CL, Fremer C, Weidinger E, Jenz EB, Musil R, Brunnauer A, Großhennig A. The Effect of Nabiximols on Driving Ability in Adults with Chronic Tic Disorders: Results of a Substudy Analysis of the Double-Blind, Randomized, Placebo-Controlled CANNA-TICS Trial. Cannabis Cannabinoid Res. 2024 Oct;9(5):1349-1359. doi: 10.1089/can.2023.0114. Epub 2024 Jan 23. PMID: 38265476.
  8. Manning B, Arkell TR, Hayley AC, Downey LA. A semi-naturalistic open-label study examining the effect of prescribed medical cannabis use on simulated driving performance. J Psychopharmacol. 2024 Mar;38(3):247-257. doi: 10.1177/02698811241229524. Epub 2024 Feb 8. PMID: 38332655; PMCID: PMC10944578.
  9. Fitzgerald RL, Umlauf A, Hubbard JA, Hoffman MA, Sobolesky PM, Ellis SE, Grelotti DJ, Suhandynata RT, Huestis MA, Grant I, Marcotte TD. Driving Under the Influence of Cannabis: Impact of Combining Toxicology Testing with Field Sobriety Tests. Clin Chem. 2023 Jul 5;69(7):724-733. doi: 10.1093/clinchem/hvad054. Erratum in: Clin Chem. 2024 Mar 2;70(3):569. doi: 10.1093/clinchem/hvad218. PMID: 37228223; PMCID: PMC10320013.
  10. McCartney D, Suraev AS, Doohan PT, Irwin C, Kevin RC, Grunstein RR, Hoyos CM, McGregor IS. Effects of cannabidiol on simulated driving and cognitive performance: A dose-ranging randomised controlled trial. J Psychopharmacol. 2022 Dec;36(12):1338-1349. doi: 10.1177/02698811221095356. Epub 2022 May 30. PMID: 35637624; PMCID: PMC9716488.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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