Os efeitos colaterais da cannabis medicinal e como lidar com eles

Publicado em 27/08/25 | Atualizado em 27/08/25 Leitura: 13 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoEfeitos adversos

A inclusão da cannabis medicinal no arsenal terapêutico de diversas especialidades tem demandado uma compreensão aprofundada de seu perfil de segurança. Diferentemente do uso recreativo, a prescrição médica da cannabis implica um manejo rigoroso e baseado em evidências, com foco na otimização dos benefícios e na minimização de riscos.

Neste post, aprofundaremos os principais efeitos adversos agudos e de longo prazo da cannabis medicinal. O nosso objetivo é fornecer um guia prático para a titulação e monitoramento de pacientes, ajudando a evitar e a gerenciar esses efeitos colaterais de forma eficaz.

Cannabis medicinal e suas aplicações em diversas patologias

A cannabis medicinal tem se consolidado como uma alternativa terapêutica em diversas áreas da medicina, explorando a modulação do sistema endocanabinoide (SEC) por seus compostos ativos, os canabinoides. O SEC, um sistema complexo de sinalização, desempenha um papel crucial na homeostase do organismo, regulando funções como dor, inflamação, humor e sono.¹

Os principais canabinoides de interesse clínico são o THC (tetraidrocanabinol) e o CBD (canabidiol), que interagem principalmente com os receptores canabinoides (CB1​ e CB2​) para produzir seus efeitos terapêuticos.¹

A eficácia da cannabis medicinal tem sido demonstrada em uma gama de patologias, destacando-se as seguintes áreas:

  • Dor Crônica: O uso de canabinoides tem demonstrado eficácia na redução da intensidade da dor neuropática e de condições como a fibromialgia, com evidências que sugerem um efeito sinérgico entre THC e CBD. Esse tratamento pode, em muitos casos, levar à redução do uso de opioides, diminuindo os riscos associados à dependência e aos efeitos adversos desses medicamentos.¹
  • Neurologia:
    • Epilepsia Refratária: O CBD, em particular, tem sido aprovado para o tratamento de síndromes epilépticas graves e resistentes a outros fármacos, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut, com base em estudos clínicos robustos.¹
    • Esclerose Múltipla (EM): A cannabis medicinal é utilizada para o manejo de espasticidade e dor em pacientes com EM, melhorando a qualidade de vida e a funcionalidade.¹
  • Psiquiatria: O CBD apresenta propriedades ansiolíticas e antidepressivas, sendo investigado para o tratamento de transtornos de ansiedade e estresse pós-traumático (TEPT). Os canabinoides também podem ser utilizados para o manejo de distúrbios do sono.¹
  • Oncologia e Cuidados Paliativos: A cannabis é amplamente utilizada para mitigar efeitos colaterais da quimioterapia, como náuseas e vômitos, além de estimular o apetite em pacientes com caquexia.¹

 

A cannabis medicinal tem uma ampla gama de aplicações clínicas, também é promissora no tratamento de doenças de pele como psoríase, redução da pressão intraocular no glaucoma, e manejo de sintomas de endometriose e distúrbios metabólicos

A seleção do produto e a titulação da dose são cruciais para o sucesso terapêutico, exigindo uma compreensão aprofundada da farmacologia dos canabinoides e do perfil clínico de cada paciente. A individualização do tratamento é a chave para otimizar os benefícios e minimizar os riscos.

Perfil de segurança e efeitos agudos (curto prazo)

A segurança da cannabis medicinal é notável, com um perfil de risco geralmente favorável em comparação a outras classes de medicamentos. A avaliação clínica deve distinguir entre os efeitos do THC e do CBD, cujos perfis de segurança são distintos. O CBD é considerado muito seguro, mesmo em doses elevadas (até 6000 mg), sendo a sonolência e diarreia os efeitos adversos mais comuns.²

O principal desafio clínico no uso do THC é o risco de intoxicação, já que a dose-resposta varia consideravelmente entre os pacientes.³ No entanto, é importante salientar que o THC tem uma margem de segurança extremamente ampla, com uma dose letal extrapolada de mais de 15.000 mg, o que é 750 vezes maior que uma dose potencialmente intoxicante de 20 mg. Diferente dos opioides, a cannabis não causa depressão respiratória.4

Os efeitos agudos do THC podem incluir:

  • Euforia e ansiólise, que podem ser acompanhadas por percepções sensoriais aprimoradas.
  • Déficits cognitivos sutis, como atenção prejudicada e comprometimento da memória de curto prazo.5
  • Em doses mais altas, pode causar ansiedade, pânico e desorientação, especialmente em indivíduos sensíveis.³
  • Outros efeitos comuns são boca seca, tontura, aumento do apetite e, em alguns casos, náuseas e vômitos.6

 

Os efeitos colaterais associados ao CBD:

  • Tontura, Sonolência e Sedação: Em doses mais altas ou no início do tratamento, alguns pacientes podem sentir tontura e sedação. Para mitigar esses efeitos, é recomendado iniciar o tratamento com doses baixas, preferencialmente à noite, e aumentar gradualmente.
  • Fadiga: A fadiga é um efeito comum devido à ação relaxante do CBD no sistema nervoso central. Iniciar a administração à noite ou ajustar a dose são estratégias eficazes para minimizar o impacto na rotina diária do paciente.
  • Boca Seca (Xerostomia): Este efeito ocorre pela interação do CBD com os receptores das glândulas salivares. A hidratação adequada, o uso de chicletes sem açúcar e a administração do óleo de CBD com alimentos gordurosos podem ajudar a aliviar o sintoma.
  • Distúrbios Gastrointestinais: Náuseas, diarreia e dor abdominal são efeitos menos frequentes. Para minimizá-los, a dose deve ser titulada gradualmente. Além disso, a administração do CBD após as refeições e a verificação do veículo utilizado no óleo podem ser estratégias úteis.

 

Recomendações clínicas para o manejo agudo:

A otimização da terapia com cannabis medicinal requer uma abordagem metódica para mitigar efeitos adversos, especialmente os relacionados ao THC. As seguintes recomendações são essenciais para uma prática clínica segura:

    • Titulação da Dose: A abordagem “comece baixo e vá devagar” é a pedra angular da prescrição. Sugere-se iniciar com doses de THC <5 mg/dia, aumentando-as gradualmente a cada 3 a 7 dias, até que a resposta terapêutica seja alcançada com o mínimo de efeitos colaterais.
    • Via de Administração: A via oral (óleos, cápsulas) proporciona um início de ação mais lento e um efeito mais prolongado, o que facilita a titulação e reduz o risco de intoxicação aguda. A vaporização oferece um controle mais preciso do início e da duração do efeito, sendo útil para crises agudas, mas requer cautela devido à rápida absorção do THC.
    • Orientação ao Paciente: Educar o paciente sobre os possíveis efeitos é fundamental. Instrua-o a monitorar a resposta em um diário, anotando dose, horário e efeitos percebidos, para otimizar o acompanhamento clínico.
    • Seleção do produto: É essencial que a escolha do produto de cannabis medicinal seja baseada na necessidade clínica do paciente. Estudos e evidências de casos têm demonstrado como certas substâncias, além dos canabinoides, podem atenuar efeitos colaterais específicos.

 

Um exemplo notável é o terpeno d-limoneno. Um estudo recente, publicado no Drug and Alcohol Dependence, revelou que o d-limoneno, quando administrado juntamente com o THC, reduziu significativamente a ansiedade e a paranoia em adultos saudáveis, sem alterar a absorção e a metabolização do THC no organismo.7 Esses dados sugerem que a inclusão de terpenos específicos nas formulações pode aumentar o índice terapêutico do THC e melhorar a tolerabilidade do tratamento.

Otimização da terapia com Cannabis Medicinal
Otimização da terapia com Cannabis Medicinal

Efeitos a longo prazo e considerações especiais

A avaliação dos efeitos a longo prazo da cannabis medicinal ainda é um campo em desenvolvimento, exigindo mais estudos de farmacovigilância e ensaios clínicos robustos. É importante distinguir entre o uso medicinal, que é regulamentado e supervisionado, e o uso recreativo, que geralmente envolve altas doses de THC, fumo e outros fatores de confusão.

Psicose e transtornos relacionados

Apesar da raridade da psicose aguda induzida por cannabis, a principal preocupação clínica reside na associação entre o uso recreativo de THC na adolescência e um aumento do risco de esquizofrenia em indivíduos geneticamente vulneráveis. Embora a cannabis não seja considerada a causa direta, ela pode ser um fator permissivo.8

É importante destacar a diferença entre o uso recreativo e o medicinal: o uso medicinal é controlado, com doses precisas e sob supervisão médica, minimizando o risco de efeitos adversos. Por isso, a cannabis medicinal com THC é contraindicada para pacientes com histórico pessoal ou familiar de esquizofrenia ou outros transtornos psicóticos. Em contraste, o CBD, que não tem efeito psicotrópico e demonstrou ter propriedades antipsicóticas, pode ser uma alternativa segura nessas situações clínicas.9

Função Cognitiva

Os déficits cognitivos agudos relacionados ao THC, quando ocorrem, são de curta duração e reversíveis. A evidência de disfunção cognitiva a longo prazo é controversa, com estudos indicando que os efeitos são pequenos e clinicamente insignificantes.10 Não há dados da literatura, até o momento, que indiquem que o uso de cannabis medicinal em adultos cause efeitos importantes e/ou irreversíveis na função cognitiva.11

Para saber mais sobre os efeitos da cannabis medicinal na excitabilidade cerebral acesse: Efeitos da Cannabis na Excitabilidade Cerebral – WeCann Academy

Potencial de dependência

A questão da dependência da cannabis é uma preocupação legítima, mas é fundamental distinguir entre o uso recreativo e o medicinal. O potencial de dependência é considerado de leve a moderado em usuários recreativos.12

No contexto medicinal, a dependência não é uma preocupação primária. A prescrição de cannabis medicinal tem como objetivo o benefício terapêutico, e não a intoxicação. O uso é estritamente controlado e supervisionado, o que reduz significativamente os riscos associados à dependência. Além disso, o CBD não é viciante e não há evidências de que o seu uso regular cause dependência física ou psíquica.13

A ampla gama de aplicações reflete a complexa e sistêmica ação dos canabinoides, reforçando a importância de um olhar clínico detalhado para determinar a melhor abordagem para cada caso. A seleção do produto e a titulação da dose são fundamentais para o sucesso terapêutico, exigindo uma compreensão aprofundada da farmacologia dos canabinoides e do perfil clínico de cada paciente. A individualização do tratamento é a chave para otimizar os benefícios e minimizar os riscos.

Conclusão

A cannabis medicinal representa uma ferramenta terapêutica promissora, mas sua utilização segura e eficaz exige uma abordagem clínica precisa. O sucesso do tratamento depende diretamente da compreensão de seu perfil de segurança, da seleção adequada dos canabinoides e da personalização da dose para cada paciente.

Ao adotar a estratégia de terapêuticas, educar os pacientes sobre os possíveis efeitos e monitorar de perto a resposta ao tratamento, os profissionais de saúde podem maximizar os benefícios terapêuticos e minimizar os riscos. A distinção clara entre o uso medicinal, regulamentado e supervisionado, e o uso recreativo, com seus riscos intrínsecos de alta dose e ausência de controle, é fundamental.

A cannabis medicinal, quando prescrita com responsabilidade e conhecimento, representa uma nova fronteira na medicina, oferecendo perspectivas inovadoras para o manejo de diversas patologias. A chave para uma prática clínica de ponta e de alta qualidade reside na constante atualização sobre as evidências científicas mais recentes.

A WeCann Academy é sua parceira nessa jornada de atualização, oferecendo um fonte de conhecimento aprofundado para que você aprimore sua prática clínica e explore o potencial inovador da cannabis medicinal com total segurança e responsabilidade.

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Referências

  1. MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  2. Chesney E, Oliver D, Green A, et al. Adverse effects of cannabidiol: A systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials. Neuropsychopharmacology 2020;45(11):1799–806. doi: 10.1038/s41386-020-0667-2.
  3. Arnold JC, Nation T, McGregor IS. Prescribing medicinal cannabis. Aust Prescr 2020;43(5):152–59. doi: 10.18773/austprescr.2020.052.
  4. Gable RS. Comparison of acute lethal toxicity of commonly abused psychoactive substances. Addiction 2004;99(6):686–96. doi: 10.1111/j.1360-0443.2004.00744.x
  5. Ranganathan M, D’Souza DC. The acute effects of cannabinoids on memory in humans: A review. Psychopharmacology (Berl) 2006;188(4):425–44. doi: 10.1007/s00213-006-0508-y.
  6. Walter C, Oertel BG, Felden L, et al. Effects of oral delta(9)-tetrahydrocannabinol on the cerebral processing of olfactory input in healthy non-addicted subjects. Eur J Clin Pharmacol 2017;73(12):1579–87. doi: 10.1007/s00228-017-2331-2. 
  7. Spindle TR, Zamarripa CA, Russo E, Pollak L, Bigelow G, Ward AM, Tompson B, Sempio C, Shokati T, Klawitter J, Christians U, Vandrey R. Vaporized D-limonene selectively mitigates the acute anxiogenic effects of Δ9-tetrahydrocannabinol in healthy adults who intermittently use cannabis. Drug Alcohol Depend. 2024 Apr 1;257:111267. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2024.111267. Epub 2024 Mar 13. PMID: 38498958; PMCID: PMC11031290.
  8. Radhakrishnan R, Wilkinson ST, D’Souza DC. Gone to pot: A review of the association between cannabis and psychosis. Front Psychiatry 2014;5:54. doi: 10.3389/fpsyt.2014.00054
  9. Schoevers J, Leweke JE, Leweke FM. Cannabidiol as a treatment option for schizophrenia: Recent evidence and current studies. Curr Opin Psychiatry 2020;33(3):185–91. doi: 10.1097/YCO.0000000000000596.
  10. Scott JC, Slomiak ST, Jones JD, Rosen AFG, Moore TM, Gur RC. Association of cannabis with cognitive functioning in adolescents and young adults: A systematic review and meta-analysis. JAMA Psychiatry 2018;75(6):585–95. doi: 10.1001/jamapsychiatry.2018.0335.
  11. Woelfl T, Rohleder C, Mueller JK, et al. Effects of cannabidiol and delta-9-tetrahydrocannabinol on emotion, cognition, and attention: A double-blind, placebo-controlled, randomized experimental trial in healthy volunteers. Front Psychiatry 2020;11:576877. doi: 10.3389/fpsyt.2020.576877.
  12. Leung J, Chan GCK, Hides L, Hall WD. What is the prevalence and risk of cannabis use disorders among people who use cannabis? A systematic review and meta-analysis. Addict Behav 2020;109:106479. doi: 10.1016/j.addbeh.2020.106479.
  13. Babalonis S, Haney M, Malcolm RJ, et al. Oral cannabidiol does not produce a signal for abuse liability in frequent marijuana smokers. Drug Alcohol Depend 2017;172:9–13. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2016.11.030. 
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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