Qual a melhor quimiovariante de cannabis para o seu paciente?

Publicado em 24/06/24 | Atualizado em 16/07/24 Leitura: 9 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoEducação Médica

O uso da cannabis medicinal tem se expandido rapidamente, graças às suas diversas aplicações terapêuticas comprovadas em estudos clínicos. Contudo, escolher a quimiovariante correta para cada paciente é essencial para maximizar os benefícios terapêuticos e minimizar os possíveis efeitos adversos. As quimiovariantes de cannabis são categorizadas com base nos perfis de canabinoides e terpenos, influenciando diretamente seus efeitos terapêuticos. Neste post, vamos explorar detalhadamente as principais quimiovariantes da cannabis e suas aplicações médicas, fornecendo um guia para os profissionais médicos na escolha da melhor opção para seus pacientes.

Principais Quimiovariantes da Cannabis

  • Quimiovariante Tipo I: THC-Dominante
  • Quimiovariante Tipo II: THC/CBD Equilibrado
  • Quimiovariante Tipo III: CBD-Dominante

Quimiovariante Tipo I: THC-Dominante

A quimiovariante Tipo I é caracterizada por uma predominância de THC (tetrahidrocanabinol), o principal componente psicotrópico da cannabis. O THC atua principalmente nos receptores CB1, encontrados em alta densidade no sistema nervoso central, o que explica muitos dos seus efeitos terapêuticos e potenciais efeitos adversos.

Aplicações Terapêuticas:

  • Dor Crônica e neuropática: A quimiovariante Tipo I é caracterizada por sua alta concentração de THC, e o THC é amplamente reconhecido como um potente analgésico, especialmente eficaz no tratamento de dores neuropáticas, que muitas vezes são resistentes a tratamentos convencionais. Estudos clínicos demonstram que o THC exerce efeitos analgésicos significativos ao interagir com receptores CB1 no sistema nervoso central¹. Essa interação regula a transmissão da dor, inibindo neurotransmissores e reduzindo a excitabilidade neuronal, o que resulta em uma marcante redução da dor neuropática. Além disso, o THC também atua nos receptores vaniloides TRPV1, envolvidos na sensibilidade à dor e na regulação da resposta inflamatória, ampliando seus efeitos moduladores sobre a percepção de dor.²
  • Náusea e Vômito: O THC apresenta benefícios significativos para pacientes submetidos a tratamentos oncológicos, em especial quimioterápicos, que frequentemente causam náuseas e vômitos intensos. Ao atuar nos receptores CB1 localizados no tronco encefálico, uma região responsável pelo controle dos reflexos de vômito, o THC reduz esses sintomas de maneira eficaz. Diversos estudos mostram que o THC pode reduzir consideravelmente a ocorrência de náuseas e vômitos em pacientes que passam por quimioterapia, muitas vezes superando a eficácia de antieméticos tradicionais. Pesquisas indicam que o THC apresenta eficácia similar ou superior a outros antieméticos, especialmente quando usado em combinação com agentes como a proclorperazina.³ Desde o final da década de 80 existem medicamentos à base de THC (dronabinol, nabilona) registrados pela FDA para tratamento de náuseas e vômitos associados a quimioterápicos.
  • Distúrbios do Sono: As quimiovariantes ricas em THC são particularmente eficazes no tratamento de distúrbios do sono, como a insônia. O THC, em concentrações mais altas, exerce um papel importante como indutor do sono. Estudos clínicos e pré-clínicos demonstram que o THC impacta significativamente a arquitetura do sono, especialmente a fase REM (Rapid Eye Movement), que é essencial para a consolidação da memória e a saúde emocional. Ao interagir com os receptores CB1 no cérebro, o THC modula a liberação de neurotransmissores que promovem a sonolência.4 Este mecanismo de ação ajuda a reduzir o tempo necessário para adormecer e aumenta a duração do sono profundo, resultando em um sono mais reparador e de melhor qualidade.
  • Síndrome de Tourette e distúrbios distônicos do movimento:
  • Espasticidade muscular:

Quimiovariante Tipo II: THC/CBD Equilibrado

A quimiovariante Tipo II é caracterizada por uma proporção equilibrada de THC e CBD (canabidiol), dois dos principais compostos da cannabis com efeitos terapêuticos distintos. O THC, um componente psicotrópico, atua principalmente nos receptores CB1, como mencionado anteriormente. Por outro lado, o CBD, um composto não psicotrópico, possui propriedades que podem modular os efeitos do THC e interagir com outros sistemas de receptores no corpo, proporcionando uma ampla gama de benefícios terapêuticos adicionais.

Aplicações Terapêuticas:

A quimiovariante Tipo II equilibra THC e CBD, proporcionando efeitos terapêuticos semelhantes às quimiovariantes Tipo I, ao mesmo tempo que minimiza potenciais efeitos adversos do THC. Elas são potencialmente eficazes no alívio da dor crônica, espasticidade, distúrbios distônicos e do movimento, distúrbios do sono, náuseas e vômitos. Além disso, apresentam outros benefícios terapêuticos.

Quimiovariante Tipo III: CBD-Dominante

A quimiovariante Tipo III é caracterizada por uma predominância de CBD em relação ao THC, destacando-se como uma opção terapêutica com foco nas propriedades do CBD. 

Aplicações Terapêuticas:

Com uma concentração predominante de CBD e mínima de THC, quimiovariante Tipo III destaca-se por suas propriedades não psicotrópicas, tornando-se ideal para pacientes que buscam tratamento sem os efeitos psicoativos do THC. É reconhecida por sua eficácia no tratamento de uma variedade de condições médicas, incluindo:

  • Ansiedade e transtornos relacionados: a quimiovariante Tipo III, devido à sua composição predominante em CBD apresenta propriedades ansiolíticas que mitigam os efeitos psicotrópicos do THC, tornando-a uma opção viável para pacientes com transtornos de ansiedade. O canabidiol atua principalmente nos receptores de serotonina, especialmente o receptor 5-HT1A, que desempenha um papel crucial na regulação do humor e da ansiedade.7 A ativação desses receptores pelo CBD induz efeitos ansiolíticos e antidepressivos, ao mesmo tempo em que reduz a atividade da amígdala, uma região cerebral envolvida na modulação de emoções como medo e ansiedade. 
  • Inflamação e condições autoimunes: a quimiovariante Tipo III desempenha um papel fundamental na redução da inflamação, especialmente em condições autoimunes e inflamatórias como artrite reumatoide e doença inflamatória intestinal. O CBD é reconhecido por seus amplos efeitos anti-inflamatórios. Estudos científicos demonstram que o CBD estimula vias anti-inflamatórias que ajudam a diminuir a inflamação e restaurar o equilíbrio imunológico.5 Essas propriedades são particularmente relevantes diante dos desafios e dos efeitos adversos das terapias anti-inflamatórias convencionais, como AINES e corticosteroides.
  • Epilepsia e convulsões refratárias: o CBD oferece uma abordagem promissora no controle das crises epilépticas, especialmente quando os tratamentos convencionais não são eficazes. O CBD é conhecido por sua eficácia no tratamento de formas graves e refratárias de epilepsia, como a síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e Complexo da Esclerose Tuberosa.6 Estudos clínicos rigorosos têm demonstrado consistentemente que o CBD não apenas reduz, mas também pode prevenir as convulsões em outros tipos de epilepsias em pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais, proporcionando uma opção terapêutica segura e eficaz.

Para saber mais sobre os efeitos terapêuticos do canabidiol acesse: Tudo que você precisa saber sobre o Canabidiol: Guia Completo – WeCann Academy

Qual a melhor quimiovariante para o meu paciente?

A seleção da quimiovariante ideal deve ser individualizada, levando em conta uma série de variáveis clínicas e farmacológicas que influenciam a resposta terapêutica à cannabis medicinal.

  • Condição Clínica: A escolha do perfil de canabinoides deve ser guiada pela condição médica específica do paciente. Por exemplo, em pacientes com dor crônica refratária, quimiovariantes ricas em THC podem oferecer um controle analgésico eficaz. Em contraste, para condições como epilepsia, quimiovariantes com predominância de CBD são preferíveis devido ao seu potencial anticonvulsivante e neuroprotetor.
  • Preferências do Paciente: Considerar as preferências individuais do paciente é essencial. Alguns pacientes podem preferir evitar os efeitos psicotrópicos do THC, optando por quimiovariantes com alta concentração de CBD ou outras formulações que incluem canabinoides não psicotrópicos como o CBG. Essa escolha pode ser influenciada por preferências pessoais, necessidades específicas e objetivos terapêuticos do paciente.
  • Interações Medicamentosas: Avaliar cuidadosamente as interações potenciais com outros medicamentos que o paciente está utilizando é fundamental para evitar complicações. A cannabis medicinal pode interagir com diversos fármacos, afetando sua farmacocinética e potencializando ou diminuindo seus efeitos. Uma revisão detalhada das medicações concomitantes é necessária para assegurar a segurança e eficácia do tratamento.

Considerar de maneira integrada esses aspectos é crucial para uma prescrição fundamentada e segura de cannabis medicinal. Isso possibilita a maximização dos benefícios terapêuticos, ao mesmo tempo em que se mitigam os riscos associados, assegurando um cuidado personalizado e eficaz para os pacientes.

Conclusão:

O uso medicinal da cannabis oferece uma gama diversificada de opções terapêuticas, respaldadas por evidências científicas. Contudo, a escolha da quimiovariante ideal para cada paciente depende de vários fatores, tanto clínicos quanto farmacológicos. Como médicos, é essencial estarmos bem preparados para oferecer o melhor cuidado aos nossos pacientes. Nesse contexto, a WeCann, referência internacional de educação na área, oferece suporte valioso nesse processo, partilhando informações e recursos especializados sobre o uso terapêutico da cannabis, baseados em evidências científicas.

Referências: 

  1. Pertwee RG. The diverse CB1 and CB2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids: delta9-tetrahydrocannabinol, cannabidiol and delta9-tetrahydrocannabivarin. Br J Pharmacol. 2008 Jan;153(2):199-215. doi: 10.1038/sj.bjp.0707442. Epub 2007 Sep 10. PMID: 17828291; PMCID: PMC2219532.
  2. De Petrocellis L, Di Marzo V. Non-CB1, non-CB2 receptors for endocannabinoids, plant cannabinoids, and synthetic cannabimimetics: focus on G-protein-coupled receptors and transient receptor potential channels. J Neuroimmune Pharmacol. 2010 Mar;5(1):103-21. doi: 10.1007/s11481-009-9177-z. Epub 2009 Oct 22. PMID: 19847654.
  3. Tramèr MR, Carroll D, Campbell FA, Reynolds DJ, Moore RA, McQuay HJ. Cannabinoids for control of chemotherapy induced nausea and vomiting: quantitative systematic review. BMJ. 2001 Jul 7;323(7303):16-21. doi: 10.1136/bmj.323.7303.16. PMID: 11440936; PMCID: PMC34325.
  4. Nicholson, A. N., Turner, C., Stone, B. M. &Robson, P. J. Effect of Δ-9-Tetrahydrocannabinol andCannabidiol on Nocturnal Sleep and Early-MorningBehavior in Young Adults. J. Clin. Psychopharmacol.24, 305–313 (2004).
  5. Booz GW. Cannabidiol as an emergent therapeutic strategy for lessening the impact of inflammation on oxidative stress. Free Radic Biol Med. 2011 Sep 1;51(5):1054-61. doi: 10.1016/j.freeradbiomed.2011.01.007. Epub 2011 Jan 14. PMID: 21238581; PMCID: PMC3085542.
  6. Devinsky, Orrin, et al. “Trial of cannabidiol for drug-resistant seizures in the Dravet syndrome.” New England Journal of Medicine 376.21 (2017): 2011-2020. DOI: 10.1056/NEJMoa1611618
  7. Papagianni, E. P., & Stevenson, C. W. (2019). Cannabinoid Regulation of Fear and Anxiety: an Update. *Curr Psychiatry Rep*, 21(6), 38. DOI: 10.1007/s11920-019-1026-z.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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