THC: Benefícios e usos medicinais desse componente da cannabis

Publicado em 14/06/24 | Atualizado em 16/07/24 Leitura: 9 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoTetrahidrocanabinol (THC)

A cannabis tem sido utilizada por milhares de anos para fins medicinais, devido à presença de inúmeros compostos terapêuticos na planta, entre eles o canabinoide THC (tetraidrocanabinol). Os canabinoides são compostos químicos encontrados na cannabis que interagem com o sistema endocanabinoide do corpo humano, desempenhando um papel crucial na regulação de várias funções fisiológicas e processos cognitivos. O THC é um dos canabinoides mais conhecidos e estudados, devido aos seus efeitos terapêuticos significativos, que fazem dele um componente valioso no tratamento de uma variedade de condições médicas.

No entanto, a ignorância frequentemente leva ao preconceito, e muitos médicos ainda desconhecem os atributos terapêuticos do THC. Este artigo tem como objetivo explorar os benefícios e aplicações do THC na medicina, embasando-se em evidências científicas e clínicas. Vamos detalhar como o THC pode ser utilizado de forma eficaz e segura no manejo de diversas condições de saúde, contribuindo para uma melhor qualidade de vida dos seus pacientes.

O que é o THC

O Tetrahidrocanabinol (THC), reconhecido como o principal componente psicoativo da cannabis, desempenha um papel crucial na experiência associada ao consumo da planta. Sua estrutura química singular possibilita uma interação direta com os receptores do sistema endocanabinoide no cérebro, atuando primordialmente como um agonista parcial dos receptores canabinoides CB1 e CB2. Além disso, o THC influencia também outros grupos de receptores¹, desencadeando uma variedade de efeitos tanto psicológicos quanto físicos. Essa complexa capacidade de interação confere ao THC uma ampla gama de efeitos terapêuticos, ao mesmo tempo em que é responsável pelos efeitos psicotrópicos observados com o seu uso.

Quais os Benefícios do THC no Organismo?

O THC exerce uma gama diversificada de efeitos benéficos no organismo humano. Além dos efeitos comuns de relaxamento, alteração sensorial e aumento do apetite, suas propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e neuroprotetoras têm implicações terapêuticas significativas. O THC tem sido aplicado no tratamento de várias condições clínicas.

Alívio da dor: 

O Tetraidrocanabinol, componente principal da cannabis, exerce sua ação analgésica através de diversos mecanismos fisiopatológicos complexos. Inicialmente, sua interação com os receptores canabinoides CB1 e CB2 no sistema nervoso central e periférico desempenha um papel fundamental. Os receptores CB1 estão abundantemente expressos em áreas do cérebro associadas à modulação da dor, como o córtex pré-frontal, o núcleo accumbens e a amígdala, enquanto os receptores CB2 estão presentes principalmente em células do sistema imunológico e em células gliais do sistema nervoso central¹.

Ao se ligar com diversos receptores, o THC modula a transmissão nociceptiva por meio de múltiplos mecanismos, ele atua em receptores vaniloides TRPV1, que estão envolvidos na modulação da sensibilidade à dor e na regulação da resposta inflamatória². Sua ativação leva à dessensibilização dos nociceptores e à redução da liberação de substâncias pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e interleucina-1 beta (IL-1β), contribuindo assim para o alívio da dor inflamatória.

Outro mecanismo relevante é a interação do THC com o sistema endocanabinoide para modular a neuroplasticidade e a excitabilidade dos neurônios envolvidos na dor crônica. Por exemplo, estudos em modelos animais sugerem que o THC pode prevenir a hiperalgesia induzida pela lesão nervosa crônica, interferindo na sinalização de longo prazo nos circuitos neurais da dor³. Além disso, os agonistas dos receptores de canabinoides demonstram uma interação sinérgica com os agonistas dos receptores opióides, bem como com os anti-inflamatórios esteroidais, o que sugere a possibilidade de uso combinado para potencializar a eficácia analgésica4.

Essa complexa rede de interações moleculares e neurofisiológicas exemplifica a capacidade do THC em modular a percepção e a transmissão da dor em níveis múltiplos e oferece insights valiosos para sua aplicação clínica no tratamento de diversas condições dolorosas, especialmente aquelas refratárias aos tratamentos convencionais. Dessa forma, o THC desempenha um papel essencial no manejo eficaz da dor crônica, representando uma alternativa terapêutica valiosa para os seus que enfrentam condições dolorosas, muitas vezes incapacitantes.

Tratamento da Náusea e Vômito: 

O enfrentamento da náusea e vômito é uma condição desconfortável para os pacientes, afetando a sua qualidade de vida, especialmente para aqueles que enfrentam o tratamento de quimioterapia, já que os efeitos eméticos dos medicamentos citotóxicos podem ser avassaladores, muitas vezes dificultando a aderência do tratamento oncológico pelos pacientes. É aqui que os canabinoides se destacam, oferecendo uma alternativa eficaz para aliviar esses sintomas, especialmente para aqueles que não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais. 

Estudos sugerem que o efeito antiemético do THC pode ser resultado de sua influência nos terminais colinérgicos do trato gastrointestinal, além da estimulação dos receptores canabinoides CB1 no centro do vômito. Comparativamente, o THC demonstra eficácia igual ou superior a outros antieméticos, especialmente quando combinado com agentes como a proclorperazina5. Essas descobertas destacam o potencial promissor do THC como uma ferramenta valiosa no combate à náusea e vômito associados à quimioterapia, oferecendo alívio e conforto aos pacientes durante um período desafiador de tratamento.

Destaca-se que desde o final da década de 1980, medicamentos à base de THC, como dronabinol e nabilona, foram registrados pela FDA para o tratamento de náuseas e vômitos associados à quimioterapia. Vários estudos demonstraram que os canabinoides sintéticos podem reduzir drasticamente a emese induzida por quimioterápicos. O reconhecimento oficial pela FDA ressalta a eficácia do THC como uma opção terapêutica reconhecida e valiosa para pacientes que não respondem adequadamente aos antieméticos convencionais. 

O papel da medicina endocanabinoide na oncologia
O papel da medicina endocanabinoide na oncologia

A perda de apetite é uma preocupação significativa para pacientes com condições médicas graves, como HIV/AIDS ou câncer, onde a anorexia pode resultar em uma diminuição acentuada do peso corporal e complicações adicionais. Nesse cenário desafiador, o tetraidrocanabinol (THC) surge como uma ferramenta terapêutica valiosa, demonstrando habilidade em estimular o apetite e combater a perda de peso associada a essas doenças debilitantes.

A capacidade do THC de aumentar o apetite é bem documentada e se mostra clinicamente relevante na gestão da anorexia em diversos contextos médicos. Estudos demonstram que o THC pode atuar de maneira eficaz em pacientes com HIV/AIDS, ajudando a mitigar os efeitos da anorexia resultante da doença ao promover a ingestão calórica6. Além disso, pacientes com câncer também se beneficiam das propriedades estimulantes do apetite do THC, o que é crucial para manter a nutrição adequada durante o tratamento oncológico.

Essas descobertas ressaltam a importância do THC não apenas como um estimulante do apetite, mas também como um componente vital na melhoria da qualidade de vida para pacientes que enfrentam desafios relacionados à perda de apetite e anorexia. À medida que continuamos a explorar os benefícios terapêuticos dos canabinoides, o uso do THC pode desempenhar um papel fundamental na promoção da nutrição e no apoio ao bem-estar geral dos pacientes.

Indutor do sono: 

O THC desempenha um papel significativo como indutor do sono, sendo especialmente eficaz no tratamento de distúrbios do sono como a insônia. Estudos clínicos e pré-clínicos têm demonstrado que o THC impacta profundamente a arquitetura do sono, especialmente a fase REM (Rapid Eye Movement), que é crucial para a consolidação da memória e a saúde emocional7. A interação do THC com os receptores CB1 no cérebro modula a liberação de neurotransmissores, que promove a sonolência. Este mecanismo de ação contribui para a redução do tempo necessário para adormecer e aumenta a duração do sono profundo, proporcionando um sono mais reparador.

Pesquisas também mostram que o uso de THC pode reduzir ou até eliminar a dependência de benzodiazepínicos em alguns casos8. Benzodiazepínicos são medicamentos tradicionalmente usados para tratar a insônia, mas possuem um alto potencial de dependência e efeitos colaterais adversos. O THC oferece uma alternativa terapêutica segura e eficaz para o manejo dos distúrbios do sono, melhorando significativamente a qualidade de vida dos pacientes e promovendo um padrão de sono mais saudável.

 Conclusão

As comprovações científicas sobre o uso terapêutico do THC mostram ótimos resultados, posicionando-o como uma alternativa viável às terapias convencionais, que muitas vezes falham e são associadas a diversos efeitos colaterais indesejados. É fundamental que os médicos estejam atualizados sobre essas descobertas e possibilidades para oferecer aos pacientes novas opções de tratamento eficazes e seguras. Nesse contexto, iniciativas como a WeCann desempenham um papel fundamental ao fornecer informações científicas atualizadas e recursos técnicos qualificados para profissionais da área médica. 

Referências: 

  1. Pertwee RG. The diverse CB1 and CB2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids: delta9-tetrahydrocannabinol, cannabidiol and delta9-tetrahydrocannabivarin. Br J Pharmacol. 2008 Jan;153(2):199-215. doi: 10.1038/sj.bjp.0707442. Epub 2007 Sep 10. PMID: 17828291; PMCID: PMC2219532.
  2. De Petrocellis L, Di Marzo V. Non-CB1, non-CB2 receptors for endocannabinoids, plant cannabinoids, and synthetic cannabimimetics: focus on G-protein-coupled receptors and transient receptor potential channels. J Neuroimmune Pharmacol. 2010 Mar;5(1):103-21. doi: 10.1007/s11481-009-9177-z. Epub 2009 Oct 22. PMID: 19847654.
  3. Richardson JD, Kilo S, Hargreaves KM. Cannabinoids reduce hyperalgesia and inflammation via interaction with peripheral CB1 receptors. Pain. 1998 Mar;75(1):111-119. doi: 10.1016/S0304-3959(97)00213-3. PMID: 9539680.
  4. Netzahualcoyotzi-Piedra C, Musoz-Arenas G, Martínez-García I, et al. Maconha e sistema endocanabinóide: dos seus efeitos recreativos à terapêutica. Rev Biomed (em inglês). 2009;20(2):128-153.                    
  5. Tramèr MR, Carroll D, Campbell FA, Reynolds DJ, Moore RA, McQuay HJ. Cannabinoids for control of chemotherapy induced nausea and vomiting: quantitative systematic review. BMJ. 2001 Jul 7;323(7303):16-21. doi: 10.1136/bmj.323.7303.16. PMID: 11440936; PMCID: PMC34325.
  6. Beal JE, Olson R, Laubenstein L, Morales JO, Bellman P, Yangco B, Lefkowitz L, Plasse TF, Shepard KV. Dronabinol as a treatment for anorexia associated with weight loss in patients with AIDS. J Pain Symptom Manage. 1995 Feb;10(2):89-97. doi: 10.1016/0885-3924(94)00117-4. PMID: 7730690.
  7. Nicholson, A. N., Turner, C., Stone, B. M. &Robson, P. J. Effect of Δ-9-Tetrahydrocannabinol andCannabidiol on Nocturnal Sleep and Early-MorningBehavior in Young Adults. J. Clin. Psychopharmacol.24, 305–313 (2004).
  8. Babson KA, Sottile J, Morabito D. Cannabis, Cannabinoids, and Sleep: a Review of the Literature. Curr Psychiatry Rep. 2017 Apr;19(4):23. doi: 10.1007/s11920-017-0775-9. PMID: 28349316.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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