A dermatite atópica (DA), uma doença crônica e inflamatória da pele, afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Caracteriza-se por prurido intenso, inflamação e lesões cutâneas recorrentes, impactando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Embora tratamentos convencionais, como corticosteroides tópicos e imunomoduladores, sejam eficazes, seus efeitos adversos e limitações de uso a longo prazo motivam a busca por alternativas seguras e eficazes.
Nesse contexto, a Cannabis sativa tem ganhado destaque como uma possível alternativa terapêutica, devido aos seus compostos bioativos, como os fitocanabinoides, que possuem propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e antipruriginosas. Neste texto vamos explorar como os fitocanabinoides, incluindo o canabidiol e outros compostos, podem modular o sistema endocanabinoide e reduzir a inflamação e a irritação associadas à dermatite atópica.
Dermatite Atópica
A dermatite atópica é uma doença inflamatória crônica da pele que se caracteriza por disfunção imunológica e comprometimento da barreira cutânea, resultando em inflamação persistente. O prurido é um dos primeiros sintomas e frequentemente precede as lesões visíveis na pele. Apesar de sua apresentação clínica variável, a DA é amplamente reconhecida como uma condição multifatorial, que combina fatores genéticos, imunológicos e ambientais.¹
A fisiopatologia da dermatite atópica envolve uma interação complexa entre disfunções da barreira cutânea e respostas imunológicas exageradas. A pele dos pacientes apresenta alterações estruturais e funcionais, como redução na produção de filagrina, uma proteína essencial para a formação de uma barreira epidérmica eficaz. Esse comprometimento facilita a penetração de alérgenos, irritantes e microrganismos, desencadeando respostas inflamatórias intensas. Adicionalmente, há uma ativação exacerbada do sistema imunológico, predominando a resposta Th2 com produção de citocinas como IL-4, IL-13 e IL-31, que agravam a inflamação, a coceira e a disfunção da barreira.¹
Clinicamente, a dermatite atópica se manifesta como lesões eczematosas acompanhadas de xerose intensa e prurido, que frequentemente levam ao arranhamento e à formação de áreas de pele espessada ou com fissuras. A apresentação clínica pode variar de acordo com a idade do paciente. Em lactentes, as lesões são mais comuns no rosto e nas superfícies extensoras, enquanto em crianças mais velhas e adultos predominam nas áreas flexurais, como dobras de cotovelos e joelhos. Nos casos mais graves, as lesões podem se tornar generalizadas, aumentando o risco de infecção bacteriana secundária, especialmente por Staphylococcus aureus.¹
Embora a dermatite atópica não seja infecciosa, sua etiologia permanece desconhecida, mas há fatores de risco bem estabelecidos. A predisposição genética desempenha um papel significativo, especialmente em pacientes com histórico familiar de DA, asma ou rinite alérgica. Além disso, fatores ambientais, como mudanças climáticas, irritantes tópicos e exposição a alérgenos, podem desencadear ou agravar os sintomas. Outra característica importante é a hiperatividade imunológica, que pode estar associada a alterações na microbiota cutânea, contribuindo para a perpetuação da inflamação.
A dermatite atópica não afeta apenas a pele, o seu impacto emocional pode ser tão debilitante quanto os sintomas físicos. Pacientes frequentemente enfrentam um ciclo desgastante de coceira, insônia e desconforto, que pode levar ao isolamento social, ansiedade e até depressão.
O aspecto visível das lesões cutâneas frequentemente provoca vergonha, especialmente em crianças e adolescentes, tornando-se uma barreira para interações sociais e contribuindo para a baixa autoestima. Esse ciclo emocional é agravado pela natureza crônica e imprevisível da doença, que gera sentimentos de frustração e impotência tanto nos pacientes quanto em seus cuidadores. A abordagem terapêutica eficaz da dermatite atópica deve, portanto, ir além do manejo físico da doença, integrando cuidados que auxiliem no enfrentamento do estresse e na melhoria da qualidade de vida do paciente.
Para saber mais sobre o uso da Cannabis na Depressão acesse: Canabidiol no manejo da Depressão: Potencial terapêutico e evidências científicas – WeCann Academy
O manejo da dermatite atópica é desafiador e deve ser individualizado. A abordagem terapêutica baseia-se em cuidados básicos com a pele, controle da inflamação e prevenção de complicações. O uso de emolientes e hidratantes potentes é essencial para restaurar a barreira cutânea. Em casos de inflamação ativa, corticosteroides tópicos e inibidores de calcineurina são frequentemente utilizados. Em situações mais severas, terapias sistêmicas, como imunossupressores ou medicamentos biológicos, podem ser indicadas. A fototerapia, que utiliza luz ultravioleta para modular a inflamação, também é uma opção em alguns pacientes.¹
Embora os tratamentos convencionais para dermatite atópica ajudem a controlar os sintomas, muitos pacientes enfrentam limitações significativas, como exacerbações periódicas (flare-ups), seguidas por remissões apenas parciais. Além disso, fatores como estresse, alérgenos e mudanças climáticas podem desencadear novos surtos, dificultando o manejo da condição. Diante dessas limitações, as terapias alternativas têm ganhado destaque, incluindo o uso de canabinoides como o canabidiol (CBD). Pesquisas recentes indicam que os fitocanabinoides apresentam propriedades imunomoduladoras e capacidade de fortalecer a barreira cutânea, tornando-se uma abordagem potencialmente eficaz para reduzir a inflamação e aliviar os sintomas da dermatite atópica.
O Sistema Endocanabinoide na Dermatite Atópica
O Sistema Endocanabinoide (SEC) desempenha um papel fundamental na regulação da homeostase da pele, incluindo a modulação da inflamação, cicatrização de feridas, dor e resposta imunológica. Este sistema é composto por receptores canabinoides, seus ligantes endógenos (como a anandamida e o 2-araquidonoilglicerol), e as enzimas responsáveis pela sua síntese e degradação. Os principais receptores canabinoides, CB1 e CB2, estão amplamente distribuídos na pele humana, em diversas células, incluindo queratinócitos, fibroblastos dérmicos, células imunológicas e estruturas anexiais como os folículos pilosos e glândulas sebáceas.²
Estudos demonstram que o SEC na pele tem uma influência crucial na resposta imune, especialmente em condições inflamatórias como a dermatite atópica. A DA é caracterizada por um desequilíbrio na atividade das células T, com um predominância das células Th2, pró-inflamatórias, na fase inicial da doença, e uma transição para células Th1, em casos mais crônicos.³
O SEC está intimamente envolvido no controle da ativação e diferenciação dessas células. A ativação dos receptores CB2 por ligantes canabinoides, como o THC, pode induzir a regulação das células T para um perfil mais anti-inflamatório (Th2), o que pode ser benéfico no controle da inflamação da DA. Além disso, a anandamida, um endocanabinoide, demonstrou reduzir a proliferação de células Th1 e inibir a liberação de citocinas pró-inflamatórias, sugerindo que a modulação do SEC pode ser um alvo terapêutico promissor.³
Além disso, os canais TRPV1, que também são expressos na pele, desempenham um papel importante na percepção da dor e coceira, sintomas frequentemente presentes na dermatite atópica. A ativação desses receptores pode aliviar a dor e o prurido, condições comuns na DA, ao promover a vasodilatação e a modulação da microcirculação na pele. A anandamida, por exemplo, é capaz de ativar o TRPV1, promovendo efeitos analgésicos e anti-inflamatórios que podem ser úteis no manejo clínico da doença.4
Portanto, considerando o papel do SEC na regulação da inflamação, dor, prurido e proliferação celular, a modulação desse sistema pode oferecer uma estratégia terapêutica eficaz no tratamento da dermatite atópica, auxiliando no controle dos sintomas, na melhora da função da barreira cutânea e na redução da progressão da doença.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre o Sistema Endocanabinoide acesse: O que é o Sistema Endocanabinoide?
Evidências científicas
O uso de compostos relacionados ao Sistema Endocanabinoide no tratamento de distúrbios cutâneos, como a dermatite atópica, tem sido investigado desde o início deste século. Diversos estudos clínicos exploraram o impacto de substâncias como o óleo da semente de cânhamo e a palmiletanolamida (PEA), com resultados promissores para o alívio dos sintomas da dermatite atópica, como prurido e inflamação.
Um estudo seminal realizado por Callaway et al. (2005) envolveu 20 indivíduos com dermatite atópica, que foram tratados com óleo da semente de cânhamo por 10 semanas em um ensaio clínico randomizado cruzado, simples-cego. O óleo da semente de cânhamo é particularmente rico em ácidos graxos poli-insaturados (ômega-3 e ômega-6), compostos conhecidos por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Os resultados mostraram melhorias significativas nos sintomas clínicos da dermatite atópica, particularmente em relação à redução da inflamação cutânea e alívio do prurido.5 De forma similar, Ständer et al. (2006) trataram 22 pacientes com prurido com um creme contendo PEA, que induziu uma redução média de 86,4% no prurido, sendo bem tolerado pelos indivíduos.6
Estudos subsequentes também exploraram a eficácia de compostos relacionados ao SEC, como emolientes tópicos contendo PEA e N-acetiletanolamina. Em 2014, Yuan et al. realizaram um estudo envolvendo 60 indivíduos com eczema asteatótico. O tratamento com emolientes contendo essas substâncias, tanto isoladamente quanto em combinação, resultou em melhorias significativas nas funções de barreira da pele, além de alívio dos sintomas de inflamação e secura cutânea. Esses achados sugerem que a modulação do SEC pode ter um efeito benéfico na integridade e função da pele em indivíduos com dermatite atópica.7
Em 2017, Oláh et al. investigaram o uso de cremes contendo alquilamidas derivadas de Echinacea purpurea, que interagem com os receptores canabinoides CB2, conhecidos por suas propriedades anti-inflamatórias. O estudo incluiu 104 pacientes com dermatite atópica e foi realizado em três ensaios clínicos randomizados e duplo-cegos. Os resultados indicaram que o tratamento com extratos de Echinacea purpurea restaurou a barreira lipídica da pele e proporcionou alívio significativo dos sintomas, como prurido e inflamação, com boa tolerabilidade.8
Mais recentemente, em 2022, Gao et al. conduziram um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, para avaliar os efeitos de uma combinação tópica de canabidiol (CBD) e aspartame (JW-100) em 57 pacientes com dermatite atópica. Após duas semanas de tratamento, a grande maioria dos participantes apresentou melhorias estatisticamente significativas em diversas avaliações qualitativas da condição, incluindo redução do prurido e da inflamação cutânea, além de uma melhora geral na qualidade de vida relacionada à saúde da pele.9
Além disso, recentemente, foi aprovado pelo FDA um medicamento contendo PEA para o tratamento da dermatite atópica, demonstrando o reconhecimento e a crescente aplicação terapêutica dos compostos relacionados ao SEC no manejo da inflamação cutânea. Em um estudo piloto com 20 pacientes pediátricos com dermatite atópica, foi avaliada a eficácia e segurança de uma emulsão tópica contendo 2% de adelmidrol, um análogo da PEA. O tratamento, realizado duas vezes ao dia, resultou em uma impressionante redução de 80% na resolução dos sintomas da dermatite, destacando o grande potencial terapêutico dessas formulações.10
Conclusão
O uso de Cannabis sativa, particularmente seus fitocanabinoides e de outros compostos que atuam diretamente do SEC como a palmiletanolamida, mostram-se promissores no tratamento da dermatite atópica, oferecendo uma alternativa segura para pacientes que enfrentam limitações dos tratamentos convencionais. A modulação do sistema endocanabinoide pode ajudar a reduzir a inflamação, melhorar a função da barreira cutânea, aliviar o prurido, melhorando os sintomas que prejudicam a qualidade de vida. Nesse contexto, a WeCann se destaca como um recurso valioso para a comunidade médica, fornecendo apoio fundamental na tomada de decisões terapêuticas baseadas em evidências científicas sólidas.
Através de materiais especializados, como o Tratado de Medicina Endocanabinoide, a instituição capacita os profissionais médicos a entenderem de forma profunda o papel dos canabinoides no tratamento de condições desafiadoras, como a dermatite atópica. Essa abordagem permite que os médicos integrem de maneira responsável e eficaz as terapias com cannabis ao cuidado de seus pacientes, ampliando o arsenal terapêutico disponível para o manejo da inflamação, prurido e comprometimento da barreira cutânea. Com a WeCann, os médicos podem adotar uma abordagem informada e ética, aprimorando os cuidados oferecidos aos pacientes com transtornos crônicos e frequentemente refratários de pele, como a dermatite atópica.
Referências
- National Eczema Association. Atopic dermatitis.
- MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
- Yuan, M. et al. D9-Tetrahyd rocannabinol regulates Th1/Th2 cytokine balance in activated human T cells. J. Neuroimmunol. 8 (2002).
- Iannotti, F. A. et al. Nonpsychotropic Plant Cannabinoids, Cannabidivarin (CBDV) and Cannabidiol (CBD), Activate and Desensitize Transient Receptor Potential Vanilloid 1 (TRPV1) Channels in Vitro: Potential for the Treatment of Neuronal Hyperexcitability. ACS Cbem. Neurosci. ,5, 1131-1141 (2014).
- Callaway,J. et al. Efficacy of dietary hempseed oil in patients with atopic dermatitis.J.Dermatol. Treat. 16, 87-94 (2005).
- Stånder, S., Reinhardt, H. W. & Luger, T. A. Topische Cannabinoidagonisten: Eine effektive. Möglichkeit zur Behandlung yon chronischem neue Pruritus. Hautarzt 57, 801-807 (2006).
- Yuan, C. et al. N-palmitoylethanolamine and N-acetylethanolamine are effective in asteatotic eczema: results of a randomized, double-blind, controlled study in 60 patients. Clin. Interv. Aging 1163 (2014) doi:10.2147/CIA.S65448.
- Oláh, A. et al. Echinacea purpurea-derived alkylamides exhibit potent anti-inflammatory effects and alleviate clinical symptoms of atopic eczema.J. Dermatol. Sci, 88, 67-77 (2017).
- Gao, Y. et al. Novel cannabidiol aspartame combination treatment (JW-100) significantly reduces ISGA score in atopic dermatitis: Results from a randomized double-blinded placebo, controlled interventional study.J.Cosmet.Dermatol 21, 1647-1650 (2022).
- Pulvirenti N, Nasca MR, Micali G. Topical adelmidrol 2% emulsion, a novel aliamide, in the treatment of mild atopic dermatitis in pediatric subjects: a pilot study. Acta Dermatovenerol Croat. 2007;15(2):80-3. PMID: 17631786.