Canabinoides e Câncer: Potenciais propriedades antitumorais

Publicado em 10/07/25 | Atualizado em 10/07/25 Leitura: 19 minutos

CanabinoidesCannabis como MedicamentoOncológicas

O câncer continua sendo uma das doenças mais desafiadoras e complexas da medicina moderna, com tratamentos convencionais como cirurgia, quimioterapia e radioterapia, muitas vezes, apresentando limitações significativas em termos de eficácia e efeitos colaterais. Nos últimos anos, a pesquisa sobre o uso de canabinoides no tratamento do câncer tem ganhado atenção crescente, devido ao seu potencial terapêutico nas abordagens anticâncer. 

Os canabinoides, compostos ativos encontrados na planta Cannabis sativa, interagem com o sistema endocanabinoide do corpo humano e demonstram uma gama de efeitos biológicos, incluindo propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e, mais recentemente, antitumorais. No post de hoje, exploraremos o potencial terapêutico dos canabinoides no tratamento do câncer, com foco em suas propriedades antitumorais.

O Câncer: Uma doença complexa e multidimensional

O câncer é uma doença notoriamente multifacetada, marcada pela proliferação celular descontrolada, que, em muitos casos, leva à invasão dos tecidos circundantes e à metástase – a disseminação das células cancerígenas para outras partes do corpo. Sua complexidade é tamanha que cada tipo de câncer pode apresentar um conjunto único de características moleculares, genéticas e epigenéticas. Estas diferenças tornam o câncer não apenas uma condição difícil de tratar, mas também uma doença imprevisível, que frequentemente se adapta às terapias disponíveis, desafiando os limites dos tratamentos convencionais.

Com mais de 19 milhões de novos casos diagnosticados e aproximadamente 10 milhões de mortes anuais, o câncer representa uma das maiores ameaças à saúde global. Os cânceres mais prevalentes incluem os de pulmão, mama, colorretal, próstata e estômago, cujos tratamentos, embora eficazes em muitas situações, não estão isentos de limitações. Além disso, os fatores que influenciam o desenvolvimento do câncer são diversos, desde a genética até os comportamentos adquiridos ao longo da vida, como o consumo de tabaco, a má alimentação e a exposição a substâncias cancerígenas.¹

A crescente complexidade da doença exige abordagens terapêuticas igualmente sofisticadas e personalizadas. Tradicionalmente, as intervenções incluem cirurgia, quimioterapia, radioterapia, e mais recentemente, terapias imunológicas e direcionadas, que tentam atingir as células cancerígenas de forma mais precisa. Contudo, essas terapias nem sempre são suficientes. A resistência tumoral, os efeitos colaterais debilitantes e a limitação dos tratamentos em certos tipos de câncer ainda representam grandes desafios.

É aqui que surge um campo de grande interesse e possibilidades: o uso de canabinoides, compostos presentes na planta Cannabis sativa. Embora a cannabis tenha sido utilizada ao longo da história para uma variedade de fins terapêuticos, foi apenas nas últimas décadas que os canabinoides começaram a ser estudados mais profundamente em relação ao câncer. O sistema endocanabinoide, que regula funções fisiológicas como crescimento celular, inflamação, apoptose e resposta imune, é considerado um dos principais alvos dos derivados canabinoides. A modulação deste sistema por compostos como o THC e o CBD tem mostrado resultados promissores tanto na prevenção quanto no tratamento de certos tipos de câncer.¹

O câncer é uma doença altamente complexa, caracterizada pela perda do controle fisiológico das células, que passam a se proliferar de forma desregulada, adquirindo maior motilidade, capacidade invasiva e evasão do sistema imunológico. Segundo Douglas Hanahan (2022), as células tumorais desenvolvem múltiplos mecanismos fisiopatológicos que lhes permitem escapar dos controles homeostáticos do organismo, o que torna os tratamentos convencionais frequentemente insuficientes.²

Como a doença é altamente adaptativa, intervenções que atuam em um único mecanismo geralmente não conseguem impedir sua progressão, exigindo abordagens terapêuticas combinadas. Nesse contexto, o sistema endocanabinoide surge como um alvo promissor, uma vez que sua modulação pode interferir em diversas dessas características simultaneamente, oferecendo um potencial terapêutico relevante, especialmente quando associado a outras estratégias antitumorais.²

Versão atualizada das características do câncer de Douglas Hanahan, representando os principais mecanismos fisiopatológicos utilizados pelas células cancerígenas para escapar dos mecanismos homeostáticos e promover a progressāo da doença. Note que, dadas as ações pleiotrópicas e pró- homeostáticas do SEC, os medicamentos à base de cannabis podem ter impacto na maioria dessas características, prejudicando a fisiopatologia do câncer e exercendo potenciais efeitos terapêuticos, especialmente em combinação com outras terapêuticas disponíveis. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Versão atualizada das características do câncer de Douglas Hanahan, representando os principais mecanismos fisiopatológicos utilizados pelas células cancerígenas para escapar dos mecanismos homeostáticos e promover a progressāo da doença. Note que, dadas as ações pleiotrópicas e pró- homeostáticas do SEC, os medicamentos à base de cannabis podem ter impacto na maioria dessas características, prejudicando a fisiopatologia do câncer e exercendo potenciais efeitos terapêuticos, especialmente em combinação com outras terapêuticas disponíveis. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Os canabinoides não apenas demonstraram ter potencial em reduzir o crescimento de células cancerígenas, mas também têm mostrado eficácia na redução de efeitos colaterais dos tratamentos tradicionais, como a dor crônica, náuseas e perda de apetite, proporcionando uma abordagem mais abrangente no cuidado ao paciente. Além disso, o uso de canabinoides em modelos pré-clínicos e ensaios clínicos iniciais sugere que esses compostos podem atuar como agentes antitumorais, interferindo na angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos), inibindo a invasão celular e até mesmo induzindo a morte programada de células cancerígenas.¹

Este potencial terapêutico ainda está sendo explorado, mas as evidências acumuladas indicam que os canabinoides têm um papel importante a desempenhar, tanto como adjuvantes em tratamentos convencionais quanto como terapia primária em algumas situações clínicas. Com o avanço da pesquisa e a maior compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos, os canabinoides podem emergir como uma opção valiosa no arsenal contra o câncer, oferecendo uma alternativa menos invasiva e com menor risco de efeitos adversos.

O Sistema Endocanabinoide e o Câncer

O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel fundamental na regulação de diversos processos fisiológicos, incluindo proliferação celular, apoptose, inflamação e resposta imune – todos eles diretamente envolvidos na progressão do câncer. Esse sistema é composto por receptores canabinoides (CB1 e CB2), endocanabinoides (como a anandamida e o 2-AG) e enzimas responsáveis pela sua síntese e degradação.

O interesse crescente no estudo de canabinoides para o tratamento de câncer deriva principalmente da interação desses compostos com o sistema endocanabinoide, além de sua capacidade de modulação de processos biológicos que favorecem o desenvolvimento e a progressão tumoral.

Estudos demonstram que muitos tipos de câncer apresentam alterações nos níveis, na atividade e na função dos componentes do SEC. Embora a superexpressão dos receptores canabinoides CB1 e CB2 em tumores tenha sido associada a piores prognósticos em alguns casos, é justamente essa característica que torna as células tumorais mais suscetíveis à ação farmacológica dos canabinoides.¹

A ativação desses receptores por fitocanabinoides como o Δ9-THC pode induzir efeitos antineoplásicos por meio de três mecanismos principais: (1) estresse do retículo endoplasmático, levando à interrupção do ciclo celular e à apoptose; (2) inibição da angiogênese, por meio da redução da expressão do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), essencial para a formação de novos vasos sanguíneos; e (3) redução da expressão de metaloproteinases e outras moléculas envolvidas na adesão e migração celular, prejudicando a capacidade metastática do tumor.³

Principais mecanismos moleculares implicados nas ações antiproliferativa, antiangiogênica e antimetastática dos canabinoides, responsáveis pelos efeitos antineoplásicos dos medicamentos à base de cannabis. Abreviações: RE, retículo endoplasmático; VEGF, fator de crescimento endotelial vascular; MMP2, metaloproteinase de matriz 2. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Principais mecanismos moleculares implicados nas ações antiproliferativa, antiangiogênica e antimetastática dos canabinoides, responsáveis pelos efeitos antineoplásicos dos medicamentos à base de cannabis. Abreviações: RE, retículo endoplasmático; VEGF, fator de crescimento endotelial vascular; MMP2, metaloproteinase de matriz 2. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Além do Δ9-THC, o canabidiol (CBD) também apresenta efeitos antitumorais, mas por mecanismos distintos, já que sua ação não depende da ativação dos receptores CB1 e CB2. O CBD interage com receptores como GPR55 e TRPV1, modulando vias intracelulares envolvidas na regulação do ciclo celular e na indução de apoptose em células cancerígenas. Isso sugere que os diferentes fitocanabinoides podem exercer efeitos complementares no combate ao câncer, o que abre possibilidades terapêuticas promissoras para formulações combinadas.4

Principais cascatas de sinalização intracelular evocadas por canabinoides não psicotrópicos como CBD. Em vez de ativar os receptores canabinoides clássicos CB1/CB2, o CBD interage com outros receptores, como o GPR55 ou TRPV1, cuja modulação converge para a interrupção do ciclo celular, prejudicando a proliferaçāo de células cancerígenas, ou para a indução de apoptose e, morte de células tumorais, entre outros mecanismos. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Principais cascatas de sinalização intracelular evocadas por canabinoides não psicotrópicos como CBD. Em vez de ativar os receptores canabinoides clássicos CB1/CB2, o CBD interage com outros receptores, como o GPR55 ou TRPV1, cuja modulação converge para a interrupção do ciclo celular, prejudicando a proliferaçāo de células cancerígenas, ou para a indução de apoptose e, morte de células tumorais, entre outros mecanismos. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

O microambiente tumoral (tumor microenvironment, TME) desempenha um papel crítico na progressão do câncer, fornecendo suporte metabólico e favorecendo a evasão imunológica das células malignas. Esse complexo ecossistema celular, que inclui fibroblastos, células do sistema imunológico e vasos sanguíneos, cria condições propícias para a proliferação, invasão e metástase do tumor.5 

O sistema endocanabinoide está amplamente expresso nesse microambiente, regulando diversos processos celulares. Estudos indicam que a modulação do SEC por medicamentos à base de cannabis pode influenciar a interação entre células tumorais e o sistema imunológico, potencialmente revertendo a imunossupressão induzida pelo tumor e alterando a dinâmica do TME.5

As evidências crescentes sobre o papel do sistema endocanabinoide no câncer destacam seu potencial como alvo terapêutico para o desenvolvimento de novas abordagens no tratamento oncológico. A capacidade dos canabinoides de modular processos fundamentais na progressão tumoral, sugere que esses compostos podem atuar de forma complementar às terapias convencionais. Além disso, a influência do SEC no microambiente tumoral reforça a relevância da modulação desse sistema na busca por estratégias que favoreçam a resposta imune antitumoral.

Efeito anticancerígeno dos canabinoides

O potencial anticancerígeno dos canabinoides têm sido objeto de extensa pesquisa desde a década de 1970, quando os primeiros estudos demonstraram que compostos como Δ9-THC, Δ8-THC e canabinol eram capazes de inibir o crescimento de adenocarcinoma pulmonar em modelos murinos. No entanto, foi somente após a descoberta dos receptores canabinoides CB1 e CB2 que se estabeleceu uma base mais sólida para investigar os mecanismos moleculares pelos quais essas substâncias poderiam modular a progressão tumoral.6

Estudos subsequentes mostraram que a ativação dos receptores canabinoides pode induzir a regressão de gliomas malignos, um tipo agressivo de câncer cerebral. A administração intratumoral de Δ9-THC e do agonista sintético WIN 55,212-2 resultou em redução significativa desse tumor em modelos animais. Além disso, a seletividade dos receptores CB2 como alvo terapêutico foi reforçada com a observação de que o agonista JWH-133 também apresenta efeitos antitumorais em células de glioma.7,8

Mecanismos de efeitos antiproliferativos, pró-apoptóticos e pró-autofágicos dos canabinoides nas células cancerígenas. As setas pretas que emanam do canabinoide mostram as respectivas estruturas ou níveis modulados. As setas coloridas indicam efeitos inibitórios (vermelhos) e estimulatórios (azuis) dos canabinoides nos alvos indicados. Setas tracejadas azuis indicam estimulação reduzida do respectivo efeito pelo tratamento com canabinoides. As setas cinzas indicam uma mudança em um parâmetro. A seta tracejada preta indica uma relação funcional entre autofagia e apoptose. Fonte: Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4
Mecanismos de efeitos antiproliferativos, pró-apoptóticos e pró-autofágicos dos canabinoides nas células cancerígenas. As setas pretas que emanam do canabinoide mostram as respectivas estruturas ou níveis modulados. As setas coloridas indicam efeitos inibitórios (vermelhos) e estimulatórios (azuis) dos canabinoides nos alvos indicados. Setas tracejadas azuis indicam estimulação reduzida do respectivo efeito pelo tratamento com canabinoides. As setas cinzas indicam uma mudança em um parâmetro. A seta tracejada preta indica uma relação funcional entre autofagia e apoptose. Fonte: Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4

Além do uso direto de canabinoides exógenos, novas abordagens terapêuticas têm explorado a modulação da degradação dos endocanabinoides. A inibição da monoacilglicerol lipase (MAGL), uma enzima responsável pela degradação do 2-AG, demonstrou reduzir a invasão e a metástase em modelos de câncer de próstata e pulmão. O efeito parece estar relacionado ao aumento da ativação de CB1 e à redução de ácidos graxos livres pró-tumorigênicos. No entanto, achados mais recentes sugerem que a inibição da MAGL pode, em alguns contextos, favorecer a progressão tumoral, levantando a hipótese de que essa enzima possa atuar como um supressor ou promotor do câncer dependendo do tipo de tecido envolvido.9

Outro alvo promissor é a enzima FAAH (hidrolase de amida de ácido graxo), responsável pela degradação da anandamida. Estudos indicam que a inibição da FAAH pode ter efeitos antiproliferativos, anti-invasivos e antimetastáticos, o que sugere um papel terapêutico potencial na modulação do sistema endocanabinoide no câncer.9

Mecanismos de efeitos anti-invasivos, antimetastáticos, anti-epiteliais para mesenquimais e anti-angiogênicos dos canabinoides nas células cancerígenas. As setas pretas que emanam do canabinoide mostram as respectivas estruturas ou níveis modulados. As setas coloridas indicam os efeitos inibitórios (vermelhos) e estimulatórios (azul) dos canabinoides em alvos envolvidos na invasão/metástase de células cancerígenas, angiogênese e transição epitelial para mesenquimal. Setas tracejadas azuis indicam estimulação reduzida de cada efeito pelo tratamento com canabinoides. Linhas pretas com círculos em ambas as extremidades indicam a formação de ligação e dímero entre os respectivos parâmetros. A seta tracejada preta indica a relação funcional entre a transição epitelial para mesenquimal e a invasão/metástase. Fonte: Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4
Mecanismos de efeitos anti-invasivos, antimetastáticos, anti-epiteliais para mesenquimais e anti-angiogênicos dos canabinoides nas células cancerígenas. As setas pretas que emanam do canabinoide mostram as respectivas estruturas ou níveis modulados. As setas coloridas indicam os efeitos inibitórios (vermelhos) e estimulatórios (azul) dos canabinoides em alvos envolvidos na invasão/metástase de células cancerígenas, angiogênese e transição epitelial para mesenquimal. Setas tracejadas azuis indicam estimulação reduzida de cada efeito pelo tratamento com canabinoides. Linhas pretas com círculos em ambas as extremidades indicam a formação de ligação e dímero entre os respectivos parâmetros. A seta tracejada preta indica a relação funcional entre a transição epitelial para mesenquimal e a invasão/metástase. Fonte: Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4

Além dos fitocanabinoides clássicos, outros compostos presentes na Cannabis sativa também demonstram atividade antitumoral. O sesquiterpeno β-cariofileno, um agonista seletivo de CB2, mostrou efeitos antiproliferativos e pró-apoptóticos em diversas linhagens celulares tumorais. Além disso, estudos sugerem que o β-cariofileno pode potencializar os efeitos de quimioterápicos convencionais, como a doxorrubicina e o sorafenibe, ampliando seu potencial terapêutico.9

Os canabinoides exercem efeitos imunomoduladores relevantes no microambiente tumoral, impactando diretamente a progressão do câncer. O THC altera a expressão gênica de subpopulações de células imunes, enquanto o CBD e o THC inibem vias pró-tumorais, como a ativada por Kras, reduzindo a expressão de PD-L1 e potencializando o bloqueio do checkpoint imunológico em células de câncer de pâncreas. 

Além disso, agonistas dos receptores CB1 e CB2 inibem a produção de fatores pró-angiogênicos por neutrófilos, reduzindo a vascularização tumoral. O endocanabinoide 2-AG modula células dendríticas, promovendo um perfil inflamatório, mas também estimula células imunossupressoras no baço e no tecido tumoral, resultando, no entanto, em regressão tumoral global. 

A inibição da degradação da anandamida melhora a imunidade antitumoral ao preservar proteínas MICA/B, cruciais para a ativação de linfócitos citotóxicos. Contudo, algumas evidências apontam que o THC pode favorecer a progressão do câncer de mama ao promover respostas imunes Th2 e reduzir a imunogenicidade tumoral. Além disso, a ativação de CB2 pode induzir a polarização de macrófagos para o fenótipo M2, associado à angiogênese tumoral, sugerindo que os efeitos imunomoduladores dos canabinoides variam conforme o tipo de tumor e o contexto imunológico.

Efeitos dos compostos canabinoides na interação tumor-imune. As setas verdes indicam o local de ação específico dos canabinoides indicados. Linhas pretas com círculos no final indicam interações com o receptor. As setas pretas indicam uma consequência funcional ou regulatória do tratamento com canabinoides. A indicação "CB1/CB2" significa que as substâncias listadas aqui atuam através de ambos os receptores canabinoides. Fonte: Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4
Efeitos dos compostos canabinoides na interação tumor-imune. As setas verdes indicam o local de ação específico dos canabinoides indicados. Linhas pretas com círculos no final indicam interações com o receptor. As setas pretas indicam uma consequência funcional ou regulatória do tratamento com canabinoides. A indicação “CB1/CB2” significa que as substâncias listadas aqui atuam através de ambos os receptores canabinoides. Fonte: Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4

Evidências Científicas

Em relação à pesquisa clínica, o primeiro ensaio que avaliou a eficácia antitumoral de um medicamento à base de cannabis foi um estudo piloto conduzido por Guzmán et al. (2006), no qual nove pacientes com glioblastoma multiforme recorrente receberam administração peritumoral intracraniana de Δ⁹-THC. Embora o tratamento tenha se mostrado seguro e sem efeitos psicotrópicos relevantes, o pequeno número de participantes e o tempo reduzido de acompanhamento impediram conclusões definitivas sobre a eficácia antineoplásica.10

Dados observacionais mais recentes corroboram o potencial terapêutico dos canabinoides no câncer. Um estudo conduzido por Kenyon et al. (2018), analisou dados coletados rotineiramente de 119 pacientes com câncer como parte de um programa de cannabis medicinal durante um período de 4 anos. Esses dados demonstraram respostas clínicas favoráveis em 92% dos indivíduos com tumores sólidos tratados com CBD de grau farmacêutico. Os achados incluíram redução na carga de células tumorais circulantes e diminuição no tamanho tumoral, sem relato de efeitos adversos significativos.11

Pesquisas mais avançadas incluíram ensaios clínicos intervencionistas. Likar et al. (2021) administraram CBD (400 a 600 mg/dia, via oral) a 15 pacientes com glioblastoma multiforme em associação ao tratamento convencional (ressecção tumoral seguida de radioquimioterapia). Os resultados demonstraram taxas de sobrevida superiores às relatadas na literatura, com 46,7% dos pacientes vivos após 24 meses e 26,7% sobrevivendo por pelo menos 36 meses.12

No mesmo ano, Twelves et al. publicaram os achados de um ensaio clínico randomizado e duplo-cego que avaliou a combinação de nabiximols (Δ⁹-THC + CBD) e temozolomida em pacientes com glioblastoma multiforme de primeira recorrência. O grupo que recebeu nabiximols apresentou uma taxa de sobrevida em um ano de 83%, em comparação com 44% no grupo placebo, sem interações significativas com a farmacocinética da temozolomida.13

Mais recentemente, Myint et al. (2023) conduziram um estudo aberto em 21 pacientes com câncer de próstata bioquimicamente recorrente, nos quais o CBD (600–800 mg/dia, por 90 dias) foi bem tolerado, apresentando apenas efeitos adversos leves, como diarreia, náusea e fadiga. Ao final da intervenção, 88% dos participantes mantiveram estabilidade bioquímica da doença, 5% apresentaram resposta parcial e outros 5% evidenciaram progressão dos níveis séricos de PSA.14

Conclusão

Em suma, os canabinoides representam uma abordagem terapêutica promissora no contexto oncológico, atuando em múltiplos alvos moleculares envolvidos na progressão tumoral. Evidências indicam que esses compostos exercem efeitos antitumorais por meio da indução de apoptose, inibição da angiogênese e modulação do microambiente tumoral, o que pode complementar as terapias convencionais e ampliar as estratégias no combate ao câncer. 

Além disso, os canabinoides demonstram potencial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes ao atenuar efeitos adversos de tratamentos como quimioterapia e radioterapia, incluindo náuseas, dor e caquexia. 

Saiba mais como os canabinoides podem auxiliar nos sintomas associados ao câncer e aos seu tratamento aqui: Canabinoides como auxílio nos Cuidados Paliativos

Embora os estudos ainda estejam em fases iniciais, os resultados preliminares são encorajadores, reforçando a necessidade de pesquisas adicionais e ensaios clínicos robustos para elucidar o seu potencial terapêutico no contexto oncológico. Nesse contexto, é fundamental que os médicos se mantenham atualizados sobre os avanços no uso terapêutico dos canabinoides no tratamento do câncer, garantindo uma abordagem segura, embasada e eficaz para seus pacientes. O Tratado de Medicina Endocanabinoide é uma referência essencial para compreender os mecanismos de ação, indicações clínicas e evidências científicas sobre os canabinoides, fornecendo o embasamento necessário para sua aplicação clínica segura e eficaz. 

A WeCann, comprometida com a disseminação de conhecimento de excelência, oferece conteúdos técnicos fundamentados em evidências científicas, auxiliando a comunidade médica na incorporação segura, ética e responsável dos derivados canabinoides à prática clínica. 

Referências

  1. MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  2. Hanahan, D. Hallmarks of Cancer: New Dimensions. Cancer Discov. 12, 31-46 (2022).
  3. Velasco, G., Sánchez, C. & Guzmán, M. Towards the use of cannabinoids as antitumour agents. Nat. Rev. Cancer 12, 436-444 (2012).
  4. Mangal, N. et al. Cannabinoids in the landscape of cancer.J.Cancer Res. Clin. Oncol., 147, 2507-2534 (2021).
  5. Bakshi, H. A. et al. Therapeutic Potential of Cannabinoids on Tumor Microenvironment: A Molecular Switch in Neoplasia Transformation Integr: Cancer Ther. 21, 153473542210967 (2022).
  6. Munson AE, Harris LS, Friedman MA, Dewey WL, Carchman RA. Antineoplastic activity of cannabinoids. J Natl Cancer Inst. 1975;55:597–602.
  7. Galve-Roperh I, Sánchez C, Cortés ML, Gómez del Pulgar T, Izquierdo M, Guzmán M. Anti-tumoural action of cannabinoids, involvement of sustained ceramide accumulation and extracellular signal-regulated kinase activation. Nat Med. 2000;6:313–9.
  8. Sánchez C, de Ceballos ML, Gomez del Pulgar T, Rueda D, Corbacho C, Velasco G, et al. Inhibition of glioma growth in vivo by selective activation of the CB2 cannabinoid receptor. Cancer Res. 2001;61:5784–9.
  9. Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer 127, 1–13 (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4
  10. Guzmán, M. et al. A pilot clinical study of A9. tetrahydrocannabinol in patients with recurrent glioblastoma multiforme. Br: J. Cancer-95, 197-203 (2006).
  11. Kenyon, J., Liu, W. & Dalgleish, A. Report of Objective Clinical Responses of Cancer Patients to Pharmaceutical-grade Synthetic Cannabidiol. Anticancer Res. 38, 5831-5835 (2018).
  12. Likar, R., Koestenberger, M., Stutschnig, M. & Nahler, G. Cannabidiol May Prolong Survival in Patients With Glioblastoma Multiforme. Cancer Diagn. Progn. 1,77-82 (2021).
  13. Twelves, C. et al. A phase 1b randomised, placebocontrolled trial of nabiximols cannabinoid oromucosal spray with temozolomide in patients with recurrent glioblastoma Br.J.Cancer 124, 1379-1387 (2021).
  14. Myint, Z. W. et al. A Phase I Dose Escalation and Expansion Study of Epidiolex (Cannabidiol) in Patients with Biochemically Recurrent Prostate Cancer. Cancers 15, 2505 (2023).
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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