Anandamida: O neurotransmissor da felicidade e sua relação com o canabidiol

Publicado em 06/06/24 | Atualizado em 27/06/24 Leitura: 7 minutos

Sistema Endocanabinoide

A anandamida, muitas vezes apelidada de “neurotransmissor da felicidade”, desempenha um papel essencial no sistema endocanabinoide, uma rede complexa de comunicação celular presente em todo o organismo humano. Descoberta há menos de três décadas, essa molécula endógena é fundamental na regulação de uma ampla gama de processos fisiológicos e psicológicos, desde a modulação do humor até a sensibilidade à dor.

O sistema endocanabinoide, no qual a anandamida figura como componente central, foi identificado como um dos sistemas fisiológicos mais abrangentes e influentes do corpo humano, exercendo influência em processos tão diversos quanto inflamação, resposta ao estresse, regulação do apetite e consolidação da memória. Compreender a interação entre a anandamida e o sistema endocanabinoide é de suma importância para desvendar os mecanismos subjacentes a uma variedade de condições de saúde e explorar novas estratégias terapêuticas.

O que é a Anandamida e como ela atua no sistema nervoso?

A anandamida, também conhecida como N-araquidonoiletanolamina (AEA), é um neurotransmissor endógeno essencial para o bom funcionamento do sistema endocanabinoide e para a manutenção da homeostase no corpo humano. Descoberta em 1992¹, seu nome deriva da palavra em sânscrito “ananda”, que significa alegria, êxtase, felicidade suprema. A anandamida se liga aos receptores CB1 e CB2, predominando no sistema nervoso central e periférico, respectivamente.

A nomenclatura dos receptores canabinoides foi estabelecida após a identificação de fitocanabinoides, como o Δ9-tetrahidrocanabinol (THC), e a descoberta de endocanabinoides, como a anandamida. O receptor CB1 foi inicialmente identificado em 1988², e o receptor CB2 foi clonado em 1993³.

Qual a função da Anandamida?

A anandamida é uma molécula mensageira que participa de várias atividades corporais, como apetite, memória, dor, depressão e fertilidade. Estudos indicam que ela pode influenciar a produção e a quebra de conexões de curto prazo entre células nervosas, impactando a memória e a aprendizagem4. Além disso, a anandamida, ao se ligar com os receptores CB1 e CB2, ativa diversas reações no organismo. 

A anandamida tem propriedades neuroprotetoras, auxiliando na regulação da comunicação neuronal e na proteção contra danos cerebrais. Sua capacidade de modular a neurotransmissão é fundamental para a manutenção do equilíbrio em diversas funções cognitivas e emocionais.

Como o corpo produz Anandamida?

A anandamida é produzida nas áreas do cérebro importantes para memória, processamento do pensamento e controle do movimento. Sua produção ocorre através do metabolismo não oxidativo do ácido araquidônico, um ácido graxo ômega-6. A enzima responsável por sua síntese é a fosfolipase D, que atua na clivagem de um fosfolipídio da membrana celular para liberar a anandamida .

A biossíntese da anandamida é um processo dinâmico e regulado por vários fatores, incluindo estímulos ambientais, estresse e atividade neural. A regulação fina desse sistema é essencial para manter a homeostase no organismo.

Como ativar os receptores canabinoides?

Os receptores canabinoides podem ser ativados por endocanabinoides (como a anandamida), fitocanabinoides (como o THC e o CBD) e canabinoides sintéticos. O THC se liga aos receptores CB1 e CB2, mimetizando a ação da anandamida. O CBD, por sua vez, modula a ação da anandamida e do THC, aumentando os níveis de anandamida ao inibir a enzima FAAH que a degrada e atuando como um modulador alostérico negativo dos receptores canabinoides. Outras formas de aumentar a anandamida5 incluem exercícios físicos, consumo de chocolate amargo e ingestão de ácidos graxos ômega-3.

anandamida 1
Fontes e alvos dos canabinoides

A ativação dos receptores canabinoides desencadeia uma variedade de efeitos fisiológicos, incluindo modulação da neurotransmissão, controle da inflamação, regulação do humor e da resposta ao estresse. Essa capacidade de influenciar múltiplos sistemas biológicos torna os canabinoides alvos promissores para o desenvolvimento de novas terapias medicamentosas.

Quem descobriu a Anandamida?

A anandamida foi isolada e descrita pela primeira vez em 1992 pelos pesquisadores Lumír Ondřej Hanuš e William Anthony Devane no laboratório do professor Raphael Mechoulam na Universidade Hebraica de Jerusalém6. Mechoulam, anteriormente, havia isolado e identificado os compostos THC e CBD na Cannabis, juntamente com outros pesquisadores.

A descoberta da anandamida abriu novas perspectivas na compreensão do sistema endocanabinoide e seus efeitos sobre a fisiologia e a saúde humana. Desde então, pesquisadores em todo o mundo têm investigado as propriedades terapêuticas dos endocanabinoides e seu potencial para o tratamento de uma ampla gama de condições médicas.

Por que temos Receptores de Canabinoides?

Os receptores de canabinoides fazem parte do sistema endocanabinoide, um sistema de comunicação e sinalização intercelular essencial para o equilíbrio das mais diversas funções do corpo humano. Os receptores canabinoides são fundamentais para regular processos como dor, inflamação, termorregulação, controle muscular, metabolismo, qualidade do sono, resposta ao estresse, humor, memória, entre outros. A ampla distribuição desses receptores em várias regiões do corpo sugere que o sistema endocanabinoide desempenha um papel central na manutenção da homeostase.

Semelhanças entre a Anandamida e os Canabinoides

Raphael Mechoulam revelou em 1992 que o THC é o fitocanabinoide análogo ao endocanabinoide anandamida. Ambos se ligam aos receptores CB1 e CB2, apresentando efeitos similares no corpo humano, como alívio da dor, relaxamento muscular e estimulação do apetite. Embora o THC seja mais potente e permaneça ativo por mais tempo, a estrutura molecular do THC é muito similar à da anandamida, o que permite a sua ligação e estímulo aos mesmos receptores.

Conclusão

A anandamida desempenha um papel fundamental na regulação de várias funções fisiológicas e emocionais no corpo humano, através da ativação dos receptores canabinoides. Sua descoberta revolucionou nossa compreensão do sistema endocanabinoide e abriu novas perspectivas para o desenvolvimento de terapias medicamentosas baseadas em canabinoides. A pesquisa contínua sobre a anandamida e seu papel na saúde e na doença pode levar a avanços significativos no tratamento de condições médicas complexas e na promoção do bem-estar geral.

Referências

  1. Hanus, L., Abu-Lafi, S., Fride, E., Breuer, A., Vogel, Z., Shalev, D. E., … & Mechoulam, R. (2001). 2-Arachidonyl glyceryl ether, an endogenous agonist of the cannabinoid CB1 receptor. Proceedings of the National Academy of Sciences, 98(7), 3662-3665.
  2. Herkenham M, Lynn AB, Johnson MR, Melvin LS, de Costa BR, Rice KC. Characterization and localization of cannabinoid receptors in rat brain: a quantitative in vitro autoradiographic study. J Neurosci. 1991;11(2):563-83. PMID: 1992016. 
  3. Munro S, Thomas KL, Abu-Shaar M. Molecular characterization of a peripheral receptor for cannabinoids. Nature. 1993;365(6441):61-5. doi: 10.1038/365061a0. PMID: 7689702.
  4. Marsicano G, Wotjak CT, Azad SC, Bisogno T, Rammes G, Cascio MG, Hermann H, Tang J, Hofmann C, Zieglgänsberger W, Di Marzo V, Lutz B. The endogenous cannabinoid system controls extinction of aversive memories. Nature. 2002;418(6897):530-4. doi: 10.1038/nature00839. PMID: 12152079.
  5. Hillard, C. J. (2018). Circulating endocannabinoids: From whence do they come and where are they going?. *Neuropsychopharmacology*, *43*(1), 155–172. https://doi.org/10.1038/npp.2017.130
  6. Devane WA, Hanus L, Breuer A, Pertwee RG, Stevenson LA, Griffin G, Gibson D, Mandelbaum A, Etinger A, Mechoulam R. Isolation and structure of a brain constituent that binds to the cannabinoid receptor. Science. 1992 Dec 18;258(5090):1946-9. doi: 10.1126/science.1470919. PMID: 1470919.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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