Caso Clínico: Depressão e Ideação Suicida em paciente com câncer

Publicado em 30/08/25 | Atualizado em 01/09/25 Leitura: 10 minutos

caso clínicoPsiquiátricas

Identificação

Paciente do sexo feminino, 33 anos. Queixa Principal: “Perda da vontade de viver”.

Apresentação do Caso Clínico

A paciente, uma mulher de 33 anos com histórico ocupacional como policial militar, foi admitida para acompanhamento em cuidados paliativos após o diagnóstico de osteocondroma agressivo que acometia a pelve esquerda. Em 2023, foi submetida a uma hemipelvectomia interna, um procedimento cirúrgico radical que resultou na remoção de grande parte dos ossos do quadril esquerdo. O pós-operatório imediato e o curso da reabilitação foram marcados por limitações funcionais significativas, como dificuldade de deambulação e de se manter em sedestação prolongada.

Apesar da terapia adjuvante com quimioterapia, a doença recidivou localmente e evoluiu com metástases em outros órgãos em meados de 2023. Diante da progressão da doença e da ausência de opções de tratamento curativo, a paciente foi encaminhada e aceita para acompanhamento exclusivo em cuidados paliativos.

O quadro clínico oncológico era agravado por um complexo cenário psicossocial. A paciente morava com a mãe e, desde o início da doença, apresentou um grande isolamento social, perdendo vínculos com amigos e familiares, e mantendo apenas a mãe, a avó e o cachorro como laços afetivos significativos. Ela relatou uma intensa frustração por ter buscado diversos tratamentos alternativos (práticas integrativas, fitoterapia, quiropraxia) sem sucesso em impedir a progressão da doença. 

Com a deterioração de seu quadro de saúde, ela perdeu a fé que mantinha em uma igreja evangélica que frequentava, afirmando se sentir “abandonada por Deus”. Ela falava abertamente sobre a morte e manifestava o sentimento de ter seu corpo “perdido” para a doença.

Clinicamente, a paciente apresentava um diagnóstico de Depressão Maior com Ideação Suicida, além de uma dor crônica de difícil manejo e profunda angústia existencial. Sua história psicofarmacológica incluía o uso prévio de Venlafaxina, Morfina, Amitriptilina e Gabapentina, evidenciando a refratariedade de seus sintomas a abordagens terapêuticas convencionais.

Paciente com humor deprimido e quadro de dor crônica
Paciente com humor deprimido e quadro de dor crônica

Exame físico e do estado mental

Exame físico geral:

  • Sinais Vitais: Pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória e temperatura corporal dentro dos parâmetros de normalidade.
  • Aparelho Cardiovascular: Bulhas rítmicas e normofonéticas, sem sopros audíveis.
  • Aparelho Respiratório: Tórax simétrico, com murmúrio vesicular presente bilateralmente, sem ruídos adventícios.
  • Abdomen: Plano, flácido, indolor à palpação, com ruídos hidroaéreos presentes.

O exame físico segmentar evidencia limitações funcionais significativas, como dificuldade de deambulação e de se manter em sedestação prolongada, em decorrência da hemipelvectomia interna. Não há outros achados relevantes além daqueles relacionados à sua condição oncológica e ao quadro de dor crônica.

Exame do Estado Mental:

Atenção: A atenção está reduzida, com a paciente apresentando dificuldade em manter o foco durante a entrevista, demonstrando lentidão para responder e necessidade de repetição das perguntas.

Sensopercepção: Não foram detectadas alterações sensoperceptivas, como alucinações auditivas, visuais ou táteis.

Memória: Preservada. A paciente consegue evocar eventos recentes e remotos de sua vida com detalhes.

Orientação: Preservada autopsiquicamente (em relação a si mesma) e alopsiquicamente (em relação ao tempo e espaço).

Consciência: Límpida. A paciente está lúcida, acordada e com plena percepção de si mesma e do ambiente.

Pensamento:

  • Curso: Lentificado, com bradipsiquia, e discurso monótono.
  • Conteúdo: Prevalece o tema de desesperança, desamparo e desvalorização da vida. A paciente verbaliza ideação suicida ativa, com um histórico recente de tentativa por overdose, mas nega planos imediatos.

Linguagem: O discurso é lento, de volume baixo e com pausas prolongadas. A articulação e o vocabulário estão preservados.

Inteligência: O nível de inteligência se demonstra compatível com seu grau de escolaridade e histórico profissional, não foi testado formalmente.

Afeto: 

  • Humor: Relatado como “tristeza profunda e vazio existencial”.
  • Afeto: Restrito e com pouca modulação, incongruente com o conteúdo da fala em alguns momentos.

Conduta: Ritmo psicomotor lentificado (bradipsiquismo). O contato visual é difícil e o comportamento geral é apático e introspectivo.

 

Paciente com humor deprimido durante consulta médica
Paciente com humor deprimido durante consulta médica

Lista de problemas:

  • P1 – Depressão Maior
  • P2 – Ideação Suicida Ativa
  • P3 – Osteocondroma com Metástases
  • P4 – Limitações Físicas
  • P5 – Dor Crônica 

Tratamento

Proposta Terapêutica Inicial

Diante do quadro de refratariedade e da tentativa de autoextermínio, foi adotada uma estratégia terapêutica intensiva e multidisciplinar, combinando farmacologia de ponta com suporte psicossocial contínuo. A abordagem visava não apenas o controle sintomático, mas também a ressignificação da experiência de vida e o alívio do sofrimento existencial.

A equipe era composta por profissionais de Cuidados Paliativos, Psiquiatria, Psicologia Hospitalar e Equipe de Dor, que atuaram de forma coordenada. O pilar central do tratamento foi a Terapia Assistida por Cetamina (PAC), um protocolo inovador para pacientes com depressão resistente, especialmente em contextos de doenças terminais.

Abordagem Farmacológica: Protocolo de Terapia Assistida por Cetamina

O tratamento medicamentoso consistiu em uma intervenção com cetamina, administrada em um ambiente controlado e terapêutico (o setting), conforme um protocolo de doses crescente. O objetivo era induzir um estado de consciência alterado que pudesse facilitar a introspecção e o trabalho psicoterapêutico.

  1. Sessão de Preparação: Antes da primeira infusão, a paciente passou por uma sessão de preparação com o terapeuta. O foco foi em estabelecer um vínculo de confiança, explorar memórias e figuras de afeto (viagens, o cachorro), e discutir as expectativas e o potencial terapêutico da experiência.
  2. Primeira Sessão de Infusão:
    • Medicação: Cetamina, via intravenosa (IV).
    • Posologia: 0,5 mg/kg, infundida ao longo de 40 minutos.
    • Experiência: A paciente permaneceu em um estado meditativo e introspectivo, sem movimentos ou verbalizações significativas. A infusão transcorreu sem intercorrências.
  3. Sessão de Integração: Após a primeira infusão, foram realizadas sessões de psicoterapia para integrar a experiência. A paciente relatou uma dissociação do corpo, com sensações de “viagem” por diferentes lugares e a percepção de sua própria insignificância diante da “grandeza do cosmos”. Embora tenha sentido a presença da morte, não teve medo.
  4. Segunda Sessão de Infusão:
    • Intervalo: Cinco dias após a primeira sessão.
    • Droga: Cetamina, via intravenosa (IV).
    • Posologia: A dose foi escalonada para 0,75 mg/kg, infundida em 40 minutos, com o objetivo de aprofundar a experiência.
    • Experiência: Diferentemente da primeira vez, a paciente verbalizou intensamente, expressando surpresa (“que doideira é isso tudo”) e medo no início. A experiência culminou em uma catarse emocional, onde ela repetiu a frase “Deus é amor” e declarou seu amor pela mãe, chorando pela primeira vez em muito tempo.
  5. Ajuste Terapêutico e Reintegração:
    • Neste momento, a equipe sentiu a oportunidade de quebrar o protocolo e convidar a mãe da paciente para a sala, facilitando uma reconexão afetiva imediata.
    • As sessões de integração subsequentes focaram no significado dessa experiência: a paciente ressignificou a dor e as limitações físicas, reconhecendo a capacidade de seu corpo para “amar e respirar”. Ela passou a valorizar a “parte boa” de seu corpo e a planejar um futuro possível, como uma viagem de carro.

Abordagem Não-Farmacológica

  • Psicologia Hospitalar: As sessões de preparação e integração foram cruciais para o sucesso da terapia. O terapeuta atuou como um guia, ajudando a paciente a processar as emoções e os insights obtidos durante as infusões.
  • Cuidados Paliativos: A equipe continuou o manejo da dor crônica e do sofrimento existencial, proporcionando um ambiente de acolhimento e validação de suas emoções e medos.

Seguimento

O seguimento da paciente demonstrou uma evolução clínica favorável. Após a alta hospitalar, a remissão da ideação suicida e a melhora notável dos sintomas depressivos foram mantidas. Ela segue em acompanhamento regular com a equipe médica para monitoramento contínuo de seu bem-estar físico e emocional.

 

Paciente feliz ao lado da sua mãe após o sucesso do tratamento prescrito
Paciente feliz ao lado da sua mãe após o sucesso do tratamento prescrito

Conclusão

Este caso clínico ilustra a complexidade da abordagem a pacientes oncológicos com sofrimento psíquico grave e refratário, como depressão e ideação suicida. O sucesso do tratamento não se limitou à gestão da doença física, mas focou na totalidade da paciente, abordando suas dores físicas, emocionais, sociais e existenciais.

O caso demonstra o potencial da Terapia Assistida por Cetamina (PAC) como uma intervenção promissora em cuidados paliativos. Embora a cetamina seja um anestésico dissociativo, suas propriedades psicodélicas, induzidas em doses subanestésicas, permitiram uma reestruturação cognitiva e emocional profunda. 

A experiência catártica da paciente, facilitada pela medicação e mediada pela psicoterapia de preparo e integração, possibilitou uma ressignificação do corpo e dos vínculos afetivos. Esses insights terapêuticos foram essenciais para a remissão da ideação suicida e a restauração da esperança e da vontade de viver.

A abordagem multidisciplinar — com a sinergia entre Cuidados Paliativos, Psiquiatria, Psicologia e Equipe de Dor — foi fundamental para o desfecho positivo. Este caso reforça a necessidade de um cuidado ampliado e a abertura para terapias inovadoras no tratamento de pacientes com doenças graves e incuráveis, mostrando que é possível restaurar a dignidade e a qualidade de vida, mesmo quando a cura não é mais uma opção.

As informações pessoais contidas neste caso clínico foram modificadas para preservar a identidade e a imagem do paciente, mantendo, no entanto, a veracidade e a integridade dos dados clínicos. Este é um relato baseado em um caso real, fundamentado na documentação médica e nas observações clínicas realizadas durante o acompanhamento do paciente. A finalidade é compartilhar o tratamento e as estratégias adotadas em um cenário clínico de relevância, respeitando sempre a confidencialidade e a ética médica.

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