Caso Clínico: Dor orofacial atípica e tratamento com Cannabis

Publicado em 18/08/25 | Atualizado em 18/08/25 Leitura: 10 minutos

Cannabis como Medicamentocaso clínicoEducação MédicaNeurológicas

Identificação

Paciente sexo feminino, 75 anos.

Apresentação do caso clínico

A paciente apresenta um quadro de dor orofacial atípica crônica, com um histórico de 25 anos de evolução. A queixa principal é uma dor persistente, contínua e ininterrupta (24 horas por dia), de intensidade moderada a grave. A dor é referida como unilateral, acometendo a hemiface direita.

A distribuição da dor é um ponto-chave no diagnóstico, pois segue uma topografia que sugere o envolvimento de múltiplos ramos do nervo trigêmeo. A paciente descreve a dor com maior intensidade no ângulo da mandíbula (V3), mas também a localiza nos dentes e no maxilar superior (V2), além de se irradiar para a região auricular.

O histórico de longa duração da doença (início em 1999) é fundamental para a classificação do quadro como crônico e refratário. A paciente relata que, ao longo das duas décadas e meia, a intensidade da dor piorou progressivamente, e a frequência dos picos de dor (crises) aumentou, diminuindo os intervalos de alívio.

Um fator desencadeante importante, identificado pela própria paciente, é o componente emocional. A dor se exacerba em momentos de estresse, ansiedade ou agitação emocional, sugerindo uma forte interconexão entre o sistema nervoso central e a percepção da dor.

Por fim, a paciente faz uso de aparelho para bruxismo, o que pode indicar uma predisposição a sobrecargas na articulação temporomandibular (ATM) e na musculatura mastigatória, fatores que frequentemente coexistem com quadros de dor orofacial. A presença do bruxismo reforça a complexidade etiológica do quadro, que pode envolver não apenas o sistema nervoso trigeminal, mas também componentes miofasciais.

Paciente com dor na região da face.
Paciente com dor na região da face. 

Antecedentes patológicos

A paciente apresenta um quadro de comorbidades complexas, incluindo Diabetes Mellitus (DM), cirrose hepática e Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), o que exige uma atenção especial ao manejo terapêutico, considerando possíveis interações medicamentosas e a saúde hepática comprometida.

O histórico de tratamento da dor orofacial atípica é marcado por diversas intervenções que não alcançaram sucesso em longo prazo.

  • Procedimento Neurocirúrgico: A paciente foi submetida a um balonamento do nervo trigêmeo há 15 anos, um procedimento que visa a descompressão ou ablação do gânglio de Gasser. No entanto, o alívio foi temporário.
  • Terapias Farmacológicas: Foram realizados múltiplos ensaios com classes de medicamentos comumente utilizados para dor neuropática, incluindo gabapentinoides, antidepressivos, opioides e neurolépticos. A falta de resposta a esses fármacos reforça o caráter refratário da dor.
  • Intervenções Odontológicas e Cirúrgicas: A paciente foi submetida à extração de quatro dentes na tentativa de cessar a dor, além de três sessões de aplicação de toxina botulínica tipo A (TBA) na musculatura orofacial, ambas as abordagens sem sucesso.
  • Bloqueios Nervosos: Diversos bloqueios nervosos foram realizados, com melhora parcial e temporária, o que corrobora o envolvimento de diferentes estruturas nervosas na fisiopatologia da dor. Os bloqueios do nervo auriculotemporal, alveolar inferior e plexo cervical superficial resultaram em uma melhora de 50%, assim como os bloqueios do nervo esfenopalatino à esquerda e do ramo maxilar.

 

Medicação em uso

O quadro de polifarmácia da paciente é notável. Além dos medicamentos para suas comorbidades (Jardiance, Novolin N, Galvus Met, Pantoprazol, Synthroid, Vitorin, Ablok Plus E, AAS Prevent e Benerva), ela faz uso de Amitriptilina 25mg e Zolpidem 5mg para manejo da dor e dos distúrbios do sono.

Impacto na Qualidade de Vida

A dor crônica tem um impacto significativo na qualidade de vida da paciente, refletindo-se em diversos aspectos:

  • Saúde Mental: Relata humor irritável e depressivo, sugerindo a sobrecarga emocional e psicológica da dor persistente.
  • Distúrbios do Sono e Apetite: O sono é de baixa qualidade, e o apetite diminui durante os picos de dor.
  • Comprometimento Funcional: O quadro limita suas atividades, levando a um estilo de vida sedentário e com pouca participação social.
  • Hábitos Intestinais: O hábito intestinal irregular pode estar associado ao uso de certos medicamentos ou ao próprio estresse crônico.

 

Exame físico

REG, eupneica, normocorada. Apresenta expressão facial de dor.

SSVV: PA, FC, FR e Tax estáveis e dentro da normalidade.

Pele: Pele íntegra, sem lesões.

CP: Crânio normocéfalo, com dor em região de face, mais intensa no ângulo da mandíbula (V3), nos dentes e no maxilar superior (V2), além disso, irradia para a região auricular. Pescoço simétrico, sem adenomegalias ou tireoide aumentada.

AR: Tórax simétrico, EPP, MV bilateralmente audível, sem RA.

ACV: Bulhas rítmicas, BNF, em 2T, sem sopros. Pulsos periféricos presentes e simétricos.

ABD: Plano, flácido, indolor à palpação. RHA presentes, sem massas ou VMG.

EXT: MMSS e MMII simétricos, sem edemas, cianose ou varizes.

SN: Sem déficits neurológicos. Reflexos, força e sensibilidade preservados. Marcha normal

Paciente com dor durante a consulta médica
Paciente com dor durante a consulta médica

Diagnóstico (Lista de problemas)

  • P1: Dor orofacial atípica.
  • P2: Diabetes Mellitus.
  • P3: Cirrose Hepática.
  • P4: Hipertensão Arterial Sistêmica.
  • P5: Bruxismo.
  • P6: Distúrbios do sono.
  • P7: Transtorno de humor.
  • P8: Distúrbio do apetite.
  • P9: Sedentarismo.
  • P10: Hábito intestinal irregular.

 

Tratamento com Cannabis

Diante do quadro de dor crônica refratária e do histórico de insucesso com múltiplos tratamentos, optou-se pela introdução da terapia com canabinoides. A paciente não tinha experiência prévia com cannabis, o que exigiu um plano terapêutico cauteloso e individualizado.

Proposta terapêutica e Titulação da Dose

O tratamento foi iniciado com um extrato de Cannabis Full Spectrum, com alta concentração de CBD (79,14mg/ml – 1,6 mg de CBD + 0,06 mg THC por gota). A estratégia inicial foi uma titulação ascendente para permitir a adaptação da paciente e monitorar a resposta clínica e possíveis efeitos colaterais. A posologia inicial consistiu em 5 gotas sublinguais (SL) à noite.

O plano de titulação foi estruturado da seguinte forma:

  • Após 4 dias: A dose foi aumentada para 5 gotas, duas vezes ao dia (a cada 12 horas).
  • Após mais 4 dias: A dose foi ajustada para 5 gotas, três vezes ao dia (a cada 8 horas).

 

Após este período, a posologia foi ajustada para 5-5-7 gotas SL (total aproximado de 27mg CBD/dia + 1mg THC/dia), visando otimizar os efeitos terapêuticos e gerenciar a resposta da paciente.

Simultaneamente, a abordagem não-farmacológica foi mantida, com a paciente sendo submetida a um plano de bloqueios seriados (três sessões) dos nervos cervical superficial e auriculotemporal, buscando um efeito sinérgico com a terapia canabinoide.

Evolução do Tratamento

O acompanhamento da paciente demonstrou uma resposta clínica significativa e positiva à terapia com canabinoides. A progressiva titulação do extrato de cannabis resultou em uma melhora evidente na intensidade da dor orofacial, permitindo à paciente retomar o controle sobre sua rotina.

A melhoria não se restringiu apenas ao alívio da dor primária, mas se estendeu a aspectos cruciais da sua qualidade de vida. A paciente relatou uma melhora notável na qualidade do sono e na disposição geral, além de uma redução significativa da irritabilidade e dos sintomas depressivos. Esses ganhos indicam um impacto direto e positivo no seu bem-estar físico e mental.

Clinicamente, observou-se uma melhora na simetria facial, um sinal objetivo da redução da tensão e da dor. O único efeito adverso relatado foi uma sensação de moleza diurna, que foi adequadamente controlada e gerenciada com o ajuste da dose. Não houve alterações nos hábitos intestinais, demonstrando a boa tolerabilidade do tratamento.

Este caso reforça a importância de uma abordagem terapêutica individualizada e da titulação da dose, que permitiu não apenas a melhora da dor crônica refratária, mas também um ganho substancial na qualidade de vida, humor e sono da paciente.

Paciente sem dor após o tratamento com cannabis medicinal
Paciente sem dor após o tratamento com cannabis medicinal

Conclusão

Este caso clínico destaca o potencial da cannabis medicinal como uma alternativa eficaz e promissora no tratamento da dor crônica refratária, especialmente em pacientes que já esgotaram as opções terapêuticas convencionais. A paciente, com um histórico de 25 anos de dor orofacial atípica, demonstrou uma melhora significativa não apenas no alívio da dor, mas também em aspectos cruciais de sua qualidade de vida, como sono e humor.

A experiência com essa paciente reforça a necessidade de uma avaliação individualizada e de um plano de titulação da dose cuidadoso, que permite otimizar os benefícios terapêuticos e gerenciar os efeitos adversos. O sucesso do tratamento com cannabis medicinal, neste caso, ilustra como essa abordagem pode atuar em múltiplos sistemas, proporcionando um alívio mais abrangente e impactando positivamente o bem-estar geral do paciente.

Diante do cenário, é importante que nós médicos nos mantenhamos continuamente atualizados acerca das novas descobertas científicas e das evidências clínicas emergentes. A prescrição de cannabis medicinal, como em qualquer condição de saúde complexa, deve ser fundamentada em uma análise crítica da literatura, uma avaliação individualizada do paciente — considerando seu perfil clínico, comorbidades e medicações concomitantes —, e um monitoramento rigoroso dos benefícios e possíveis eventos adversos.

As informações pessoais contidas neste caso clínico foram modificadas para preservar a identidade e a imagem do paciente, mantendo, no entanto, a veracidade e a integridade dos dados clínicos. Este é um relato baseado em um caso real, fundamentado na documentação médica e nas observações clínicas realizadas durante o acompanhamento do paciente. A finalidade é compartilhar o tratamento e as estratégias adotadas em um cenário clínico de relevância, respeitando sempre a confidencialidade e a ética médica.

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