Caso Clínico: O impacto da cannabis medicinal no desenvolvimento de uma paciente com Epilepsia Refratária e Atraso Global

Publicado em 22/07/25 | Atualizado em 23/07/25 Leitura: 11 minutos

Cannabis como MedicamentoNeurológicasPsiquiátricas

Identificação 

Paciente sexo feminino, 13 anos, cujos desafios de saúde destacam a complexidade doenças neurológicas pediátricas e o potencial de abordagens terapêuticas inovadoras, como a cannabis medicinal.

Apresentação do Caso Clínico

A paciente é uma adolescente de 13 anos, que desde cedo, sua jornada de saúde foi marcada por uma constelação de sintomas: epilepsia, atraso global no desenvolvimento, Transtorno do Espectro Autista (TEA), obesidade e puberdade precoce.

Seu histórico gestacional e perinatal foi típico (Gesta I, Para I, Abortos 0, gestação sem intercorrências, parto cesáreo a termo com 37 semanas, APGAR 6 e 9). Nos primeiros meses de vida, o desenvolvimento motor inicial parecia adequado (sustentava a cabeça aos 3 meses, sentou aos 6 meses), mas a ausência do engatinhar foi um dos primeiros sinais de alerta.

O atraso no desenvolvimento motor e da fala tornou-se mais evidente após o primeiro ano de vida, com hipotonia muscular, marcha desequilibrada e pouca coordenação fina. Aos 2 anos, a primeira convulsão febril foi um marco, seguida por uma regressão da fala, diminuição da interação visual e aparente desorientação. As crises epilépticas, inicialmente de ausência com cianose labial, progrediram para crises tônico-generalizadas a partir dos 3-4 anos, mesmo com o uso de Depakene.

Apesar das terapias de apoio (fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicomotricidade), as crises persistiam, e a paciente apresentava lentificação e apatia. Observaram-se estereotipias como flapping e esfregar as mãos, embora mantivesse o uso funcional delas. Sua participação em atividades em grupo era prejudicada pela dificuldade em manter o foco, mas ela demonstrava ser calma, sorridente, sem autoagressão ou mordidas em colegas. A qualidade do sono era boa, sem seletividade alimentar, mas com aumento do apetite, possivelmente relacionado ao uso de Depakene.

As crises epilépticas eram caracterizadas por:

  • Tipo I: Episódios de parada comportamental, desvio do olhar, palidez perioral ou cianose e entortar a boca, ocorrendo dormindo à tarde, durando cerca de 1 minuto.
  • Tipo II e III: Crises tônico-clônicas generalizadas (CTCG) e clônicas generalizadas (CTG), principalmente durante o sono noturno ou vespertino e períodos pré-menstruais.
  • Frequência: 1 a 2 crises motoras mensais, além de ausências muito frequentes que contribuíam para a apatia.

Antecedente médicos e histórico familiar

No histórico pessoal, a paciente teve uma estenose hipertrófica de piloro, operada no segundo mês de vida, e episódios de otite com necessidade de drenagem, além de cirurgia para adenoidectomia. Não há histórico de alergias medicamentosas, apenas rinite. Um aspecto relevante foi a puberdade precoce, notada aos 8 anos, com surgimento de pelos pubianos e brotos mamários, e menarca aos 10 anos, tratada com Lectrum.

O histórico familiar revelou a ocorrência de crises febris na infância e TEA em um irmão da mãe, sem epilepsia. Na família paterna, há casos de epilepsia.

Exame Físico

Estado Geral: Paciente tranquila e colaborativa, com expressão sorridente. Apresentando uma lentificação psicomotora e uma leve apatia. Bom estado nutricional, porém mantém o quadro de obesidade.

Paciente durante a consulta médica
Paciente durante a consulta médica

Neurológico:

  • Nível de Consciência e Atenção: Consciente e orientada, com períodos de atenção flutuante, mas com melhora perceptível na interação visual e na responsividade ao chamado.
  • Tônus e Força Muscular: Persiste a hipotonia muscular, predominantemente axial, que se reflete na marcha atáxica e desequilibrada, embora com menos quedas do que no passado. A força nos membros parece preservada contra a gravidade.
  • Coordenação Motora: A coordenação motora fina ainda é prejudicada, mas nota-se uma maior destreza no uso funcional das mãos para brincar e atividades diárias. As estereotipias manuais (flapping e esfregar as mãos) estão presentes, porém com menor frequência e intensidade.
  • Linguagem e Comunicação: A fala expressiva ainda é limitada.
  • Comportamento: A paciente se mantém calma e socialmente mais engajada em atividades direcionadas, sem relatos de autoagressão ou agressividade.

Endócrino: Sinais de puberdade precoce.

Exames Complementares

Os exames complementares foram cruciais para o diagnóstico diferencial:

  • Ressonância Magnética de Crânio com Espectroscopia: Revelou apenas hipoplasia cerebelar.
  • Eletroencefalogramas (EEGs): O primeiro foi normal, mas os subsequentes mostraram frequente atividade epileptiforme bilateral, com predomínio fronto-central ou posterior.
Resultado do Eletroencefalograma
Resultado do Eletroencefalograma
  • Screening Genético Metabólico:
    • Cariótipo com Banda G (Sangue Periférico): Normal (46,XX).
    • Sequenciamento do gene MECP2 para Síndrome de Rett: Não foram encontradas mutações nos Éxons 10, 11, 13, 14, 15 e 16.
    • Isoeletrofocalização para Transferrina, Análise de Ácidos Orgânicos Urinários, Distúrbios da Beta Oxidação de Ácidos Graxos, Distúrbios do Ciclo da Ureia, Aminoacidopatias: Todos normais.
    • Triagem neonatal (hemoglobinopatias, TSH/T4, PKU, 17-OH-Progesterona, G6PD, IRT, Biotinidase, Galactose e cromatografia de aminoácidos): Normais.
    • Microarray: Sem alterações (referido no encaminhamento).

Diagnóstico

Apesar de algumas características se assemelharem à Síndrome de Rett (estereotipias manuais, dificuldades de comunicação e interação social, problemas de marcha, crises epilépticas), a mutação negativa no gene MECP2 e a persistência do uso funcional das mãos excluíram este diagnóstico.

As hipóteses diagnósticas levantadas incluíram:

  • Transtornos relacionados ao gene ARX: Cursam com epilepsia, autismo, hipoplasia cerebelar e problemas de desenvolvimento.
  • Doença de Menkes: Defeito no metabolismo do cobre, mas com cabelo ruivo e quebradiço, não descrito na paciente.
  • Síndrome de Phelan-McDermid: Associada à deleção no gene SHANK3, podendo levar a TEA severo, epilepsia, atraso do desenvolvimento e, em alguns casos, puberdade precoce.
  • Síndrome de Joubert: Hipoplasia cerebelar com atraso do desenvolvimento e da comunicação.
  • Síndrome de Angelman: Geralmente causada por deleção no cromossomo 15, com atraso no desenvolvimento, TEA, “Happy Puppet” e eventual hipoplasia cerebelar.
  • Epilepsia de Dravet: Mutações no gene Nav1, com desenvolvimento normal até 6 meses, crises febris e afebris, crises hemiclônicas ou CTCG prolongadas, status epilepticus, termosensibilidade e perda cognitiva/TEA.
  • Esclerose Tuberosa: Diagnóstico clínico por critérios maiores ou menores.
  • Epilepsia por mutação no gene da Protocaderina 19: Afeta principalmente mulheres, com desenvolvimento normal inicial, evoluindo para atraso cognitivo, TEA, psicose e TOC. As crises iniciam entre 3 meses e 3 anos, com convulsões febris, depois afebris de todos os tipos.
  • Mitocondriopatias.

Foram solicitados exames adicionais para investigação: Exoma, USG abdominal total, Nível sérico de ácido valpróico, bioquímica com perfil hormonal e ressonância de crânio com estudo de hipófise.

Tratamento com Cannabis

Dada a refratariedade das crises e o atraso no desenvolvimento, o tratamento com cannabis medicinal foi considerado.

Proposta Terapêutica Inicial

A proposta inicial visava otimizar o controle das crises epilépticas, minimizar os efeitos adversos dos medicamentos anticonvulsivantes tradicionais e, consequentemente, melhorar o desenvolvimento neuropsicomotor e a qualidade de vida da paciente.

Abordagem Farmacológica

  • Simultaneamente à otimização da terapia anticonvulsivante convencional – que incluiu a introdução de Lacosamida (atingindo doses de 150 mg duas vezes ao dia) com o objetivo de reduzir e, futuramente, descontinuar o Divalproato ER (mantido em 500 mg + 750 mg) – iniciou-se o tratamento com cannabis medicinal.
  • Inicialmente, optou-se pelo Canabidiol (CBD) isolado, administrado em doses que variaram de 1 a 5 mg/kg de peso corporal por dia. Este foi um passo cuidadoso para avaliar a resposta individual da paciente ao canabinoide.
  • Posteriormente, houve a associação e transição gradual para um óleo rico em CBD extrato integral, com uma proporção de 20 partes de CBD para 1 parte de outros canabinoides e terpenos (CBD 20:1). A escolha do extrato integral visou potencializar o “efeito entourage”, onde a sinergia entre os componentes da planta pode resultar em maior eficácia terapêutica. A posologia exata do extrato integral foi ajustada gradualmente, monitorando a resposta clínica.

Abordagem Não-Farmacológica

Paralelamente, a paciente manteve um robusto programa de terapias de suporte não-farmacológicas, essenciais para seu desenvolvimento global. Isso incluiu sessões regulares de fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicomotricidade, que continuaram a ser fundamentais para o aprimoramento de suas habilidades comunicativas, motoras e de integração sensorial.

O acompanhamento rigoroso e os ajustes posológicos foram cruciais para a obtenção dos resultados positivos.

Ajustes no Tratamento

A introdução inicial do CBD isolado (1 a 5 mg/kg/dia) demonstrou uma melhora notável, resultando em uma redução de aproximadamente 50% na frequência das crises. As crises restantes tornaram-se mais breves e menos intensas. Além do controle das crises, observou-se uma melhora significativa no aspecto cognitivo da paciente já nessa fase. Contudo, crises hipomotoras ou focais com comprometimento da consciência, e raras crises generalizadas em contextos de infecção, ainda persistiam.

A transição para o extrato integral de CBD (20:1) foi realizada de forma gradual, com a dosagem sendo titulada conforme a resposta clínica da paciente e a tolerabilidade. Este ajuste buscou uma resposta mais abrangente devido ao perfil completo de canabinoides e terpenos presentes no extrato.

Paciente com melhora clínica após tratamento com cannabis medicinal
Paciente com melhora clínica após tratamento com cannabis medicinal

Evolução do Tratamento

A evolução da paciente com a terapia combinada (farmacologia convencional otimizada e cannabis medicinal) tem sido extraordinariamente positiva.

O marco mais significativo é que, há dois meses, a paciente está completamente sem crises epilépticas, um feito notável dado o histórico de refratariedade. Este controle total das crises permitiu uma reorganização cerebral e um avanço notável em seu desenvolvimento.

Observa-se uma melhora significativa e contínua na compreensão (receptiva e expressiva) e na capacidade de interação social e brincar. A paciente passou a engajar-se mais ativamente em jogos e atividades que antes eram desafiadoras. Além disso, está desenvolvendo e utilizando métodos alternativos de linguagem de forma mais eficaz, o que demonstra um avanço crucial em sua comunicação e interação com o mundo.

Conclusão

Esse caso é um testemunho da complexidade das doenças neurológicas pediátricas e do potencial transformador de abordagens terapêuticas inovadoras. A jornada da paciente, marcada por epilepsia refratária, atraso global no desenvolvimento e TEA, encontrou um ponto de virada com a introdução estratégica da cannabis medicinal. O controle total das crises epilépticas, um objetivo desafiador por anos, foi alcançado e mantido, evidenciando o papel crucial do CBD extrato integral na gestão de condições neurológicas complexas.

Mais do que a remissão das crises, a melhora significativa e contínua no desenvolvimento cognitivo, na interação social e na comunicação ressalta o impacto profundo que o tratamento bem-sucedido tem na qualidade de vida da paciente e de sua família. Este caso reforça a importância da medicina integrativa e da pesquisa contínua para oferecer esperança e novas perspectivas a pacientes com quadros clínicos desafiadores.

As informações pessoais contidas neste caso clínico foram modificadas para preservar a identidade e a imagem do paciente, mantendo, no entanto, a veracidade e a integridade dos dados clínicos. Este é um relato baseado em um caso real, fundamentado na documentação médica e nas observações clínicas realizadas durante o acompanhamento do paciente. A finalidade é compartilhar o tratamento e as estratégias adotadas em um cenário clínico de relevância, respeitando sempre a confidencialidade e a ética médica.

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