Caso Clínico: Paraplegia Espástica Familiar e o uso de cannabis medicinal.

Publicado em 11/08/25 | Atualizado em 10/08/25 Leitura: 10 minutos

Cannabis como MedicamentoEducação MédicaNeurológicas

Apresentação do caso clínico

Paciente, sexo masculino, 67 anos. Queixa Principal: Espasticidade, automatismo e dor.

Paciente do sexo masculino, de 67 anos, com diagnóstico de Doença de Strumpell-Lorrain, também conhecida como Paraplegia Espástica Familiar (PEF), desde 1974. As PEF são um grupo de doenças neurodegenerativas genéticas, caracterizadas por hiperreflexia e espasticidade progressivas dos membros inferiores. Podem ser divididas em formas puras (espasticidade e fraqueza progressivas, com anomalias urinárias e redução da sensibilidade) e formas complexas (com outras manifestações neurológicas ou não-neurológicas). A prevalência é de 1-9/100.000.

A principal queixa do paciente é a espasticidade, automatismo e dor, sintomas que têm impactado significativamente sua qualidade de vida. A espasticidade grau 3 em membros inferiores (Escala de Ashworth modificada) e os automatismos interferiam diretamente em atividades como fisioterapia e natação.

Paciente triste devido a sua condição durante a consulta médica
Paciente triste devido a sua condição durante a consulta médica

As atividades de vida diária apresentavam certa independência, com autonomia para alimentação, mas com dependência para banho, vestuário e dificuldades nas transferências. O paciente faz uso de órteses suropodálicas, cadeira de rodas e prancha ortostática como órteses, próteses e meios auxiliares.

Além da doença de base, o paciente apresentava comorbidades como Transtorno Depressivo e Dislipidemia. No que diz respeito aos seus hábitos e estado geral, seu humor estava deprimido e o sono era pouco reparador. O apetite foi considerado “normal”, mas ele lidava com constipação intestinal

Histórico Familiar e Hábitos de Vida

É relevante notar que o paciente não apresentava histórico familiar de doenças que pudessem estar diretamente relacionadas à sua condição ou comorbidades.

Apesar das limitações impostas pela doença, ele demonstra notável resiliência e proatividade. Ele mantém um regime ativo de natação e fisioterapia, evidenciando seu compromisso com a funcionalidade e o bem-estar. Profissionalmente, continua engajado como escritor, economista e palestrante, o que sublinha sua capacidade de adaptar-se e manter-se produtivo.

Por fim, é importante notar que, antes do início do tratamento proposto, não havia histórico prévio de consumo de cannabis.

Exame Físico

O paciente apresentava um exame físico geral sem alterações significativas. Os sinais vitais encontravam-se dentro dos parâmetros de normalidade.

  • Sistema Respiratório: Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular presente bilateralmente, sem ruídos adventícios. Expansibilidade torácica preservada.
  • Sistema Cardiovascular: Bulhas cardíacas rítmicas e normofonéticas em dois tempos, sem sopros ou extrassístoles. Pulsos periféricos amplos e simétricos.
  • Sistema Gastrointestinal: Abdome plano, flácido, indolor à palpação superficial e profunda. Ruídos hidroaéreos presentes. Ausência de visceromegalias.
  • Pele e Fâneros: Normocorados, hidratados, sem lesões ou outras anormalidades.
  • Avaliação Neurológica: Observou-se espasticidade de grau 3 em membros inferiores, conforme a Escala Modificada de Ashworth. Adicionalmente, automatismos estavam presentes, caracterizados por movimentos involuntários que impactavam diretamente a funcionalidade do paciente e dificultavam atividades diárias. 

 

Escala de Ashworth

 É a ferramenta mais amplamente utilizada para avaliar a espasticidade. Ela mede a resistência ao movimento passivo da extremidade, variando de 0 a 4:

  • 0: Nenhum aumento no tônus muscular.
  • 1: Leve aumento do tônus muscular, manifestado por uma tensão momentânea ou por resistência mínima, no final da amplitude de movimento articular (ADM), quando a região é movida em flexão ou extensão.
  • 1+: Leve aumento do tônus muscular, manifestado por tensão abrupta, seguida de resistência mínima em menos da metade da ADM restante.
  • 2: Aumento mais marcante do tônus muscular, durante a maior parte da ADM, mas a região é movida facilmente.
  • 3: Considerável aumento do tônus muscular, o movimento passivo é difícil.
  • 4: Parte afetada rígida em flexão ou extensão.

 

No caso do paciente, o Grau 3 indica um considerável aumento do tônus muscular, tornando o movimento passivo difícil

Diagnóstico

Doença de Strumpell-Lorrain (Paraplegia Espástica Familiar) desde 1974.

Tratamento com Cannabis

Proposta terapêutica inicial e abordagem integrada

Em Setembro de 2021, iniciou-se o tratamento com cannabis, com o principal objetivo de reduzir a espasticidade, automatismos e dor, além de buscar a melhora do humor e da qualidade do sono. A proposta terapêutica inicial baseou-se em um plano de titulação lenta e gradual, com a expectativa de introduzir THC progressivamente e realizar avaliações periódicas da resposta do paciente.

O tratamento foi iniciado com um quimiotipo Tipo III (alto CBD), utilizando um produto full spectrum na concentração de 33 mg CBD/ml (equivalente a 1,1 mg/gota), administrado por via oral/sublingual. A dose total inicial foi de 66 mg de CBD por dia, correspondendo a 2ml/dia.

É importante ressaltar que a cannabis foi introduzida como uma terapia adjuvante para manejar os sintomas que persistiam, mesmo após tratamentos convencionais prévios, como Baclofeno, Tizanidina, cirurgias ortopédicas e Toxina Botulínica A (TBA). Além da abordagem farmacológica, o paciente manteve suas terapias não-farmacológicas, incluindo fisioterapia e natação, reforçando um manejo integrado da sua condição.

Acompanhamento e ajustes terapêuticos

A evolução do tratamento com cannabis reflete uma estratégia de ajustes contínuos e baseados na resposta clínica do paciente, desde Setembro de 2021 até Dezembro de 2023.

  1. Fase inicial com CBD predominante (Setembro de 2021 – Março de 2022): Durante este período, o paciente utilizou um produto Tipo III (alto CBD), full spectrum, na dose de 66 mg de CBD/dia. A resposta foi limitada: houve pouca melhora na dor, embora o humor e o sono tenham apresentado discreta melhora, e o apetite e o hábito intestinal se mantiveram com melhora. No entanto, a espasticidade permaneceu inalterada.
  2. Introdução de produto balanceado (Março de 2022 – Maio de 2022): Diante da persistência da espasticidade, o plano terapêutico foi ajustado para introduzir um produto balanceado (Tipo II, THC/CBD). O paciente passou a utilizar um produto full spectrum com 300 mg de CBD e 180 mg de THC/30ml (0,3 mg de CBD e 0,2 mg de THC/gota), na dose de 18 mg de CBD e 12 mg de THC por dia (60 gotas). Esta mudança trouxe um alívio parcial da dor, melhora mantida do humor e sono mais reparador. Significativamente, observou-se uma diminuição dos automatismos.
  3. Ajuste para combinação de produtos e aumento de THC (Maio de 2022 – Dezembro de 2023): Para otimizar o controle da espasticidade e da dor, o tratamento foi novamente ajustado, combinando um produto Tipo II (THC/CBD balanceado) com um produto Tipo I (alto THC). A dose total diária evoluiu para 22,5 mg de CBD e 19 mg de THC. Essa dose foi alcançada através da administração de 25 gotas do produto Tipo II, três vezes ao dia, combinadas com 10 gotas do produto Tipo I à noite. O resultado foi o alívio mais pronunciado da dor, humor e sono reparador mantidos, e melhora do hábito intestinal. Mais notavelmente, houve uma redução significativa da espasticidade de Grau 3 para Grau 2 na Escala Modificada de Ashworth e a ausência completa de automatismos.

 

Evolução geral

A progressão do tratamento demonstra uma resposta notável do paciente à terapia com cannabis. A redução da espasticidade e a eliminação dos automatismos representam um ganho substancial na sua mobilidade e qualidade de vida. A estratégia de introdução gradual e ajuste fino das proporções de canabinoides, especialmente o aumento do THC, revelou-se crucial para o sucesso terapêutico.

Paciente voltando às atividades diárias após o sucesso com o tratamento a base de cannabis medicinal.
Paciente voltando às atividades diárias após o sucesso com o tratamento a base de cannabis medicinal.

Conclusão 

Este caso clínico ressalta a importância de uma abordagem altamente individualizada e flexível no tratamento com cannabis para pacientes com condições neurológicas complexas como a Doença de Strumpell-Lorrain. A experiência deste paciente demonstra que a titulação cuidadosa e os ajustes progressivos na proporção de canabinoides (CBD e THC) podem levar a melhorias significativas em sintomas refratários como a espasticidade e os automatismos.

As principais lições aprendidas com este caso incluem a necessidade de uma anamnese detalhada, que abranja o histórico completo do paciente, suas comorbidades e qualquer experiência anterior com cannabis. É fundamental também alinhar as expectativas e objetivos do tratamento com o paciente, promovendo a tomada de decisões compartilhadas. O acompanhamento rigoroso e uma comunicação aberta são cruciais para monitorar a eficácia e a segurança, permitindo ajustes terapêuticos conforme necessário. Além disso, a seleção do quimiotipo e do perfil do produto (full spectrum, balanceado, alto CBD/THC) deve ser personalizada, guiada pelos objetivos específicos do tratamento e pela resposta individual do paciente.

A notável evolução da espasticidade e a eliminação dos automatismos neste paciente confirmam o potencial terapêutico da cannabis medicinal como uma ferramenta valiosa, especialmente quando o plano de tratamento é cuidadosamente titulado e ajustado.

Nesse cenário, fica claro o papel do médico. É importante que os profissionais de saúde se mantenham continuamente atualizados sobre as novas descobertas científicas e as evidências clínicas emergentes. A prescrição de cannabis medicinal, assim como em qualquer condição de saúde complexa, deve ser fundamentada em uma análise crítica da literatura, uma avaliação individualizada do paciente – considerando seu perfil clínico, comorbidades e medicações concomitantes – e um monitoramento rigoroso dos benefícios e possíveis eventos adversos.

As informações pessoais contidas neste caso clínico foram modificadas para preservar a identidade e a imagem do paciente, mantendo, no entanto, a veracidade e a integridade dos dados clínicos. Este é um relato baseado em um caso real, fundamentado na documentação médica e nas observações clínicas realizadas durante o acompanhamento do paciente. A finalidade é compartilhar o tratamento e as estratégias adotadas em um cenário clínico de relevância, respeitando sempre a confidencialidade e a ética médica.

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