CBD para perda de apetite e condições de desnutrição: Evidências e potencial terapêutico

Publicado em 30/04/25 | Atualizado em 30/04/25 Leitura: 11 minutos

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O canabidiol (CBD) tem sido amplamente estudado por suas propriedades terapêuticas, incluindo efeitos anti-inflamatórios, ansiolíticos, neuroprotetores e anticonvulsivantes. No entanto, seu impacto sobre o apetite e o metabolismo ainda é um tema de debate. Enquanto o tetraidrocanabinol (THC) é bem conhecido por seu efeito orexígeno – ou seja, estimulante do apetite –, o CBD parece exercer uma influência mais complexa e variável, dependendo do perfil metabólico e das condições clínicas do indivíduo. No post de hoje, vamos explorar o potencial do CBD no manejo da perda de apetite e da desnutrição, com base nas evidências científicas disponíveis.

Perda de apetite e condições de desnutrição

A perda de apetite, ou hiporexia, é um sintoma comum em diversas condições patológicas, podendo levar à desnutrição e à perda de peso significativa. Entre as causas mais frequentes estão doenças crônicas, como câncer, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doenças neurodegenerativas, além de distúrbios psiquiátricos, como depressão e ansiedade. A anorexia nervosa e a caquexia associada a doenças terminais também representam desafios clínicos importantes, pois resultam em um déficit calórico severo, aumentando a morbidade e reduzindo a qualidade de vida dos pacientes.

A regulação do apetite envolve um equilíbrio complexo entre sinais homeostáticos e hedônicos, mediados por hormônios como leptina, grelina e insulina, além da ação de neurotransmissores nos circuitos hipotalâmicos e mesolímbicos. O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel fundamental nesse processo, modulando tanto a fome fisiológica quanto a motivação para o consumo alimentar. Os receptores CB1, altamente expressos no hipotálamo e em regiões do sistema de recompensa, estão diretamente envolvidos na indução da ingestão alimentar.

O canabidiol tem sido estudado como um modulador do SEC, mas seus efeitos sobre o apetite ainda não são totalmente compreendidos. Diferentemente do Δ9-tetraidrocanabinol (THC), que atua como um potente orexígeno ao ativar os receptores CB1, o CBD possui um perfil farmacológico mais complexo. Algumas evidências sugerem que o CBD pode ter um efeito bifásico, estimulando ou inibindo o apetite dependendo do contexto clínico e da dosagem administrada. 

Diante do impacto significativo da perda de apetite em condições clínicas graves, a investigação do CBD e de outros fitocanabinoides como adjuvantes terapêuticos representa um campo promissor. Esses compostos podem oferecer uma alternativa promissora para os pacientes que enfrentam hiporexia e condições de desnutrição, contribuindo para a melhoria do estado nutricional e da qualidade de vida.

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Sistema Endocanabinoide e Regulação do Apetite

A regulação do apetite é um processo complexo que envolve múltiplos sistemas neurobiológicos, integrando sinais homeostáticos, hedônicos e metabólicos para manter o equilíbrio energético. O hipotálamo desempenha um papel central nesse controle, coordenando a liberação de neuropeptídeos orexígenos e anorexígenos em resposta a alterações nos níveis de glicose, hormônios e outros metabólitos. Paralelamente, o sistema de recompensa mesolímbico influencia a motivação para o consumo alimentar, especialmente no contexto de alimentos altamente palatáveis.¹

O sistema endocanabinoide (SEC) tem um papel fundamental na modulação do comportamento alimentar e da homeostase energética, atuando tanto no sistema nervoso central quanto na periferia. A ativação dos receptores canabinoides tipo 1 (CB1), amplamente expressos em regiões hipotalâmicas e mesolímbicas, regula a liberação de neurotransmissores e modula as vias orexígenas.¹ 

Estudos demonstram que a privação alimentar aumenta a liberação de endocanabinoides no hipotálamo, estimulando o apetite por meio da ativação do CB1 e da interação com outros hormônios, como a grelina e a leptina. Além disso, a ativação do CB1 no núcleo arqueado estimula a expressão do neuropeptídeo Y (NPY), um dos mais potentes indutores de ingestão alimentar, e da β-endorfina, enquanto reduz a sensibilidade à leptina, contribuindo para o aumento do apetite.²

Perifericamente, o SEC influencia a captação de glicose e a lipogênese por meio da ativação do CB1 em adipócitos, hepatócitos e células intestinais. A ativação desse receptor no trato gastrointestinal regula a motilidade intestinal e o esvaziamento gástrico, enquanto nos adipócitos reduz a secreção de adiponectina, um hormônio associado ao aumento da sensibilidade à insulina e à regulação do metabolismo lipídico.²

O papel da estimulação do receptor CB1 na regulação do apetite. A estimulação do receptor CB1 promove vias orexígenas que levam ao aumento da síntese de moléculas como grelina, NPY e β-endorfina, que estão associadas ao aumento do apetite e potencial ganho de peso. Por outro lado, a ativação do receptor CB1 diminui os sinais anorexígenos reduzindo a sensibilidade à leptina e a síntese de adiponectina, diminuindo a capacidade do corpo de suprimir o apetite e regular o equilíbrio energético. AMPK - proteína quinase ativada por AMP; mTOR - alvo mamífero da rapamicina; NPY - neuropeptídeo Y; STAT3 - transdutor de sinal e ativador da transcrição 3; UCP2 - proteína desacopladora mitocondrial 2. Fonte: Kurtov M, Rubinić I, Likić R. The endocannabinoid system in appetite regulation and treatment of obesity. Pharmacol Res Perspect. 2024; 12:e70009. doi:10.1002/prp2.70009
O papel da estimulação do receptor CB1 na regulação do apetite. A estimulação do receptor CB1 promove vias orexígenas que levam ao aumento da síntese de moléculas como grelina, NPY e β-endorfina, que estão associadas ao aumento do apetite e potencial ganho de peso. Por outro lado, a ativação do receptor CB1 diminui os sinais anorexígenos reduzindo a sensibilidade à leptina e a síntese de adiponectina, diminuindo a capacidade do corpo de suprimir o apetite e regular o equilíbrio energético. AMPK – proteína quinase ativada por AMP; mTOR – alvo mamífero da rapamicina; NPY – neuropeptídeo Y; STAT3 – transdutor de sinal e ativador da transcrição 3; UCP2 – proteína desacopladora mitocondrial 2. Fonte: Kurtov M, Rubinić I, Likić R. The endocannabinoid system in appetite regulation and treatment of obesity. Pharmacol Res Perspect. 2024; 12:e70009. doi:10.1002/prp2.70009

O receptor canabinoide tipo 2 (CB2), menos estudado no contexto do apetite, também pode desempenhar um papel relevante. Evidências sugerem que sua ativação em neurônios dopaminérgicos da área tegmental ventral pode modular a resposta hedônica ao consumo alimentar. Modelos experimentais indicam que o agonismo do CB2 reduz a ingestão de alimentos e melhora a sensibilidade à insulina, enquanto sua inibição leva ao aumento da ingestão calórica e ao ganho de peso. No entanto, a inconsistência dos achados reforça a necessidade de estudos adicionais para esclarecer a função deste receptor no controle do apetite e do metabolismo.2,3

A modulação do sistema endocanabinoide apresenta um potencial terapêutico promissor no manejo de transtornos metabólicos e alimentares, dado seu papel central na regulação do apetite e no metabolismo energético. A ativação seletiva ou o bloqueio dos receptores canabinoides pode influenciar diretamente a homeostase metabólica, impactando a ingestão alimentar, a lipogênese e a sensibilidade hormonal. No entanto, a heterogeneidade das respostas individuais aos moduladores do SEC, aliada às lacunas no conhecimento sobre seus mecanismos de ação, evidencia a necessidade de investigações mais aprofundadas para otimizar seu uso como ferramenta terapêutica.

CBD e Regulação do Apetite: O que a ciência diz?

A regulação do apetite é um processo multifatorial que envolve a interação de sinais neuroendócrinos, metabólicos e imunológicos. Como já vimos, o sistema endocanabinoide  desempenha um papel central nesse equilíbrio, influenciando não apenas a fome e a saciedade, mas também a homeostase energética e o metabolismo lipídico.

Dentro desse contexto, o THC é amplamente reconhecido por sua ação orexígena, mediada pela ativação dos receptores canabinoides do tipo 1 no hipotálamo e em áreas corticolímbicas envolvidas no controle da ingestão alimentar. Esse efeito é a base do uso clínico do THC no manejo da caquexia e da anorexia em condições como câncer e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).

O canabidiol, por outro lado, apresenta um perfil farmacológico distinto, sem uma interação direta com CB1, mas com propriedades moduladoras do apetite que podem ser dependentes do contexto fisiopatológico do paciente. Estudos sugerem que o CBD pode atuar como agonista inverso do receptor CB1 em baixas concentrações, potencialmente reduzindo o apetite, enquanto sua influência sobre receptores serotoninérgicos (5-HT1A), vaniloides (TRPV1) e peroxissomos proliferadores ativados (PPARs) pode contribuir para a modulação da ingestão alimentar de maneira indireta.4

Uma revisão sistemática publicada em 2022, que analisou 11 ensaios clínicos randomizados, investigou o efeito do CBD no apetite em diferentes populações. Os resultados indicaram que indivíduos com maior índice de massa corporal (IMC) apresentaram uma tendência à redução do apetite após a administração de CBD. No entanto, os efeitos variaram significativamente entre subgrupos, com respostas heterogêneas observadas em pacientes com diabetes tipo 2 e transtornos psiquiátricos, nos quais o CBD levou a um aumento, redução ou ausência de impacto na fome.5

É importante ressaltar que a interpretação desses achados deve considerar o desenho metodológico dos estudos. Em muitos dos ensaios incluídos na revisão, o CBD foi administrado como terapia adjuvante a outros fármacos, como anticonvulsivantes (topiramato), que possuem efeitos anorexígenos bem documentados. Assim, é possível que parte do impacto do CBD no apetite tenha sido superestimada ou modulada pela presença dessas medicações concomitantes.5

Um ensaio clínico conduzido por Bar-Sela et al. (2019) avaliou o efeito da combinação de THC e CBD em pacientes oncológicos, relatando que 17,6% dos participantes experimentaram um aumento de peso de até 10% após o uso de cápsulas contendo 9,5 mg de THC + 0,5 mg de CBD duas vezes ao dia. Relatos subjetivos indicaram melhora do apetite, humor e redução da dor e fadiga, sugerindo que a combinação de canabinoides pode ter um papel potencialmente benéfico na caquexia associada ao câncer. Contudo, a presença do Δ9-THC na formulação impede conclusões definitivas sobre o efeito isolado do CBD no apetite.6

Conclusão

O CBD oferece um potencial terapêutico promissor no manejo da perda de apetite e da desnutrição, especialmente em pacientes com doenças crônicas. Seus efeitos moduladores no sistema endocanabinoide, embora complexos, podem representar uma estratégia inovadora para melhorar o estado nutricional e a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, a variabilidade das respostas individuais e a necessidade de mais estudos para esclarecer seus mecanismos de ação ressaltam a importância de continuar a pesquisa sobre esse composto para otimizar seu uso terapêutico.

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Referências

  1. MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  2. Kurtov M, Rubinić I, Likić R. The endocannabinoid system in appetite regulation and treatment of obesity. Pharmacol Res Perspect. 2024; 12:e70009. doi:10.1002/prp2.70009
  3. Verty ANA, Stefanidis A, McAinch AJ, Hryciw DH, Oldfield B. Anti-obesity effect of the CB2 receptor agonist JWH-015 in diet-induced obese mice. A Nadal, PLoS One. 2015; 10(11):e0140592.
  4. Pertwee RG. The diverse CB1 and CB2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids: delta9-tetrahydrocannabinol, cannabidiol and delta9-tetrahydrocannabivarin. Br J Pharmacol. 2008;153(2):199–215. doi: 10.1038/sj.bjp.0707442
  5. Pinto, Joaquim S, and Fátima Martel. “Effects of Cannabidiol on Appetite and Body Weight: A Systematic Review.” Clinical drug investigation vol. 42,11 (2022): 909-919. doi:10.1007/s40261-022-01205-y
  6. Bar-Sela, G., Zalman, D., Semenysty, V. & Ballan, E. The Effects of Dosage-Controlled Cannabis Capsules on Cancer-Related Cachexia and Anorexia Syndrome in Advanced Cancer Patients: Pilot Study. Integr. Cancer Ther: 18, 153473541988 149 (2019).
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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