As evidências científicas mostram uma estreita relação entre o uso de Cannabis medicinal e a melhora na qualidade de vida de pacientes com dor crônica. Alguns exemplos incluem enxaqueca, dor neuropática e dores ocasionadas pelo câncer.
Os efeitos adversos são mínimos em um contexto assertivo de prescrição. É disso que falaremos neste conteúdo, demonstrando a segurança e a eficácia dos derivados canabinoides em diferentes quadros clínicos.
Cannabis medicinal e qualidade de vida
Uma das principais queixas de quem sofre de dor crônica é a perceptível diminuição do bem-estar e da qualidade de vida, o que em muitos casos leva a sintomas psicoemocionais que agravam ainda mais os quadros.
Antiinflamatórios não esteroidais e derivados opioides, embora auxiliem pontualmente no controle da dor, não são medicações seguras para uso contínuo e frequentemente ocasionam efeitos adversos relevantes como irritação gastroduodenal, fadiga, constipação intestinal e eventos cardiovasculares.
Antidepressivos, ansiolíticos, anticonvulsivantes e relaxantes musculares também são medicações frequentemente utilizadas no contexto da dor crônica, e que não raras vezes, apresentam limitações de eficácia e toxicidade.
Nesse cenário, a Cannabis medicinal tem se mostrado uma alternativa promissora, pelo potencial de trazer resultados terapêuticos tanto na percepção da dor, como também, no combate aos sintomas comuns do paciente com dor crônica, a citar, insônia, ansiedade e fadiga, sem deflagrar efeitos adversos importantes.
É o que mostram diversas pesquisas científicas, a exemplo deste experimento realizado em 2020 por meio do Programa de Cannabis Medicinal da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
O experimento, conduzido por pesquisadores do Departamento de Farmácia da Universidade de Ciências da Filadélfia, incluiu 181 participantes que responderam o questionário de qualidade de vida EQ-5D. O EQ-5D compreende 5 dimensões como: mobilidade, autocuidado, atividades habituais, dor/desconforto e ansiedade/depressão e a partir disso cria uma pontuação no índice HRQoL (Health-related quality of life). Os participantes iniciaram o uso da Cannabis medicinal na primeira visita e responderam este questionário na primeira visita e após 2, 4 e 8 semanas.
Os resultados mostraram que a qualidade de vida aumentou consideravelmente entre a segunda e a oitava semana. Também houve melhora significativa nas pontuações de dor entre a primeira e quarta visita. Além de validarem o alívio da dor, as subescalas de pontuação indicaram também, um melhor controle nos quadros de ansiedade.
>> Veja aqui o estudo completo: Measuring the Change in Health-Related Quality of Life in Patients Using Marijuana for Pain Relief.
Combate à dor crônica e redução do uso de opioides
Um dos pontos de destaque na relação entre qualidade de vida e Cannabis medicinal é a possibilidade de reduzir o uso de opioides no combate à dor crônica. Temos em destaque o fitocanabinoide THC, devido ao seu potencial em modular as percepções desagradáveis relacionadas à dor, por ser um agonista parcial dos receptores endocanabinoides CB1, amplamente presentes no córtex sensitivo motor e na amígdala. Além disso, existe um efeito sinérgico na associação entre opioides e canabinoides, prevenindo o desenvolvimento da tolerância aos opioides, evitando a necessidade contínua de aumento da dosagem.
Diversos estudos evidenciam essa possibilidade, a exemplo desta pesquisa publicada em 2021 e conduzida por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Tel Aviv, em Israel.
No estudo, foram entrevistados 100 pacientes com dor crônica com idade entre 18-70 anos, dos quais 76 deles utilizavam regularmente medicamentos opioides. Destes, 93% diminuíram ou interromperam o uso de opioides após o início do tratamento com Cannabis medicinal.
>> Veja aqui o experimento completo: Risk and benefit of cannabis prescription for chronic non-cancer pain.
Ainda sobre a redução no uso de opioides, este estudo canadense publicado em 2021 também traz resultados promissores. O estudo foi realizado em 21 clínicas médicas do país, incluindo 1.145 pacientes que foram acompanhados por um período de 6 meses.
Os participantes eram em sua maioria do sexo feminino (57,6%), com média de idade de 52 anos. Do total de participantes, 28% faziam uso de opioides. Essa taxa caiu para 11% após 6 meses de tratamento com derivados canabinoides. Além disso, a dosagem média de opioides também foi reduzida de 152mg de morfina equivalente (MME) na linha de base para 32,2mg de MME após 6 meses, uma redução de 78%.
Esses resultados sugerem que a Cannabis medicinal, além de ser uma aliada na qualidade de vida desses pacientes, é uma ferramenta importante para a redução dos quadros de overdose e morte ocasionados pelo excesso de opioides.
>> Veja aqui o experimento completo: Cannabis Significantly Reduces the Use of Prescription Opioids and Improves Quality of Life in Authorized Patients: Results of a Large Prospective Study.
Alívio de dor crônica com Cannabis medicinal
Outros estudos sugerem o potencial terapêutico da Cannabis para tratar dores crônicas, como a dor associada a doenças osteodiscodegenerativas da coluna vertebral e a dor associada ao câncer.
No primeiro caso, os resultados vêm desta pesquisa norte-americana realizada com 214 pacientes que sofrem de dorsalgia e fizeram uso de canabidiol (CBD) como alternativa aos analgésicos convencionais. Destes, 66,7% relataram alívio na dor.
Também foram evidenciados resultados positivos para o combate à cervicalgia (37,0%), dor em membros inferiores (35,2%) e/ou dor em membros superiores (9,3%). Além disso, os usuários relataram melhora nos quadros de insônia (25,9%), ansiedade (20,4%) e no humor de forma geral (18,5%).
>> Veja aqui a pesquisa completa: Prevalence of Cannabidiol Use in Patients With Spine Complaints: Results of an Anonymous Survey.
Cannabis medicinal e dor oncológica
Em relação às dores associadas ao câncer, embora já existam outras evidências científicas a esse respeito, chama a atenção, alguns estudos que vêm sendo desenvolvidos na Argentina. Com a regulamentação da Lei 27.350 – que autorizou o autocultivo da Cannabis para fins medicinais, ampliando seu uso para além da epilepsia refratária – a pesquisa do uso de derivados canabinoides como adjuvante no contexto da dor oncológica ganhou novas dimensões.
Por iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Produtivo, um grupo de cientistas da Universidade Austral e do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) assinou um acordo com a estatal Cannava visando iniciar estudos pré-clínicos, que associam a Cannabis medicinal à redução da dor oncológica. Essa é a primeira pesquisa realizada na Argentina com óleo de Cannabis produzido no próprio país.
Todos sabemos o quão desafiador é o manejo da dor oncológica. Apesar de existir muitos métodos e medicamentos para amenizar a dor no paciente com câncer, com frequência, nos deparamos com resultados abaixo do esperado e com a ocorrência de efeitos colaterais importantes. Nesse sentido, é fundamental ter recursos adicionais como a Cannabis medicinal para alívio da dor e melhora na qualidade de vida desses pacientes.
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Referências
Lovecchio F, Langhans MT, Bennett T, Steinhaus M, Premkumar A, Cunningham M, Farmer J, Albert T, Huang R, Katsuura Y, Qureshi S, Schwab F, Sandhu H, Kim HJ, Lafage V, Iyer S. Prevalence of Cannabidiol Use in Patients With Spine Complaints: Results of an Anonymous Survey. Int J Spine Surg. 2021.
Lucas P, Boyd S, Milloy MJ, Walsh Z. Cannabis Significantly Reduces the Use of Prescription Opioids and Improves Quality of Life in Authorized Patients: Results of a Large Prospective Study. Pain Med. 2021.
Peterson A, Le C, Dautrich T. Measuring the Change in Health-Related Quality of Life in Patients Using Marijuana for Pain Relief. S. Karger AG, Basel, 2021.
Zloczower O, Brill S, Zeitak Y, Peles E. Risk and benefit of cannabis prescription for chronic non-cancer pain. J Addict Dis. 202.