Impacto do Canabidiol na qualidade de vida

Publicado em 09/12/24 | Atualizado em 09/12/24 Leitura: 24 minutos

Canabidiol (CBD)CanabinoidesDoenças

O canabidiol (CBD), um dos principais compostos bioativos presentes na planta Cannabis sativa, tem ganhado atenção significativa nas últimas décadas devido ao seu potencial terapêutico. Ao contrário do Δ9-tetraidrocanabinol (THC), o canabidiol não apresenta propriedades psicomiméticas, o que o torna uma opção terapêutica mais amplamente ajustável em diferentes contextos clínicos. Estudos recentes têm mostrado que o CBD pode oferecer benefícios significativos para diversas condições de saúde, atuando no alívio da dor, controle da ansiedade, melhora do sono e regulação do humor — fatores que influenciam diretamente a qualidade de vida dos pacientes. Neste post, iremos explorar em detalhes o impacto do canabidiol na qualidade de vida de pacientes portadores de transtornos crônicos e incapacitantes, com base nas evidências científicas mais recentes.

Mecanismos de Ação do CBD

O canabidiol é uma molécula que interage com diversos sistemas biológicos, oferecendo uma ampla gama de efeitos terapêuticos. Seus mecanismos de ação são complexos e multifacetados, não se limitando à interação direta com os receptores canabinoides CB1 e CB2. O CBD age predominantemente como modulador indireto de múltiplos alvos farmacológicos, incluindo o sistema endocanabinoide, sistemas serotoninérgicos, vaniloides, adenosinérgicos, entre outros.¹ 

Interação com o Sistema Endocanabinoide

O sistema endocanabinoide (SEC) é um complexo sistema de sinalização celular presente em todos os organismos vertebrados, desempenhando um papel crucial na regulação de diversas funções fisiológicas. O SEC é composto por três elementos principais: os receptores canabinoides, os endocanabinoides e as enzimas que sintetizam e degradam esses compostos. Os receptores canabinoides mais estudados são o CB1, predominantemente localizado no sistema nervoso central, e o CB2, encontrado principalmente nas células do sistema imunológico.¹

Distribuição dos Receptores CB1 e CB2 no corpo humano. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Distribuição dos Receptores CB1 e CB2 no corpo humano. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Os endocanabinoides, como a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), são moléculas lipídicas que agem como ligantes desses receptores, modulando processos como a neurogênese, a resposta imunológica, processos inflamatórios, regulação do apetite, dor e controle motor. Ao contrário de neurotransmissores convencionais, os endocanabinoides são sintetizados sob demanda e rapidamente degradados por enzimas específicas, como a FAAH (hidrolase de amida de ácido graxo) e a MAGL (lipase monoacilglicerol). A modulação desse sistema através de fitocanabinoides, como o THC e o CBD, pode influenciar a homeostase corporal, oferecendo potenciais terapias para condições como dor crônica, doenças inflamatórias crônicas, epilepsia e transtornos neuropsiquiátricos diversos.

O CBD atua como um modulador alostérico negativo do receptor CB1, o que reduz a eficácia da ativação desse receptor por agonistas como o THC.² Esse efeito é clinicamente relevante, pois explica a capacidade do CBD de mitigar os efeitos potencialmente psicotrópicos do THC, sem comprometer os benefícios terapêuticos desse fitocanabinoide. Em contextos clínicos, essa modulação pode ser vantajosa no tratamento de pacientes que precisam de alívio sintomático, sem experimentar potenciais efeitos psicotrópicos.

O CBD parece ter uma afinidade mais baixa pelos receptores CB2, porém, modula sua atividade de forma indireta, promovendo efeitos anti-inflamatórios e imunomoduladores.³ A ativação dos receptores CB2, amplamente distribuídos nas células imunológicas, contribui para a diminuição da produção de citocinas pró-inflamatórias, sendo relevante em condições inflamatórias crônicas, como artrite reumatoide e outras doenças autoimunes. O papel do CBD como modulador deste receptor pode ajudar a controlar processos inflamatórios sistêmicos e locais, além de influenciar a resposta imunológica como um todo.

Interação com o Sistema Serotoninérgico

O canabidiol exerce uma importante ação sobre o sistema serotoninérgico, contribuindo para seus efeitos ansiolíticos, antidepressivos e moduladores do humor. O sistema serotoninérgico é composto por uma vasta rede de neurônios que utilizam a serotonina (5-HT) como neurotransmissor, regulando diversas funções cerebrais, como humor, ansiedade, sono, apetite e percepção de dor. Entre os diversos subtipos de receptores de serotonina, o CBD interage especialmente com o receptor 5-HT1A, um receptor acoplado à proteína G, amplamente distribuído no sistema nervoso central e periférico.4

O CBD atua como um agonista parcial do receptor 5-HT1A, o que significa que ele pode ativar esse receptor de forma moderada, promovendo respostas farmacológicas específicas sem causar efeitos excessivos. A ativação desse receptor resulta na modulação de neurotransmissores e na inibição da liberação de outros mediadores químicos relacionados ao estresse e à ansiedade, como o cortisol e o glutamato. Alguns estudos indicam que essa interação é um dos principais mecanismos pelos quais o CBD exerce seus efeitos ansiolíticos, sendo particularmente eficaz em modelos de transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e ansiedade social.5

Para saber mais sobre a atuação da Cannabis no Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) acesse: Cannabis no tratamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) – WeCann Academy

Além disso, o 5-HT1A desempenha um papel central no controle da nocicepção (percepção da dor) e no comportamento emocional, o que explica os efeitos do CBD na modulação da dor neuropática e inflamatória, bem como na redução de sintomas depressivos. A capacidade do CBD de influenciar o sistema serotoninérgico torna-o uma alternativa promissora para pacientes com transtornos afetivos e de ansiedade, especialmente aqueles que não respondem adequadamente aos tratamentos tradicionais, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Dessa forma, o CBD oferece uma abordagem inovadora e potencialmente eficaz para o manejo de diferentes condições psiquiátricas e neurológicas, com um perfil de segurança favorável.

Ativação dos Receptores Vaniloides (TRPV1)

O canabidiol interage diretamente com os receptores vaniloides, particularmente o receptor TRPV1 (receptor potencial transitório vaniloide tipo 1), que desempenha um papel fundamental na regulação da dor, inflamação e temperatura corporal. O TRPV1 é um canal iônico não seletivo encontrado em neurônios sensoriais, especialmente aqueles envolvidos na nocicepção, o processo de detecção e resposta a estímulos dolorosos.

A ativação do TRPV1 pelo CBD ocorre de maneira dose-dependente, modulando a excitabilidade neuronal e a liberação de neurotransmissores envolvidos na percepção da dor e na inflamação. Quando ativado, ele permite a entrada de íons cálcio nas células, o que resulta em um aumento da excitabilidade neuronal e, consequentemente, na sensação de dor. O CBD, ao ativar o TRPV1, exercendo uma função bifásica: em doses mais baixas, pode promover uma ativação inicial do receptor, seguida por uma dessensibilização prolongada, resultando na redução da excitabilidade neuronal e, portanto, da percepção da dor. Esse efeito é especialmente importante em condições de dor crônica e inflamatória, como neuropatia e artrite, onde o TRPV1 tem um papel central na amplificação das respostas de dor.

Para saber mais sobre o uso da Cannabis medicinal no tratamento de Dores Crônicas acesse: Cannabis no manejo da Dor Crônica – WeCann Academy

Inibição da Degradação da Anandamida (AEA)

Uma das principais funções potencialmente terapêutica do canabidiol é o seu efeito modulador sobre o sistema endocanabinoide, em parte, por meio da inibição da degradação da anandamida (AEA), um dos principais endocanabinoides do organismo. A anandamida, muitas vezes chamada de “molécula da felicidade”, é um ligante endógeno dos receptores canabinoides CB1 e CB2, que desempenha um papel crucial na regulação de funções fisiológicas vitais como dor, humor, apetite, memória e inflamação.¹

A anandamida é rapidamente degradada pela enzima hidrolase de amida de ácido graxo (FAAH), que converte esse endocanabinoide em ácido araquidônico e etanolamina, limitando sua disponibilidade e, consequentemente, sua ação sobre os receptores canabinoides. O CBD, embora não atue diretamente como inibidor enzimático clássico, é capaz de reduzir a atividade da FAAH, retardando a degradação da anandamida, prolongando, assim, sua presença no organismo. Esse mecanismo de inibição indireta da FAAH pelo CBD aumenta os níveis endógenos de anandamida no cérebro e em outros tecidos, potencializando os efeitos benéficos desse endocanabinoide. 

Para saber mais sobre o papel da Anandamida acesse: Anandamida: neurotransmissor da felicidade (wecann.academy)

Canabidiol e Qualidade de Vida

O canabidiol é amplamente reconhecido por seu potencial terapêutico em diversas condições clínicas. Ao longo dos anos, o CBD tem ganhado destaque em ensaios clínicos e estudos pré-clínicos como uma opção terapêutica segura e eficaz. Seus mecanismos de ação envolvem a modulação de importantes sistemas neuroquímicos como o endocanabinoide, serotoninérgico e vaniloide, influenciando respostas relacionadas à dor, inflamação, ansiedade e estados diversos de hiperexcitabilidade neuronal. A seguir, exploramos algumas condições clínicas crônicas, refratárias e frequentemente incapacitantes, nas quais o uso do CBD apresenta evidências científicas qualificadas e têm demonstrado melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes.

Epilepsia Refratária

A epilepsia refratária ocorre quando os tratamentos convencionais não conseguem controlar adequadamente as crises convulsivas, afetando de forma significativa a saúde e qualidade de vida dos pacientes. O canabidiol atua no sistema nervoso central por meio de múltiplos mecanismos que estão relacionados à inibição da excitabilidade neuronal e à redução da inflamação no cérebro. Diferente dos anticonvulsivantes tradicionais, o CBD não se liga diretamente aos receptores GABAérgicos, mas influencia indiretamente os circuitos neuronais que controlam a propagação das crises, tornando-se uma alternativa potencialmente eficaz em casos resistentes às drogas antiepilépticas tradicionais.

Evidências robustas sustentam o uso do CBD no tratamento da epilepsia refratária. Estudos clínicos randomizados, como o publicado no New England Journal of Medicine, demonstram que o CBD reduziu significativamente as crises convulsivas em pacientes com síndrome de Dravet. No estudo, pacientes tratados com CBD tiveram uma redução média de 39% na frequência das crises em comparação com apenas 13% no grupo placebo.6 Essas descobertas levaram à aprovação do Epidiolex®, o primeiro medicamento à base de CBD aprovado por agências regulatórias como a FDA (Food and Drug Administration), EMA (Agência Europeia de Medicamentos) e ANVISA, evidenciando seu ótimo perfil de segurança e eficácia no tratamento de síndromes epilépticas graves, e reforçando sua posição como uma das melhores opções terapêuticas nas epilepsias refratárias.7

O impacto do canabidiol na qualidade de vida de pacientes com epilepsia refratária é significativo, especialmente para aqueles cujas crises convulsivas não respondem aos tratamentos convencionais. Ao reduzir de forma expressiva a frequência e a intensidade das crises convulsivas, o CBD não apenas melhora o controle da condição, mas também transforma profundamente a saúde física e mental dos pacientes. Ele minimiza os riscos de complicações graves, como traumas e hospitalizações frequentes. Além disso, a estabilização do quadro clínico possibilita que esses indivíduos retomem atividades diárias, cultivem relacionamentos sociais e redescubram sua autonomia, promovendo um bem-estar geral. Essa mudança não é apenas clínica; é um salto na dignidade e na perspectiva de vida desses pacientes e de suas famílias.

Para saber mais sobre o uso do Canabidiol nas Síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa acesse: Canabidiol nas Síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa – WeCann Academy

Transtornos de Ansiedade

O uso do canabidiol no tratamento de transtornos de ansiedade tem ganhado destaque devido aos seus diferentes mecanismos de ação sobre o sistema nervoso central. O CBD atua principalmente modulando os receptores serotoninérgicos 5-HT1A, que estão diretamente envolvidos na regulação do humor e da resposta ao estresse. Além disso, o CBD interage com os receptores canabinoides CB1, que desempenham um papel crucial na modulação da liberação de neurotransmissores e na redução da excitabilidade neuronal. Essa ação combinada promove uma regulação mais eficiente dos circuitos neuronais associados às respostas ao estresse e à ansiedade, resultando em uma diminuição da hiperatividade do sistema nervoso em situações de estresse agudo ou crônico. 

Evidências clínicas respaldam a eficácia do CBD na redução da ansiedade. Em um ensaio clínico randomizado duplo-cego realizado no Brasil com 57 indivíduos saudáveis, foi observado que o CBD apresentou uma curva de dose-resposta em forma de U durante um teste simulado para falar em público. O pré-tratamento com 300mg de CBD reduziu significativamente a ansiedade durante o teste, enquanto doses menores (150mg) e maiores (600mg) não mostraram diferenças estatísticas em comparação ao placebo. Essa evidência não apenas reforça o potencial terapêutico do CBD, mas também indica que a dose apropriada é crucial para otimizar seus efeitos terapêuticos.8

O impacto que o canabidiol gera na qualidade de vida de pacientes com transtornos de ansiedade é notável, especialmente para aqueles que enfrentam dificuldades em controlar os sintomas com tratamentos convencionais. Ao regular os circuitos neuronais associados ao estresse e à ansiedade, o CBD promove uma redução significativa na hiperatividade do sistema nervoso, ajudando os pacientes a enfrentarem situações de estresse com maior calma e controle emocional. O uso do CBD não apenas melhora o bem-estar mental, mas também possibilita uma retomada das atividades diárias com mais confiança, promovendo maior qualidade de vida e equilíbrio emocional.

Para saber mais sobre a atuação dos canabinoides no transtorno de ansiedade acesse : O papel dos canabinoides no tratamento da ansiedade

Dor Crônica

O manejo da dor crônica é uma área em que o canabidiol  tem se mostrado muito promissor, especialmente para pacientes que não obtêm alívio adequado com analgésicos convencionais, como opioides e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). O CBD atua em diversas vias relacionadas à nocicepção, não apenas inibindo a transmissão de sinais dolorosos, mas também modulando a liberação de neurotransmissores como a anandamida, que está relacionada à percepção da dor e ao controle de processos inflamatórios diversos. Além disso, o CBD possui propriedades anti-inflamatórias que podem auxiliar na redução da dor associada a condições como dor neuropática, fibromialgia e osteoartrite. Ao agir sobre múltiplos alvos neuroquímicos, o CBD proporciona um alívio mais abrangente e eficaz, ao mesmo tempo em que evita os efeitos colaterais indesejados frequentemente associados ao uso de opioides, como sedação excessiva e risco de dependência.

Evidências científicas corroboram a eficácia do CBD no tratamento da dor crônica, como um estudo prospectivo conduzido por Bar-Lev Schleider et al. (2022), que envolveu mais de 10.000 pacientes, dos quais 80% apresentavam dor crônica e distúrbios do sono como queixas principais. Após seis meses de tratamento com cannabis medicinal, 74,7% dos 4.166 pacientes avaliados relataram uma melhoria significativa na intensidade da dor, com 64,3% indicando uma redução de 30% ou mais nos níveis de dor, e 47,2% relatando uma melhora superior a 50%. Antes do tratamento, 62% dos pacientes classificavam sua dor entre 8 e 10 na escala de intensidade, mas após seis meses de uso do CBD, apenas 5% continuavam reportando essa intensidade de dor. 9

Além da diminuição substancial da dor, os pacientes também relataram melhorias em sintomas associados, como acessos de raiva (91,5%), inquietação (89,5%), transtornos do sono (89,1%) e náuseas (88,9%). Essas melhorias culminaram em um aumento significativo da qualidade de vida, com 69,9% dos pacientes classificando sua qualidade de vida como “Boa” após o tratamento, em comparação com apenas 12,9% antes de iniciar o uso de cannabis. Esses resultados fortalecem o papel do CBD como uma alternativa terapêutica segura e eficaz no manejo da dor crônica e sintomas concomitantes, além de ressaltar seu potencial para melhorar a qualidade de vida de pacientes que não obtêm resultados satisfatórios com tratamentos convencionais.9

Para saber mais sobre o papel da cannabis no manejo da dor crônica acesse: https://wecann.academy/cannabis-no-manejo-da-dor-cronica/ 

Distúrbios do Sono

Os distúrbios do sono frequentemente comprometem a qualidade de vida dos pacientes, por estarem associados à redução do status funcional diário, maior incidência de distúrbios psiquiátricos, surgimento e agravamento de problemas de saúde diversos, além de elevar riscos de acidentes de tráfego e absenteísmo no trabalho.

O canabidiol tem se destacado como uma opção terapêutica promissora para melhorar a qualidade e a duração do sono, graças às suas propriedades ansiolíticas e analgésicas. O CBD influencia o ciclo sono-vigília principalmente ao interagir com os receptores de adenosina, que desempenham um papel crucial na indução do sono e na regulação dos estados de alerta. Além disso, ao modular receptores canabinoides como CB1 e TRPV1, o CBD pode reduzir a atividade neuronal excessiva, promovendo o relaxamento muscular e diminuindo a percepção da dor, ambos fatores essenciais para facilitar o início e a manutenção do sono. Dessa forma, o CBD atua de maneira multifatorial, abordando as causas subjacentes dos distúrbios do sono.

Evidências científicas reforçam a eficácia do CBD no tratamento de distúrbios do sono. Uma série de casos avaliou os efeitos do CBD nos sintomas de ansiedade e distúrbios do sono em 103 pacientes adultos. Os resultados mostraram que, após o primeiro mês de tratamento, os escores de ansiedade diminuíram em 79,2% e permaneceram reduzidos durante os três meses de estudo. Os escores de sono melhoraram em 66,7% dos pacientes no primeiro mês, embora tenha havido variações ao longo do acompanhamento. A maioria dos pacientes utilizou doses de 25 mg de CBD por dia, administradas em cápsulas. Nos casos em que a ansiedade era o sintoma predominante, o CBD foi administrado pela manhã, enquanto para distúrbios do sono, a dose foi administrada à noite. Alguns pacientes receberam doses maiores, de 50 ou 75 mg por dia, com boa tolerabilidade e eficácia contínua.10

Para saber mais sobre o uso de Cannabis no tratamento de distúrbios do sono acesse: Cannabis no tratamento dos Distúrbios do Sono: mecanismos, evidências e desafios terapêuticos – WeCann Academy

Doença de Alzheimer

O canabidiol tem se destacado como uma substância com potencial neuroprotetor em doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer (DA). O CBD exerce uma série de efeitos biológicos que podem retardar a progressão da DA, sendo sua capacidade de modular a neuroinflamação um dos mecanismos mais relevantes. A neuroinflamação, frequentemente observada na DA, ocorre devido à ativação crônica da micróglia, o que contribui para a degeneração neuronal. O CBD, ao interagir com os receptores canabinoides CB2, presentes em células imunológicas do sistema nervoso central, pode atenuar essa resposta inflamatória, preservando a função neuronal. 

Além disso, o CBD é conhecido por suas propriedades antioxidantes, que neutralizam o estresse oxidativo causado pelo excesso de espécies reativas de oxigênio (EROs), mais um fator chave na progressão da DA. Outro benefício potencial do CBD inclui a promoção da neurogênese e a preservação da plasticidade sináptica, processos essenciais para a memória e aprendizado, que estão prejudicados em pacientes com Alzheimer. Embora ainda não exista uma terapêutica à base de CBD aprovada para a DA, os estudos iniciais indicam um papel promissor desse derivado canabinoide no manejo da doença.

Um estudo recente conduzido por Hermush et al. (2022) oferece evidências que reforçam o potencial terapêutico do CBD em pacientes com demência. Neste ensaio clínico randomizado, realizado em Israel, foi avaliado o uso de um óleo de cannabis rico em CBD (contendo 30% de CBD e 1% de THC) em pacientes com demência. O estudo demonstrou uma redução significativa na agitação psicomotora dos pacientes tratados com o óleo de CBD em comparação com aqueles que receberam placebo.11 

A agitação é um sintoma comum e debilitante em pacientes com demência, e sua melhora sugere que o CBD pode ter um impacto positivo tanto nos sintomas comportamentais quanto nos sintomas cognitivos da doença. Além disso, os efeitos colaterais observados foram majoritariamente leves e de curta duração, indicando um perfil de segurança aceitável para esse tipo de intervenção.11 Esses achados fortalecem o uso do CBD como uma opção viável e segura para aliviar sintomas neuropsiquiátricos em pacientes com DA e outras formas de demência, melhorando assim a qualidade de vida desses pacientes.

Além disso, o tratamento com canabidiol tem demonstrado impacto promissor na gestão dos sintomas comportamentais e psicológicos associados à Doença de Alzheimer, particularmente em estágios graves. Estudos-piloto destacaram os efeitos positivos de formulações contendo 15 mg de THC isolado por dia e uma combinação de 9 mg de THC com 18 mg de CBD diários.  Os resultados demonstraram que o tratamento foi bem tolerado pelos pacientes, sem efeitos adversos significativos, o que é fundamental se tratando de pacientes com demência grave. Além disso, observaram-se melhorias notáveis nas alterações comportamentais frequentemente associadas à DA, como agitação, agressividade e ansiedade, que impactam negativamente a qualidade de vida dos pacientes e aumentam a sobrecarga dos cuidadores.12,13

Além dos benefícios comportamentais, o tratamento também foi eficaz na redução da rigidez muscular, um sintoma físico comum em pacientes nos estágios avançados da DA, que pode limitar a mobilidade e aumentar o risco de complicações secundárias, como úlceras por pressão e infecções. Outro aspecto relevante foi a melhora na realização dos cuidados diários, como a higiene pessoal e a alimentação, permitindo maior facilidade para cuidadores e aumentando a dignidade do paciente. Esses achados reforçam o potencial dos canabinoides, como o CBD, para não apenas aliviar os sintomas comportamentais e físicos da DA, mas também melhorar a qualidade de vida global, oferecendo uma alternativa terapêutica viável para pacientes cujas opções de tratamento são frequentemente limitadas.12,13

Transtornos do Espectro Autista (TEA)

O canabidiol tem emergido como uma terapia potencialmente benéfica para o manejo de sintomas comportamentais em pacientes com Transtornos do Espectro Autista. O TEA é caracterizado por uma ampla gama de sintomas, incluindo irritabilidade, agressividade, ansiedade e distúrbios do sono, além de dificuldades na interação social. O CBD exerce seu efeito principalmente através da modulação dos sistemas endocanabinoide e serotoninérgico, que estão implicados na regulação do humor, ansiedade e resposta ao estresse. Ao ativar os receptores canabinoides CB1 e CB2 e os receptores serotoninérgicos 5-HT1A, o CBD pode reduzir a excitabilidade neuronal, diminuindo a irritabilidade e a agressividade frequentemente observadas em indivíduos com TEA. Adicionalmente, o CBD também é conhecido por sua ação anticonvulsivante, um benefício relevante considerando que crises epilépticas são comuns em pacientes com TEA, melhorando tanto a qualidade de vida do paciente quanto de seus cuidadores.

Evidências clínicas têm respaldado a eficácia do CBD no tratamento de sintomas associados ao TEA. Um estudo realizado que analisou 53 pacientes, predominantemente do sexo masculino (85%) e com idade mediana de 11 anos, avaliou o uso de cannabis medicinal em um acompanhamento médio de 66 dias. As doses diárias medianas de THC e CBD foram de 7 mg e 90 mg, respectivamente. Após a administração de canabidiol, observou-se uma melhora significativa nos sintomas em 68,4% das 38 crianças com hiperatividade, enquanto 67,6% dos 34 casos de automutilação relataram redução dos sintomas. 14

Adicionalmente, a análise dos dados revelou que 71,4% dos 21 pacientes com problemas de sono relataram melhorias significativas após o tratamento com canabidiol, enquanto 47,1% das crianças com sintomas de ansiedade também apresentaram progresso. Embora essas melhorias não tenham alcançado diferenças estatisticamente significativas em comparação com os tratamentos convencionais, os resultados ainda são encorajadores, sugerindo um potencial promissor para o uso do canabidiol. Quanto aos efeitos adversos, foram mais frequentemente registrados casos de sonolência (n = 12) e diminuição do apetite (n = 6), ambos considerados transitórios e que se resolveram sem intervenções adicionais. Esses dados reforçam a evidência da eficácia do CBD como uma opção terapêutica valiosa no manejo dos sintomas do Transtorno do Espectro Autista, especialmente em situações em que os tratamentos tradicionais demonstram ser insuficientes.14

Conclusão

O impacto do CBD na qualidade de vida é notável, com evidências emergentes sugerindo que essa terapêutica pode beneficiar uma ampla gama de condições clínicas, incluindo dor crônica, distúrbios do sono, ansiedade, epilepsia e doenças neurodegenerativas. Além disso, seus efeitos neuroprotetores e ansiolíticos contribuem para a saúde mental e física, proporcionando uma melhora significativa na vida dos pacientes. Embora mais estudos clínicos sejam necessários, o futuro do CBD na medicina parece bastante promissor, com potencial para melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas portadoras de transtornos crônicos, refratários e incapacitantes ao redor do mundo.

Nesse contexto, é essencial que os médicos se mantenham informados e busquem conhecimento em fontes confiáveis sobre o potencial terapêutico da cannabis medicinal, especialmente em condições refratárias e debilitantes. A WeCann se destaca como referência internacional em educação médica nessa área, proporcionando informações técnicas baseadas em evidências científicas e apoiando a comunidade médica na tomada de decisões responsáveis e bem fundamentadas. Com conteúdos técnicos de alta qualidade, como o Tratado de Medicina Endocanabinoide, a WeCann capacita médicos de todo o mundo para atualizar seus conhecimentos e aplicar as terapêuticas à base de cannabis de maneira segura e eficaz, contribuindo para a melhora da qualidade de vida dos pacientes.

 

Referências

  1. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  2. Thakur, G., Nikas, S. & Makriyannis, A. CB1 Cannabinoid Receptor Ligands. Mini-Rev, Med, Chem. 5, 631-640 (2005).
  3. Morales, P, Hurst, D, P, & Reggio, P, H. Molecular Targets of the Phytocannabinoids: A Complex Picture in Phytocannabinoids (eds. Kinghorn, A. D., Falk, H., Gibbons, S, & Kobayashi, J.) vol. 103 103-131 (Springer International Publishing, 2017).
  4. de Almeida, D. L. & Devi, L. A. Diversity of molecular targets and signaling pathways for CBD. Pharmacol. Res, Perspect. 8, e00682 (2020).
  5. Linares, I. M., Zuardi, A. W., Pereira, L. C., Queiroz, R. H., Mechoulam, R., Guimarães, F. S., & Crippa, J. A. (2019). Cannabidiol apresenta uma curva de resposta em forma de U invertida em um teste simulado de fala pública. *Revista Brasileira de Psiquiatria*. Brazilian Psychiatric Association. doi:10.1590/1516-4446-2017-0015.
  6. Devinsky, O, et al, Trial of Cannabidiol for Drug- Resistant Seizures in the Dravet Syndrome. N. Engl. J. Med. 376, 201 1-2020 (2017).
  7. FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. *FDA Approves First Drug Comprised of an Active Ingredient Derived from Marijuana to Treat Rare, Severe Forms of Epilepsy*. 2018. Disponível em: https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-approves-first-drug-comprised-active-ingredient-derived-marijuana-treat-rare-severe-forms. Acesso em: 24 set. 2024.
  8. Linares, I M. et al. Cannabidiol presents an inverted U-shaped dose-response curve in a simulated public speaking test. Braz. J. Psychiatry 41, 9-14 (2019).
  9. Bar-Ley Schleider, L., Mechoulam, R., Sikorin, I., Naftali, T. & Novack, V. Adherence, Safety, and Effectiveness of Medical Cannabis and Epidemiological Characteristics of the Paticnt Population: A Prospective Study. Front. Med. 9, 827849 (2022).
  10. Shannon, S. Cannabidiol in Anxiety and Sleep: A Large Case Scries. Perm. J. 23, (2019).
  11. Hermush, V. et al. Effects of rich cannabidiol oil on behavioral disturbances in patients with dementia: A placebo controlled randomized clinical trial. Front, Med. 9, 951889 (2022).
  12. Broers, B. et al. Prescription of a THC/CBD-BasedMedication to Patients with Dementia: A PilotStudy in Geneva. Med. Cannabis Cannabinoids 2,56–59 (2019). 
  13. Shelef, A. et al. Safety and Efficacy of MedicalCannabis Oil for Behavioral and PsychologicalSymptoms of Dementia: An-Open Label, Add-On,Pilot Study. J. Alzheimers Dis. 51, 15–19 (2016).
  14. Barchel, D. et al. Oral Cannabidiol Use in ChildrenWith Autism Spectrum Disorder to Treat RelatedSymptoms and Co-morbidities. Front. Pharmacol.9, 1521 (2019).

Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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