O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é uma condição psiquiátrica complexa que afeta uma parte significativa da população mundial, com prevalência estimada entre 2% e 3%. Geralmente, o TOC se manifesta entre os 22 e 36 anos e é caracterizado por pensamentos obsessivos intrusivos e comportamentos compulsivos ritualísticos. Esses sintomas frequentemente causam angústia e interferem na funcionalidade cotidiana dos pacientes. Apesar das opções terapêuticas atuais, como psicoterapia cognitivo-comportamental e medicamentos, muitos indivíduos ainda lutam para controlar completamente seus sintomas. Nesse cenário, a cannabis tem emergido como uma possível alternativa terapêutica. No post de hoje vamos explorar o potencial do uso da cannabis medicinal no tratamento complementar do TOC, com base nas evidências científicas atuais.
Transtorno Obsessivo-Compulsivo
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma condição psiquiátrica crônica e complexa que afeta uma parte significativa da população global. O TOC é caracterizado por obsessões, pensamentos intrusivos e recorrentes que causam ansiedade, e compulsões, comportamentos repetitivos que intencionam reduzir essa ansiedade. As obsessões e compulsões são frequentemente interligadas, com os comportamentos compulsivos sendo executados como uma forma de prevenir ou mitigar eventos temidos, mesmo que essas ações sejam desproporcionais em relação à ameaça real.¹
- Obsessões: são pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos e persistentes que causam uma ansiedade intensa ou desconforto. Estes pensamentos são frequentemente percebidos como perturbadores e fora do controle do indivíduo. Exemplos incluem preocupações obsessivas com contaminação, dúvidas incessantes sobre a segurança de portas trancadas ou a possibilidade de causar dano a outros.
- Compulsões: são comportamentos ou atos mentais repetitivos, que o indivíduo sente que deve realizar para reduzir a ansiedade provocada pelas obsessões ou para prevenir algum evento temido. Esses comportamentos podem incluir lavar as mãos repetidamente, verificar repetidamente se a porta está trancada, ou contar objetos em uma ordem específica, por exemplo.
Esses comportamentos ritualísticos são frequentemente desproporcionais em relação à ameaça real que tentam evitar e são reconhecidos pelo indivíduo como excessivos ou irracionais. No entanto, a incapacidade de controlar essas ações frequentemente resulta em angústia significativa e interferência na vida cotidiana.
Os tratamentos convencionais para o TOC incluem psicoterapia cognitivo-comportamental (PCC), especificamente a terapia de exposição e prevenção de resposta (EPR), e farmacoterapia. Os medicamentos mais utilizados são os antidepressivos, como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e a clomipramina, um antidepressivo tricíclico.¹ Quando a resposta é insatisfatória, é comum acrescentar ao tratamento, medicamentos antipsicóticos como haloperidol, risperidona, quetiapina e aripriprazol. No entanto, muitos pacientes não respondem adequadamente a esses tratamentos, e os efeitos colaterais, como alterações metabólicas, do sono e do humor podem ser significativos. Como resultado, há uma necessidade de buscar novas abordagens terapêuticas que possam oferecer alívio mais eficaz e menos efeitos adversos.
O Sistema Endocanabinoide e o TOC
O sistema endocanabinoide (SEC) é um componente fundamental na regulação de diversas funções neurobiológicas, influenciando significativamente o humor, a ansiedade e o comportamento. Este sistema é composto por três elementos principais: os receptores canabinoides (CB1 e CB2), os endocanabinoides e as enzimas responsáveis pela síntese e degradação desses compostos.² No cérebro, o SEC está amplamente distribuído em áreas envolvidas no circuito córtico-estriado-tálamo-cortical (CSTC), uma rede neural crucial para o planejamento motor e a modulação das respostas emocionais.³
O circuito CSTC é essencial para o controle do comportamento e da resposta emocional, e suas disfunções têm sido associadas a diversas patologias neuropsiquiátricas, incluindo o Transtorno Obsessivo-Compulsivo. O SEC pode influenciar a atividade desse circuito por meio da regulação da neurotransmissão glutamatérgica, GABAérgica, dopaminérgica e serotoninérgica, neurotransmissores que desempenham papéis críticos no funcionamento do CSTC.³
Estudos recentes têm demonstrado que o SEC exerce um impacto significativo na modulação das respostas de estresse e ansiedade, que são componentes centrais dos sintomas do TOC. A presença dos receptores CB1 e CB2 em regiões cerebrais relacionadas ao circuito CSTC sugere que o SEC pode alterar a função desse circuito, potencialmente influenciando tanto os sintomas obsessivos quanto os comportamentos compulsivos característicos do TOC.
Pesquisas pré-clínicas utilizando modelos animais têm fornecido evidências de que os canabinoides podem ter efeitos benéficos na modulação de sintomas associados ao TOC. O Teste do Enterramento de Esferas Vítreas (Marble Burying Test, MBT) é um dos modelos experimentais frequentemente utilizados para avaliar comportamentos compulsivos. Resultados de estudos com esse modelo têm mostrado que a administração de derivados canabinoides pode reduzir significativamente o comportamento compulsivo e a ansiedade associada, indicando que os compostos canabinoides podem exercer um efeito modulador positivo sobre os sintomas do TOC.³
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Evidências científicas
Embora os estudos diretos sobre o efeito do CBD no TOC sejam limitados, há evidências emergentes que sugerem que os derivados de cannabis podem ser úteis no manejo de sintomas relacionados ao TOC, como ansiedade e comportamentos repetitivos.
Um dos primeiros estudos a investigar o potencial dos canabinoides no TOC foi um relato de caso publicado em 2008. Este estudo focou em dois pacientes com diagnóstico de TOC que foram tratados com dronabinol, um derivado sintético do tetrahidrocanabinol (THC). Os pacientes receberam doses de dronabinol variando entre 10 mg administrados de 2 a 3 vezes ao dia, em adição aos seus tratamentos habituais. Os resultados mostraram melhorias significativas nos sintomas obsessivos e compulsivos, destacando o potencial do dronabinol para aliviar aspectos específicos do TOC.4
Em 2011, foi realizado um estudo focado em tricotilomania, um transtorno impulsivo-compulsivo caracterizado pela necessidade irresistível de puxar os próprios cabelos, resultando em perda visível de cabelo e danos ao couro cabeludo e outras áreas do corpo. Este transtorno compartilha características com o TOC, como comportamentos repetitivos e dificuldades em controlar esses impulsos. O estudo avaliou o impacto do dronabinol, um derivado sintético do THC, em pacientes com tricotilomania, administrando doses médias de 11,6 mg/dia. Os pesquisadores concluíram que o dronabinol foi bem tolerado e levou a uma redução significativa nos sintomas relacionados, incluindo a compulsão de puxar os cabelos.5 Esses resultados sugerem que o dronabinol pode ter eficácia em transtornos compulsivos, o que pode ter implicações para o tratamento do TOC, dada a similaridade nos mecanismos comportamentais e neurológicos entre os dois transtornos.
Um estudo piloto realizado entre 2017 e 2019 para avaliar o impacto da nabilona — um análogo sintético do THC — no tratamento do TOC, tanto isoladamente quanto combinado com terapia cognitivo-comportamental. Os participantes receberam doses de nabilona que variavam de 0,25 mg a 1 mg, administradas duas vezes ao dia. Os resultados mostraram que a nabilona isolada teve um impacto limitado nos sintomas do TOC. No entanto, quando a nabilona foi combinada com a terapia de exposição e prevenção de resposta (EPR), houve melhorias significativas nos sintomas obsessivos e compulsivos. Esse achado sugere que a nabilona pode ter um efeito complementar quando usada em conjunto com intervenções comportamentais, possivelmente potencializando os resultados terapêuticos.6
Um outro estudo de 2021 investigou o impacto da inalação de cannabis ao longo do tempo em 87 indivíduos com TOC. O estudo utilizou um aplicativo para rastrear mudanças nos sintomas em função de diferentes doses e quimiovariantes de cannabis durante 31 meses. Os participantes relataram reduções significativas nas compulsões (60%), nas intrusões (49%) e na ansiedade (52%) após o uso de cannabis.7 Os dados sugerem que doses mais altas e maiores proporções de CBD estão associadas a maiores reduções dos sintomas. Embora o estudo apresente limitações, como a falta de um grupo controle e possíveis vieses na autorrelato dos participantes, os resultados indicam um potencial terapêutico significativo da cannabis no manejo dos sintomas do TOC.
Em conjunto, os dados até o momento, oferecem uma base promissora para a investigação dos derivados canabinoides como opções terapêuticas complementares para o TOC, indicando que, embora mais pesquisas sejam necessárias para confirmar e expandir essas descobertas, os canabinoides possuem um potencial considerável para melhorar o manejo dos sintomas obsessivos e compulsivos. A combinação de canabinoides com outros fármacos e a psicoterapia podem contribuir para avanços significativos no tratamento do TOC.
Conclusão:
O tratamento do TOC enfrenta desafios relevantes devido à complexidade da condição e à limitada eficácia das terapias convencionais para muitos pacientes. Nesse contexto, a cannabis tem se destacado como uma alternativa complementar promissora. A evidência emergente sugere que os compostos canabinoides podem oferecer benefícios na modulação dos sintomas obsessivos e compulsivos, possivelmente através da interação com o sistema endocanabinoide e a regulação de neurotransmissores no circuito córtico-estriado-tálamo-cortical.
Nesse contexto, é fundamental que os médicos se mantenham atualizados sobre os avanços no uso terapêutico da cannabis medicinal para oferecerem a melhor abordagem terapêutica aos seus pacientes. A WeCann desempenha um papel fundamental ao fornecer conteúdos técnicos de qualidade sobre cannabis medicinal, baseados em alto rigor científico. Dessa maneira, a WeCann contribui para a incorporação segura da cannabis na prática clínica, e promove uma abordagem mais assertiva e personalizada para os pacientes que sofrem com transtornos crônicos, refratários e incapacitantes como o TOC.
Referências
- Casarotto, P, C., Gomes, F. V. & Guimaracs, F.S Cannabinoids and obsessive-compulsive disorder. in Cannabinoids in Neurologic and Mental Disease 365-387 (Elsevier, 2015). doi:10.1016/B978-0-12 417041-4.000 15-1.
- MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
- Kayser, R. R. Snorrason, I, Haney, M., Lee, F.S.& Simpson, H. B. The Endocannabinoid System: A New Treatment Target for Obsessive Compulsive Disorder? Cannabis Cannabinoid Res. 4, 77-87 (2019).
- Schindler, F., Anghelescu, I., Regen, F. & Jockers- Scherubl, M. Improvement in Refractory Obsessive Compulsive Disorder With Dronabinol. Am. J. Psychiatry 165, 536-537 (2008).
- Grant, J. E., Odlaug, B. L., Chamberlain, S. R. & Kim, S. W. Dronabinol, a cannabinoid agonist, reduces hair pulling in trichotillomania: a pilot study. Psychopharmacology (Berl.) 218, 493-502 (2011).
- Kayser, R. R. et al. Cannabinoid Augmentation of Exposure-Based Psychotherapy for Obsessive- Compulsive Disorder. J. Clin. Psychopharmacol, 40, 207-210 (2020).
- Mauzay, D., LaFrance, E. M. & Cuttler, C. Acute Effects of Cannabis on Symptoms of Obsessive- Compulsive Disorder. J. Affect. Disord. 279, 158- 163 (2021).