O que é a Medicina Endocanabinoide e por que você precisa se atualizar


Na segunda metade do século XX, as descobertas em torno do
Sistema Endocanabinoide (SEC) impulsionaram uma série de estudos sobre a Cannabis enquanto moduladora desse sistema vital, contextualizando as propriedades terapêuticas da planta em diversas situações clínicas. Desde então, as pesquisas científicas em torno da Medicina Endocanabinoide vêm se consolidando em várias partes do mundo. 

No Brasil, embora o assunto ainda esteja cercado de desentendimentos e estigmas, a Medicina Endocanabinoide ganhou força com o avanço da legislação a respeito. 

Em 2020, entrou em vigor a Resolução 327 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que orienta sobre o processo de regularização de produtos de Cannabis para fins medicinais.

 

>> Leia o post sobre Cannabis e Anvisa: o que pode e o que não pode no Brasil

 

Nesse contexto, muitos médicos e outros profissionais da área da saúde viram a necessidade de se atualizar sobre o tema. Afinal, os derivados canabinoides demonstram ser uma ferramenta terapêutica indispensável na Medicina do Futuro.

Pensando nisso, preparamos este conteúdo que explica o que é a Medicina Endocanabinoide, quais oportunidades ela traz e quais são suas principais aplicações. No material, você verá:

  • O que é a Medicina Endocanabinoide
  • Oportunidades da Medicina Endocanabinoide
  • Sistema Endocanabinoide
  • Principais aplicações nas especialidades médicas

O que é a Medicina Endocanabinoide

O uso da Cannabis para fins medicinais tem origem milenar, apesar de que até meados do século passado pouco se compreendia sobre o assunto. Foi somente na segunda metade do século XX, que as pesquisas científicas em torno da Medicina Endocanabinoide começaram a crescer exponencialmente, em decorrência da descoberta do Sistema Endocanabinoide.

Esse sistema regulatório vital está envolvido em praticamente todos os nossos processos fisiológicos e patológicos. A interação dos receptores endocanabinoides com seus principais ligantes é capaz de regular e modular uma série de condições, como o gasto energético, a função cardiovascular, o sistema imunológico, os processos inflamatórios, os processos de aprendizagem e memória, dentre outros.

A consolidação da Cannabis medicinal nesse cenário se deu porque os variados compostos químicos presentes na planta ajudam a equilibrar o tônus de funcionamento do Sistema Endocanabinoide. Assim, por meio das propriedades terapêuticas dos fitocanabinoides, é possível melhorar o controle de sintomas e trazer mais qualidade de vida para pacientes nos mais diversos contextos clínicos.

 

>> Leia o post sobre Fitocanabinoides e o vasto arsenal terapêutico da Cannabis medicinal.

Oportunidades da Medicina Endocanabinoide

Apesar dos estigmas políticos e sociais por trás da planta, as milhares de pesquisas científicas em torno do sistema endocanabinoide foram determinantes para que mais de 40 nações legalizassem o uso medicinal da Cannabis, projetando um mercado de proporções bilionárias para os próximos anos.

Mercado global aquecido

O cenário regulatório sobre o uso medicinal dos canabinoides vem ganhando novos contornos muito rapidamente. 

Países como a pioneira Holanda, o Canadá, o Uruguai e os Estados Unidos são algumas das principais referências nesse contexto. O anúncio mais recente de legalização partiu do México que, assim como os Estados Unidos, tem forte histórico de repressão à Cannabis em outros momentos.

No Brasil, a resolução da Anvisa em 2019 reaqueceu os debates em torno da regulamentação do uso medicinal da Cannabis. O documento rege as normas para a comercialização de produtos derivados de Cannabis no país. 

Em paralelo ao avanço das questões regulatórias, as pesquisas científicas seguem a pleno vapor contribuindo para que sejam debatidos aspectos históricos, botânicos, fisiológicos, clínicos e, também, legais em torno do uso medicinal da Cannabis – o que é fundamental para combater a desinformação e facilitar o amplo acesso dessa valiosa ferramenta terapêutica à população brasileira.

 

Expansão das pesquisas científicas

O avanço dos processos regulatórios e as milhares de pesquisas científicas publicadas em várias partes do mundo, vêm ajudando a combater estigmas e a desconstruir os mitos em torno do uso medicinal da Cannabis, sobretudo relacionados ao THC, elemento químico de maior potencial psicoativo da planta. 

Um exemplo é essa revisão bibliográfica que relaciona esse constituinte psicoativo da Cannabis e suas interações com o SEC na ansiedade, depressão, neurogênese, cognição e processos de aprendizagem e memória.

 

>> Leia a revisão completa em: The endocannabinoid system and the brain.

 

Uma série de pesquisas evidenciam os atributos terapêuticos do THC , que inclusive, apresenta propriedades medicinais que se destacam no manejo de sintomas graves e incapacitantes, como por exemplo: 

 

>> Leia sobre os atributos medicinais do THC e suas propriedades terapêuticas

 

Em outros contextos clínicos, as publicações científicas das propriedades terapêuticas da Cannabis também seguem em expansão, consolidando a importância da Medicina Endocanabinoide no Brasil e no mundo. 

Atualmente, já são mais de 25 mil artigos científicos publicados sobre o assunto no PubMed, que exploram os atributos terapêuticos da Cannabis para os mais diversos quadros, entre eles:

 

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Sistema Endocanabinoide

Vimos que a descoberta científica do Sistema Endocanabinoide impulsionou as pesquisas em torno da Cannabis medicinal. Esse sistema constitui-se de um conjunto de receptores, ligantes e enzimas que atuam como sinalizadores entre as células, modulando as mais variadas funções do organismo para estabelecer a homeostase dos diferentes órgãos e tecidos.

As deficiências de funcionamento do Sistema Endocanabinoide interferem de forma significativa no desenvolvimento e progressão de doenças. Portanto, o equilíbrio desse sistema é imprescindível para a nossa saúde. 

Os receptores e as substâncias endocanabinoides estão presentes por todos os órgãos e sistemas do corpo, executando diferentes tarefas visando sempre esse equilíbrio.

Os principais receptores endocanabinoides estudados até o momento são o CB1 e o CB2

O primeiro está amplamente presente no Sistema Nervoso Central, principalmente no córtex, cerebelo, hipocampo e núcleos da base. Mas, também, está presente no Sistema Nervoso Entérico (SNE), nas células adiposas, células endoteliais, fígado e trato gastrointestinal.

Já o CB2 está amplamente distribuído nas células e tecidos do sistema imunológico, evidenciando seu potencial anti-inflamatório e imunomodulador. Nosso organismo é capaz de produzir seus próprios canabinoides, a citar, anandamida e 2-araquidonilglicerol, os quais se ligam aos receptores endocanabinoides para exercer efeitos característicos conforme cada ligação.

Os fitocanabinoides, terpenos e flavonoides da Cannabis também cumprem essa função, atuando como agentes de equilíbrio do Sistema Endocanabinoide. 

Quando os receptores endocanabinoides são estimulados por esses compostos, desencadeiam-se mecanismos fisiológicos que regulam diversas funções, como os processos inflamatórios e de sinalização neuronal.

 

Sistema Endocanabinoide e o efeito Entourage

A planta Cannabis reúne mais de 500 compostos químicos, entre substâncias canabinoides e não-canabinoides. 

A maioria vêm sendo alvo de pesquisas científicas por seu potencial terapêutico. Os flavonoides e os terpenos, que citamos antes, também estão entre esses compostos. É possível otimizar resultados terapêuticos na Medicina Endocanabinoide justamente quando todos esses elementos são utilizados em conjunto.

Esse fenômeno recebe o nome de efeito Entourage, resultante do uso do extrato completo da planta em vez de suas partes isoladas. Juntas, essas substâncias atuam em sinergia para otimizar as respostas terapêuticas no uso medicinal da Cannabis e, ao mesmo tempo, modular seus potenciais efeitos adversos.

Uma prescrição assertiva deve considerar, entre outros aspectos, a individualização dos tratamentos conforme o histórico de cada paciente, pois cada um de nós apresenta uma estrutura bioquímica única, bem como, um SEC único.

 

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Ainda sobre o efeito Entourage da Cannabis, esta revisão bibliográfica evidencia a importância da atuação sinérgica dos canabinoides, terpenos e flavonoides da Cannabis. A revisão reforça as propriedades analgésicas e anti-inflamatórias desses compostos no tratamento da dor crônica, com destaque para enxaqueca do tipo migrânea, outros tipos de cefaleia e dores oro-faciais.

 

>> Leia o estudo completo em: Medicinal Properties of Cannabinoids, Terpenes, and Flavonoids in Cannabis, and Benefits in Migraine, Headache, and Pain: An Update on Current Evidence and Cannabis Science.

 

No contexto de dor crônica, vale ressaltar que a Medicina Endocanabinoide é uma alternativa importante em pacientes em uso regular de opioides, podendo auxiliar na redução de dose e no desmame dessas substâncias em longo prazo.

Especialidades

No decorrer deste texto vimos que as pesquisas científicas em torno da Cannabis medicinal evidenciam as propriedades terapêuticas da planta em diversos contextos patológicos, de modo que a Medicina Endocanabinoide pode ser útil às mais variadas especialidades médicas. 

Alguns exemplos incluem transtornos psiquiátricos, doenças ginecológicas, distúrbios gastrointestinais e câncer.

Transtornos psiquiátricos

A Medicina Endocanabinoide traz respostas positivas para o alívio de sintomas e pode ser uma alternativa terapêutica no contexto de diferentes transtornos psiquiátricos, tais como transtornos de ansiedade, transtornos psicóticos e transtorno de estresse pós-traumático. 

Diversos estudos já evidenciaram as propriedades anti psicóticas do Canabidiol, o CBD. Não à toa, trabalhos apresentam respostas positivas decorrentes do uso desse derivado canabinoide no contexto de transtornos psicóticos, como a esquizofrenia.

É o que demonstra, por exemplo, esse experimento realizado com um grupo de pacientes portadores de esquizofrenia. 

Parte do grupo recebeu CBD junto à medicação convencional para a doença, enquanto a outra parte recebeu placebo. Após 6 semanas de tratamento, os pacientes que utilizaram o CBD tiveram níveis mais baixos de sintomas psicóticos em comparação aos que utilizaram apenas a medicação convencional.

 

>> Leia o artigo em: Cannabidiol (CBD) as an Adjunctive Therapy in Schizophrenia: A Multicenter Randomized Controlled Trial.

Doenças ginecológicas

As propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e relaxantes dos canabinoides vêm consolidando o uso dessas substâncias também no manejo de transtornos ginecológicos

Os principais usos incluem o alívio de cólicas menstruais, sintomas do climatério e complicações da endometriose. Estudos mais avançados sugerem ainda a relação entre Cannabis e câncer de mama, seja pelo potencial antitumoral dos canabinoides, seja como adjuvante no manejo dos sintomas que frequentemente acompanham pacientes com câncer.

Um exemplo é esta pesquisa norte-americana, a qual avaliou um grupo de 725 pacientes com câncer de mama, sendo 42% das participantes usuárias de Cannabis medicinal. Os resultados demonstram o potencial dos canabinoides tanto para combater efeitos colaterais dos quimioterápicos (dores, náuseas e inapetência) quanto os sintomas da doença em si, como ansiedade (57%), estresse (51%) e insônia (70%).

 

>> Veja aqui o experimento completo: A survey of cannabis use for symptom palliation in breast cancer patients by age and stage.

Câncer 

Quanto ao potencial antineoplásico da Cannabis, as pesquisas ainda carecem de mais robustez. No entanto, algumas revisões bibliográficas sugerem que os canabinoides são capazes de inibir a proliferação, adesão, migração, invasão e angiogênese de células tumorais, inclusive células cancerígenas de mama.

Um exemplo é esta revisão que abrange estudos pré-clínicos, nos quais agonistas dos receptores canabinoides CB1 e CB2 – como o endocanabinoide anandamida e o fitocanabinoide THC – demonstraram inibir a proliferação de linhagens celulares de câncer de mama, que expressam receptores de estrogênio (ER+).

 

>> Leia mais a respeito aqui: Cannabinoids and Hormone Receptor-Positive Breast Cancer Treatment

 

Quanto mais as pesquisas científicas avançam, mais a Medicina Endocanabinoide se consolida como segura e promissora em diversos contextos clínicos. 

Os médicos, por sua vez, precisam estar atentos a esse cenário. Uma formação médica adequada é fundamental para que possam incorporar os derivados canabinoides com eficácia e segurança em suas práticas prescritivas.

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Referências:

Mechoulam R, Parker L A. The endocannabinoid system and the brain. Annu Rev Psychol. 2013. 

Barron R, Cubala W J, McGuire P, Morrison P D, Robson P, Taylor A, Vasile D, Wright S. Cannabidiol (CBD) as an Adjunctive Therapy in Schizophrenia: A Multicenter Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2018.

Baron E. Medicinal Properties of Cannabinoids, Terpenes, and Flavonoids in Cannabis, and Benefits in Migraine, Headache, and Pain: An Update on Current Evidence and Cannabis Science. Headache. 2018.

Weiss M C, Buckley M, Hibbs J, Leitenberger A, Jenkins M, McHugh T W, Green N, Larson S. 

A survey of cannabis use for symptom palliation in breast cancer patients by age and stage. Journal of Clinical Oncology. 2020.

Borštnar S, Debeljak N, Dobovišek L, Krstanovic F. Cannabinoids and Hormone Receptor-Positive Breast Cancer Treatment. Cancers. 2020.

Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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