Cannabis e transtornos psicóticos: esclarecendo dados e fatos

Publicado em 09/11/21 | Atualizado em 14/05/24 Leitura: 10 minutos

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A relação entre Cannabis e transtornos psicóticos ou psicose é polêmica e controversa. Pesquisas que analisam o uso recreativo da planta sugerem o desenvolvimento mais frequente de transtornos psicóticos decorrentes do abuso da substância. O uso medicinal da Cannabis, por sua vez, pode trazer uma série de benefícios no contexto de tratamentos psiquiátricos. Neste artigo, reunimos as principais evidências científicas dessa temática. Descubra agora.

 

Objeções do uso medicinal da Cannabis em transtornos psicóticos

Embora seja uma substância legalizada em mais de 40 países, a Cannabis medicinal ainda é um assunto tabu em muitos aspectos. A objeção à planta para tratar transtornos psicóticos ou psicose, por exemplo, está bastante relacionada ao uso recreativo da mesma. Isso porque o abuso da substância em pessoas suscetíveis para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos pode, sim, gerar problemas como dependência química, síndrome amotivacional e esquizofrenia . Por isso, a diferenciação entre o uso da Cannabis medicinal e recreativa é necessária e de extrema importância.

O uso terapêutico da planta pode auxiliar no tratamento de dependência química tanto da própria Cannabis quanto de outras substâncias químicas. Além disso, há uma série de estudos evidenciando as propriedades terapêuticas da Cannabis medicinal no manejo de doenças psíquicas, como transtornos psicóticos, a exemplo da esquizofrenia, e outros transtornos psiquiátricos, como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

Essas evidências científicas vêm contribuindo para rebater o estigma social envolvendo os canabinoides. O THC, por exemplo, é bastante “demonizado” no meio psiquiátrico por seu potencial psicotóxico. Porém, é preciso esclarecer que existe uma grande diferença entre psicoatividade e psicotoxicidade. Reações psicotóxicas são muito raras em prescrições assertivas de cannabis medicinal.

Inclusive, muitas reações decorrentes do THC medicinal são bem-vindas em diferentes quadros clínicos psiquiátricos, como no combate à inapetência, insônia, na modulação da percepção da dor e na estimulação da sensação de bem-estar.

 

>> Amplie seu conhecimento. Leia nosso artigo sobre Atributos medicinais do THC: conheça as suas propriedades terapêuticas e desconstrua os mitos em torno dessa molécula.

 

Evidências científicas sobre a relação entre Cannabis e transtornos psicóticos ou psicose

Conheça evidências científicas que demonstram o potencial da Cannabis medicinal nos transtornos psicóticos, a exemplo da esquizofrenia.

 

Esquizofrenia

Há uma série de pesquisas científicas que reforçam o potencial antipsicótico do CBD e, por consequência, sua eficácia nos quadros de esquizofrenia. Nos últimos 20 anos, foram realizados cerca de 40 estudos examinando o impacto direto do CBD e THC como moduladores do Sistema Endocanabinoide no contexto das psicoses.

Embora as primeiras pesquisas apontem resultados aparentemente paradoxais, os estudos mais recentes sugerem que o CBD é um valioso antipsicótico. Um exemplo é esta pesquisa realizada em 2018 com um grupo de pacientes com esquizofrenia. Parte do grupo recebeu CBD junto à medicação convencional. A outra parte recebeu placebo.

Os resultados após 6 semanas de tratamento mostraram que, em comparação aos que receberam o placebo, os pacientes que utilizaram o CBD apresentaram níveis reduzidos de sintomas psicóticos. A pesquisa mostrou ainda que os efeitos adversos foram bem tolerados, com taxas de ocorrência semelhantes entre os dois grupos.

 

>> Leia a pesquisa completa em: Cannabidiol (CBD) as an Adjunctive Therapy in Schizophrenia: A Multicenter Randomized Controlled Trial.

 

Diferenças de atuação do CBD e do THC nos transtornos psicóticos

 

Em relação aos dois principais canabinoides, CBD e THC, os estudos realizados nos últimos 20 anos sugerem também que a terapêutica à base de THC – ou quimiovariante tipo I (THC > CBD)– tem um risco maior de induzir eventos psicóticos em algumas pessoas vulneráveis. Por outro lado, terapêuticas baseadas em CBD – quimovariante tipo III (THC < CBD) – mostraram produzir efeitos antipsicóticos bastante significativos.

Podemos dizer então que, apesar dos resultados contraditórios apontados pelas primeiras pesquisas envolvendo Cannabis e psicoses, esta lacuna já foi resolvida pelos ensaios clínicos duplo-cegos mais recentes, os quais demonstram que o THC e o CBD são capazes de induzir efeitos opostos na psicofisiologia humana, e em especial em  pacientes com esquizofrenia.

Os dados também revelam que, em comparação com o antipsicótico convencional amisulprida, o CBD mostrou eficácia similar na redução de sintomas psicóticos em pacientes que sofrem desses transtornos, como na esquizofrenia.

 

>> Leia a pesquisa completa em: Cannabidiol enhances anandamide signaling and alleviates psychotic symptoms of schizophrenia

 

Os cientistas postulam ainda que, além dos efeitos diretos do CBD no tratamento das psicoses, essa substância induz vários efeitos terapêuticos indiretos, como a inibição da enzima (FAAH), que metaboliza o endocanabinoide anandamida (AEA), aumentando assim sua biodisponibilidade.

Os níveis mais elevados de AEA, por sua vez, ativam receptores CB1 e CB2, receptores serotoninérgicos (5-HT1A), receptores GPR55 e receptores de potencial transiente vanilóide do tipo 1 (TRPV1). Destes, a ativação dos receptores CB1 e 5-HT1A têm relação direta na produção de efeitos terapêuticos antipsicóticos, sem que se descarte um papel protetor ou sinérgico adicional dos demais: CB2, GPR55 e TRPV1.

>> Confira tudo no artigo: Cannabidiol as a Potential New Type of an Antipsychotic. A Critical Review of the Evidence

 

Já em relação ao THC, o risco de indução de eventos psicóticos em algumas pessoas vulneráveis se deve ao aumento dos níveis de glutamato do estriado, o que pode contribuir para esses eventos. É esse perfil de segurança que vem consolidando o CBD como a escolha mais assertiva no controle de psicoses decorrentes da esquizofrenia. Inclusive, há estudos experimentais que sugerem o potencial psicotóxico do THC e seu impacto no risco de experiências semelhantes às psicóticas.

 

Um exemplo é esta revisão bibliográfica que traz estudos funcionais de ressonância magnética, nos quais foi evidenciado que uma única dose de THC é capaz de modular regiões envolvidas no processamento de recompensa e saliência, como o estriado, mesencéfalo, insular e cingulado anterior, com alguns efeitos correlacionados à gravidade dos sintomas psicóticos induzidos pela substância.

>> Leia o estudo completo em: Cannabinoids, reward processing, and psychosis.

O CBD, por sua vez, atuaria na direção oposta. É o que sugere também este estudo, indicando que indivíduos geneticamente predispostos à esquizofrenia podem ser especialmente vulneráveis ​​a experiências psicóticas decorrentes do THC. Essas experiências incluem alucinações auditivas, alucinações visuais, delírios de referência e, sobretudo, delírios persecutórios.

 

>> Leia a pesquisa completa em: Cannabis, schizophrenia genetic risk, and psychotic experiences: a cross-sectional study of 109,308 participants from the UK Biobank.

 

Evidências científicas sobre a relação entre Cannabis e outros transtornos psiquiátricos

Também já existem evidências científicas promissoras, referentes ao potencial terapêutico da Cannabis em outros transtornos psiquiátricos, como os listados a seguir.

 

Ansiedade

A Cannabis medicinal ajuda a reduzir sintomas de agitação, irritabilidade e estresse decorrentes dos quadros de ansiedade. Uma pesquisa observacional realizada com 670 pessoas mostrou que 95,5% delas relataram a diminuição na intensidade desses sintomas após o uso terapêutico da substância.

Quando considerada apenas a ansiedade em si, 66% dos participantes apontaram resultados positivos no controle do quadro a partir do uso medicinal da planta. Esses dados sugerem ainda que os produtos predominantes em THC foram eficazes no alívio dos sintomas envolvidos.

>> Leia a pesquisa completa em: The effectiveness of inhaled Cannabis flower for the treatment of agitation/irritability, anxiety, and common stress.

Depressão

Existem evidências científicas sobre o potencial do CBD como elemento antidepressivo. Uma pesquisa norte-americana, publicada em 2021, mostrou que, de uma amostra de 196 pacientes que faziam uso medicinal da Cannabis, 89% relataram importante alívio nos quadros de depressão, dor crônica, artrite e náusea.

Além disso, 68% desses pacientes relataram uma pontuação de 8 ou mais (em uma escala de 10 pontos) em relação ao potencial da Cannabis para reduzir a dor. Ainda segundo o estudo, o uso terapêutico da planta foi capaz de reduzir ou até mesmo eliminar uma série de medicamentos previamente em uso.

>> Leia a pesquisa completa em: Mixed methods study of the potential therapeutic benefits from medical cannabis for patients in Florida.

 

Transtornos de estresse pós-traumático

A má qualidade do sono, com hiperexcitação e pesadelos recorrentes, é um dos sintomas mais presentes nos transtornos de estresse pós-traumático (TEPT). Uma revisão bibliográfica contendo estudos publicados nos últimos 10 anos mostra que a Cannabis medicinal é bastante eficaz nesse contexto, considerando-se tanto o uso dos fitocanabinoides THC e CBD, quanto os canabinoides sintéticos.

>> Leia a pesquisa completa em: Use of cannabinoids for the treatment of patients with post-traumatic stress disorder.

As evidências em torno da relação entre Cannabis e transtornos psicóticos, bem como, outras doenças psiquiátricas demonstram por que é tão importante um estudo aprofundado na área.  Uma formação especializada é essencial para explorar o potencial terapêutico da cannabis medicinal e atuar com segurança e assertividade na prática prescritiva

 

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Referências

Forsythe ML, Boileau AJ. Use of cannabinoids for the treatment of patients with post-traumatic stress disorder. J Basic Clin Physiol Pharmacol. 2021.

​​Gunasekera B, Diederen K, Bhattacharyya S. Cannabinoids, reward processing, and psychosis. Psychopharmacology (Berl). 2021.

Luque JS, Okere AN, Reyes-Ortiz CA, Williams PM. Mixed methods study of the potential therapeutic benefits from medical cannabis for patients in Florida. Complement Ther Med. 2021.

McGuire P, Robson P, Cubala WJ, Vasile D, Morrison PD, Barron R, Taylor A, Wright S. Cannabidiol (CBD) as an Adjunctive Therapy in Schizophrenia: A Multicenter Randomized Controlled Trial. Am J Psychiatry. 2018.

Stith SS, Li X, Diviant JP, Brockelman FC, Keeling KS, Hall B, Vigil JM. The effectiveness of inhaled Cannabis flower for the treatment of agitation/irritability, anxiety, and common stress. J Cannabis Res. 2020.

Wainberg M, Jacobs GR, di Forti M, Tripathy SJ. Cannabis, schizophrenia genetic risk, and psychotic experiences: a cross-sectional study of 109,308 participants from the UK Biobank. Transl Psychiatry. 2021.

Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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