A seborreia é uma condição dermatológica caracterizada pela produção excessiva de sebo pelas glândulas sebáceas, resultando em uma pele oleosa e, frequentemente, associada a problemas como caspa e dermatite seborreica. Esse desequilíbrio na produção de óleo pode causar desconforto e afetar a autoestima de muitas pessoas. Diante disso, a busca por soluções eficazes e naturais para controlar a oleosidade e aliviar os sintomas tem se intensificado. Nesse contexto, o canabidiol, um composto da cannabis, tem ganhado destaque por suas propriedades terapêuticas promissoras. Neste post, vamos explorar como o canabidiol pode ser uma alternativa eficaz no controle da seborreia e como ele pode beneficiar a saúde da pele de forma natural e segura.
Dermatite Seborreica
A dermatite seborreica é uma condição dermatológica crônica caracterizada por eritema, escamas oleosas e prurido, principalmente em áreas ricas em glândulas sebáceas, como o couro cabeludo, face, peito e costas. Sua fisiopatologia envolve uma combinação de fatores, incluindo a produção excessiva de sebo, a colonização do fungo Malassezia e uma resposta inflamatória exacerbada. A inflamação é mediada por citocinas como TNF-α, IL-1β e IL-6, que contribuem para os sintomas típicos, como o eritema e a descamação.
Além disso, a condição está associada a um desequilíbrio na microbiota cutânea, com aumento da população de Malassezia, exacerbando ainda mais os sintomas. Embora a dermatite seborreica seja uma doença comum, ela pode impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes, causando desconforto físico e emocional, além de reduzir a autoestima e aumentar o estigma social.
O diagnóstico da dermatite seborreica é clínico, baseado na observação das lesões típicas, e a distinção de outras condições dermatológicas, como psoríase e eczema, é fundamental para o manejo adequado. O tratamento geralmente visa controlar a produção excessiva de sebo, reduzir a inflamação e restaurar o equilíbrio da microbiota cutânea.
As opções terapêuticas incluem o uso de shampoos antimicrobianos, como cetoconazol e piritionato de zinco, que atuam contra Malassezia e possuem propriedades anti-inflamatórias. Corticosteroides tópicos também são frequentemente utilizados, mas seu uso prolongado deve ser cuidadosamente monitorado devido aos potenciais efeitos adversos. Em casos mais graves, tratamentos sistêmicos, como antifúngicos orais ou retinoides, podem ser necessários. No entanto, a condição tende a ser recidivante, o que exige um manejo contínuo e pode afetar a qualidade de vida do paciente.
Nos últimos anos, a cannabis tem se mostrado uma alternativa terapêutica promissora no tratamento de diversas condições dermatológicas, incluindo a dermatite seborreica. O canabidiol (CBD), um composto não psicotrópico da cannabis, apresenta propriedades terapêuticas que podem ser especialmente benéficas para pacientes com essa condição. O CBD tem ação anti-inflamatória, modulando a resposta imune e reduzindo a produção de citocinas inflamatórias, como TNF-α e IL-1β, que estão frequentemente elevadas na dermatite seborreica.
Além disso, o CBD possui propriedades antioxidantes, ajudando a neutralizar os radicais livres e a reduzir o estresse oxidativo, outro fator importante na inflamação crônica da pele. Outra vantagem do CBD é sua capacidade de modular a produção de sebo, ajudando a equilibrar a oleosidade excessiva, que é uma característica marcante da dermatite seborreica.¹
Portanto, o uso de CBD no tratamento da dermatite seborreica pode representar uma abordagem terapêutica inovadora e eficaz, especialmente para aqueles que enfrentam formas mais resistentes da doença. Além de melhorar os sintomas cutâneos, a cannabis pode ter um impacto positivo na qualidade de vida desses pacientes, oferecendo uma solução para controlar a inflamação e a oleosidade excessiva, sem os efeitos adversos associados a outros tratamentos convencionais. Embora os estudos sobre o CBD para dermatite seborreica ainda sejam preliminares, os resultados iniciais são promissores, e a cannabis pode se estabelecer como uma alternativa terapêutica viável para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com essa condição.
Sistema Endocanabinoide e Seborreia
O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel fundamental na manutenção da homeostase cutânea e na modulação de processos essenciais para a integridade da pele, sendo composto pelos receptores canabinoides CB1 e CB2, endocanabinoides como a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), bem como mediadores lipídicos como a N-palmitoiletanolamida (N-PEA).
Embora a N-PEA apresente baixa afinidade direta com os receptores CB1 e CB2, ela atua de forma indireta potencializando os efeitos de outros endocanabinoides, como a AEA, através do conhecido efeito entourage. Esse mecanismo é relevante na dermatite seborreica, uma condição inflamatória crônica caracterizada por hiperproliferação de queratinócitos, produção excessiva de sebo e desequilíbrio imunológico.
Na pele, os receptores CB1 e CB2 são amplamente distribuídos em queratinócitos, fibroblastos, melanócitos, glândulas sebáceas, células imunológicas e estruturas nervosas, tornando o SEC um alvo terapêutico crucial para distúrbios dermatológicos, incluindo a dermatite seborreica. A interação entre o SEC e as células imunológicas da derme, como mastócitos, macrófagos e linfócitos T, regula a resposta inflamatória exacerbada observada nessa condição. Além disso, receptores como TRPV1 e PPARγ, relacionados ao SEC, desempenham funções críticas na modulação da dor, prurido e microcirculação vascular, sintomas frequentemente relatados pelos pacientes.2,3,4
A sinalização mediada pela AEA ativa o receptor ativado por proliferador de peroxissomos-α (PPAR-α), desempenhando um papel crucial na regulação da resposta inflamatória e na diferenciação dos queratinócitos. Essa ativação leva à inibição de citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina 2 (IL-2), e promove a síntese de lipídios essenciais, incluindo ácidos graxos e ceramidas. Esses componentes são fundamentais para a função de barreira da pele, cuja integridade é frequentemente comprometida na dermatite seborreica. Além disso, estudos sugerem que os fatores de transcrição, como o NF-κB, desempenham papel central na patogênese da inflamação cutânea ao regular positivamente mediadores pró-inflamatórios, como a interleucina 8 (IL-8), metaloproteinases de matriz (MMPs) e o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF).5
Nesse contexto, os fitocanabinoides, como o canabidiol e o Δ9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC), demonstraram capacidade de modular processos inflamatórios e imunológicos da pele. Em modelos in vitro utilizando queratinócitos humanos, o CBD foi capaz de inibir a transcrição do NF-κB, bloqueando assim a cascata inflamatória que impulsiona a proliferação celular exacerbada observada na dermatite seborreica. Além disso, o CBD apresenta efeitos imunomoduladores, suprimindo a expressão de citocinas pró-inflamatórias, como interleucina 6 (IL-6) e interleucina 17 (IL-17), ao mesmo tempo que regula positivamente a interleucina 10 (IL-10), uma citocina com propriedades anti-inflamatórias.5
Os efeitos dos canabinoides na dermatite seborreica também estão relacionados à redução da produção de sebo, mediada pela inibição direta das glândulas sebáceas. A presença dos receptores CB1 e CB2, bem como de receptores associados como TRPV1 e PPAR-γ, em glândulas sebáceas e queratinócitos, sugere que os canabinoides atuam em múltiplas vias para modular a secreção sebácea e aliviar sintomas como a inflamação e o prurido.5 O uso tópico de formulações contendo CBD e Δ9-THC, portanto, oferece um potencial terapêutico promissor, com ação direta nas células alvo da dermatite seborreica e mínimos efeitos adversos sistêmicos devido à baixa absorção transdérmica.
O SEC representa uma via terapêutica relevante para o manejo da dermatite seborreica, atuando na modulação da inflamação, regulação da diferenciação celular e controle da produção sebácea. Os fitocanabinoides, ao inibirem citocinas pró-inflamatórias, modularem fatores de transcrição e restaurarem a integridade da barreira cutânea, oferecem uma abordagem inovadora e eficaz para o tratamento dessa condição dermatológica.
Para saber mais como funciona o Sistema Endocanabinoide acesse: O que é o Sistema Endocanabinoide?
Evidências científicas
O uso da cannabis no tratamento da dermatite seborreica (DS) tem sido tema de estudos recentes, com foco no potencial terapêutico do canabidiol. Dados disponíveis sugerem que tanto a aplicação tópica quanto a administração oral podem trazer benefícios, embora com diferentes níveis de evidência.
Um estudo clínico não controlado avaliou os efeitos de um shampoo contendo 0,075% de CBD de amplo espectro em 50 pacientes com psoríase leve a moderada no couro cabeludo ou dermatite seborreica. Após duas semanas de uso frequente, os participantes relataram redução significativa de prurido e sensação de queimação, diminuição na arborização de vasos e na inflamação capilar, além de melhora na descamação cutânea. O estudo destacou a excelente tolerabilidade do produto e a alta satisfação dos pacientes, sugerindo que o CBD tópico pode ser uma ferramenta eficaz no manejo da dermatite seborreica.6
Outro estudo, um ensaio clínico randomizado, foi realizado em pacientes com doença de Parkinson (DP) para avaliar os efeitos do CBD oral, incluindo sua influência na dermatite seborreica. Nesse estudo, 26 pacientes receberam CBD e 27 receberam placebo por um período de 16 dias. Embora o objetivo primário do estudo fosse investigar os efeitos do CBD nos sintomas motores da DP, a gravidade da DS foi avaliada como um desfecho secundário. Não houve mudanças significativas na gravidade da DS entre os grupos, mas observou-se uma tendência de redução na presença da condição entre os participantes que utilizaram CBD, apesar de os resultados não alcançarem significância estatística (P = 0,07).
Os mecanismos propostos para o efeito do CBD incluem a inibição da ação lipogênica de mediadores como o ácido araquidônico e o ácido linoléico em sebócitos humanos, a supressão da proliferação sebocitária e as propriedades anti-inflamatórias via inibição do fator nuclear kappa B (NF-κB) e regulação positiva de tribbles pseudoquinase 3 (TRIB3).7
Para saber mais sobre o uso da Cannabis na Doença de Parkinson acesse: Cannabis e Doença de Parkinson: Explorando o potencial terapêutico
A fisiopatologia da DS está fortemente associada à colonização por Malassezia, um fungo lipofílico encontrado em áreas ricas em sebo. Seus metabólitos induzem inflamação cutânea, estimulam a diferenciação anormal de queratinócitos e comprometem a barreira epidérmica, perpetuando a resposta inflamatória. O CBD apresenta potencial para interferir nesses mecanismos, possivelmente modulando a colonização por Malassezia e auxiliando no reparo da barreira cutânea.
Apesar das evidências promissoras, os estudos apresentam limitações. No ensaio clínico randomizado, o período de tratamento de 16 dias foi curto, dificultando a avaliação de benefícios clínicos máximos. Além disso, a baixa gravidade da DS entre os participantes e o uso concomitante de medicamentos tópicos representaram desafios para a interpretação dos resultados.7
Em conclusão, enquanto o CBD tópico demonstrou resultados encorajadores no manejo da DS, a eficácia do CBD oral ainda carece de validação em estudos mais robustos. Pesquisas futuras, com maior número de participantes, períodos de tratamento mais longos, são necessárias para esclarecer o papel do CBD como uma opção terapêutica abrangente. Além disso, há potencial para que o CBD beneficie não apenas a DS, mas também condições associadas, como os sintomas neurológicos da DP, sugerindo seu uso como uma abordagem complementar no manejo de manifestações cutâneas e neurológicas.
Conclusão
O canabidiol surge como uma abordagem promissora no controle da seborreia, oferecendo benefícios significativos graças às suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e reguladoras da produção sebácea. Evidências iniciais apontam para seu potencial como uma alternativa eficaz e segura, especialmente para pacientes que enfrentam sintomas persistentes. No entanto, são necessárias mais pesquisas para consolidar essas descobertas. Com o avanço da ciência, o CBD pode redefinir o manejo da seborreia, promovendo alívio dos sintomas e uma melhor qualidade de vida.
Nesse contexto, é essencial que os médicos se mantenham atualizados e busquem conhecimento em fontes confiáveis sobre novas abordagens terapêuticas para dermatite seborreica, incluindo alternativas inovadoras como o uso de compostos derivados da cannabis medicinal.
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Referências
- MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
- Garcia-Gonzalez, E. et al. Cannabinoids inhibit fibrogenesis in diffuse systemic sclerosis fibroblasts, Rheumatology 48, 1050-1056 (2009).
- Ständer, S., Schmelz, M., Metze, D., Luger, T. & Rukwied, R. Distribution of cannabinoid receptor 1 (CB1) and 2 (CB2) on sensory nerve fibers and adnexal structures in human skin.J.Dermatol. Sci. 38, 177-188 (2005).
- Galiegue, S. et al. Expression of Central and Peripheral Cannabinoid Receptors in Human Immune Tissues and Leukocyte Subpopulations, Eur. J. Biochem. 232, 54-61 (1995).
- Torunn E. Sivesind, Jalal Maghfour, Hope Rietcheck, Kevin Kamel, Ali S. Malik, Robert P. Dellavalle, Cannabinoids for the Treatment of Dermatologic Conditions, JID Innovations, Volume 2, Issue 2, 2022, 100095, ISSN 2667-0267, https://doi.org/10.1016/j.xjidi.2022.100095.
- Vincenzi, C. & Tosti, A. Eficacy and Tolerability of a Shampoo Containing Broad-Spectrum Cannabidiol in the Treatment of Scalp Inflammation in Patients with Mild to Moderate Scalp Psoriasis or Seborrheic Dermatitis. Skin Appendage Disord. 6,355-361 (2020).
- Weber I, Zagona-Prizio C, Sivesind TE, Adelman M, Szeto MD, Liu Y, Sillau SH, Bainbridge J, Klawitter J, Sempio C, Dunnick CA, Leehey MA, Dellavalle RP Oral Cannabidiol for Seborrheic Dermatitis in Patients With Parkinson Disease: Randomized Clinical Trial JMIR Dermatol 2024;7:e49965 doi: 10.2196/49965