Os fitocanabinoides são compostos bioativos sintetizados pela planta Cannabis sativa e têm despertado grande interesse na comunidade médica e científica devido ao seu vasto potencial terapêutico. Entre os mais estudados, destacam-se o Delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC), o canabidiol (CBD), e o canabigerol (CBG), cada um com perfis farmacológicos únicos e complexos mecanismos de ação. Esses fitocanabinoides interagem com o sistema endocanabinoide (SEC) humano, um sistema de sinalização neuromodulador que desempenha um papel crucial na manutenção da homeostase. Neste post, iremos detalhar os principais fitocanabinoides, seus mecanismos de ação e seus potenciais efeitos terapêuticos no organismo.

Delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC)

O Δ9-THC, mais conhecido como THC é o principal fitocanabinoide responsável pelos efeitos psicotrópicos da cannabis. Este composto interage principalmente com os receptores canabinoides CB1 e CB2 do sistema endocanabinoide. A ativação dos receptores CB1, predominantes no sistema nervoso central, resulta em efeitos eufóricos, modulação da memória, percepção sensorial e coordenação motora. Por outro lado, a ativação dos receptores CB2, encontrados principalmente em células imunológicas, confere ao THC propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras.¹

Além desses efeitos, o Δ9-THC também é um potente analgésico, demonstrando em estudos eficácia superior à da aspirina e hidrocortisona.² Suas propriedades antieméticas são bem documentadas, sendo utilizado há décadas no manejo de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia.³ O Δ9-THC também estimula o apetite, atuando como um agente orexígeno em pacientes com doenças crônicas debilitantes como câncer e HIV/AIDS. Outros efeitos terapêuticos incluem ação anticonvulsivante, relaxante muscular e potencial antineoplásico. Importante notar que, a fotolabilidade e termolabilidade do Δ9-THC exigem condições adequadas de armazenamento para manter sua estabilidade e eficácia.4

Canabidiol (CBD)

O canabidiol é o fitocanabinoide mais amplamente estudado devido a sua ampla gama de aplicações terapêuticas e ausência de efeitos psicotrópicos. Embora o CBD não se ligue diretamente aos receptores CB1 e CB2, ele modula a atividade do SEC através da inibição da recaptação de anandamida e da interação com múltiplos alvos moleculares, incluindo receptores de serotonina (5-HT1A), receptores vaniloides (TRPV1) e receptores PPAR-gama.

O CBD apresenta propriedades ansiolíticas, anticonvulsivantes, anti-inflamatórias e neuroprotetoras, sendo utilizado no tratamento da epilepsia refratária, transtornos de ansiedade, inflamações crônicas e desordens neurodegenerativas. A regulação negativa dos receptores CB1 pelo CBD pode atenuar os efeitos psicotrópicos do Δ9-THC, tornando-o uma opção terapêutica valiosa em formulações combinadas. A interação do CBD com os receptores 5-HT1A é particularmente relevante em seus efeitos ansiolíticos, enquanto a ativação dos receptores TRPV1 e PPAR-gama está associada as suas propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras.

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Outros Fitocanabinoides

Canabigerol (CBG)

O canabigerol (CBG) é um fitocanabinoide não psicotrópico e o precursor de outros fitocanabinoides importantes, como o Δ9-THC, o CBD e o CBC. Sua presença na planta de cannabis é menor em comparação a outros canabinoides, mas suas propriedades farmacológicas são significativas. O CBG interage com uma variedade de receptores, incluindo os canabinoides CB1 e CB2, e os receptores TRPA1, TRPV1 e TRPV2.4 A afinidade do CBG por esses receptores confere-lhe um perfil terapêutico diversificado. Nos receptores CB1, predominantes no sistema nervoso central, o CBG pode modular a neurotransmissão, enquanto nos receptores CB2, encontrados principalmente em células imunológicas, o CBG exerce efeitos imunomoduladores. Além disso, a interação do CBG com os receptores TRP, conhecidos por mediar respostas à dor e inflamação, contribui para seus efeitos analgésicos e anti-inflamatórios.

Pesquisas indicam que o CBG também possui potentes propriedades antibacterianas, sendo eficaz contra cepas resistentes, como o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA).5 Além disso, estudos demonstram que o CBG reduz a inflamação em modelos de doenças inflamatórias intestinais, como a colite, diminuindo a expressão de citocinas pró-inflamatórias e aumentando a produção de antioxidantes endógenos.6 Além disso, o CBG inibe a recaptação de anandamida, aumentando os níveis deste endocanabinoide no organismo e potencializando seus efeitos benéficos, o que amplia ainda mais seu potencial terapêutico.4

Canabinol (CBN):

O canabinol  é um fitocanabinoide que surge como um produto de degradação oxidativa do Δ9-tetrahidrocanabinol (THC). Quando o THC se oxida, seja por exposição ao ar, luz ou calor, ele se transforma em CBN, que é quimicamente distinto do THC, mas ainda mantém boa parte das propriedades terapêuticas. Mas, diferente do THC, o CBN possui significativamente menor psicoatividade. O CBN é reconhecido principalmente por suas propriedades ansiolíticas e indutoras do sono. Estudos demonstram que o CBN pode promover o sono e reduzir a ansiedade, tornando-o útil no tratamento de distúrbios do sono e em situações de estresse. Sua eficácia como indutor do sono pode ser atribuída a sua interação com os sistemas neuroquímicos responsáveis pela regulação do ciclo sono-vigília.4 Além disso, as propriedades anti-inflamatórias são evidentes em estudos que demonstram a capacidade do CBN de reduzir marcadores inflamatórios e aliviar sintomas associados a condições inflamatórias crônicas.7 O CBN também possui efeitos analgésicos, proporcionando alívio da dor em modelos experimentais. 

Delta-8-tetrahidrocanabinol (Δ8-THC):

O delta-8-tetrahidrocanabinol (Δ8-THC) é um isômero menos potente do Δ9-THC, oferecendo também, uma alternativa com efeitos psicotrópicos reduzidos. Destaca-se por suas propriedades antieméticas, sendo eficaz na redução de náuseas e vômitos, especialmente em pacientes oncológicos, além de estimular o apetite em condições debilitantes como câncer.4 O Δ8-THC também aumenta os níveis de acetilcolina no cérebro, sugerindo um potencial terapêutico significativo para distúrbios de memória e aprendizado, como Alzheimer. Além disso, possui propriedades anti-inflamatórias e analgésicas com menor afinidade pelos receptores canabinoides, proporcionando alívio da dor com menos efeitos colaterais. Sua maior estabilidade termodinâmica aumenta sua eficácia e longevidade em preparações medicinais, tornando-o uma opção promissora para diversas condições médicas.4

Ácido Delta-9-tetrahidrocanabinólico (Δ9-THCA):

O ácido delta-9-tetrahidrocanabinólico (Δ9-THCA) é a forma ácida e não psicoativa do Δ9-THC, que se converte em THC através do processo de descarboxilação, quando exposto ao calor. Embora o Δ9-THCA não tenha efeitos psicotrópicos significativos devido a sua baixa afinidade pelos receptores canabinoides CB1 e CB2, ele possui propriedades terapêuticas notáveis. Estudos indicam que o Δ9-THCA exerce uma ação anti-inflamatória eficaz, reduzindo a produção do fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), uma importante citocina envolvida na resposta inflamatória.8 Além disso, apresenta efeitos antieméticos, aliviando náuseas e vômitos, e anticonvulsivantes, tornando-o uma opção promissora no tratamento de epilepsia e outros distúrbios convulsivos.8 Esses benefícios terapêuticos, combinados com a ausência de efeitos psicotrópicos, fazem do Δ9-THCA um composto potencialmente valioso para uso medicinal, especialmente em condições onde a inflamação e as convulsões são predominantes.

Ácido Canabidiólico (CBDA):

O ácido canabidiólico (CBDA) é o precursor natural do canabidiol e possui um conjunto distinto de propriedades terapêuticas. Embora o CBDA se converta em CBD através da descarboxilação quando exposto ao calor, ele próprio tem demonstrado eficácia como agente terapêutico. O CBDA exibe potentes efeitos analgésicos, antioxidantes e anti-inflamatórios, que são mediados por sua interação com uma variedade de receptores e enzimas no organismo.7 Uma das suas interações mais significativas é com os receptores de serotonina 5-HT1A, onde apresenta uma afinidade muito maior que o próprio CBD. Esta interação confere ao CBDA uma ação antiemética potente, sendo eficaz na redução de náuseas e vômitos, o que é particularmente útil em contextos como a quimioterapia.4 Além disso, o CBDA inibe as enzimas ciclooxigenase-1 (COX-1) e ciclooxigenase-2 (COX-2), que são fundamentais na cascata inflamatória, contribuindo ainda mais para seus efeitos anti-inflamatórios.7 Este perfil multifacetado faz do CBDA um composto promissor para várias aplicações médicas.

Canabicromeno (CBC)

O canabicromeno  é um fitocanabinoide menos conhecido em comparação com o THC e o CBD, mas possui um perfil terapêutico notável. As plantas com alto teor de CBC resultam da seleção de genes recessivos através de múltiplos cruzamentos entre diferentes quimiovariantes.7 Este composto tem um potencial terapêutico significativo, atuando como analgésico e anti-inflamatório.  Além disso, o CBC tem uma afinidade moderada pelos receptores CB2, o que contribui para suas propriedades anti-inflamatórias. O CBC pode inibir a reabsorção da anandamida (AEA), prolongando os efeitos desse endocanabinoide no organismo e contribuindo para o alívio da dor e a melhora do humor.9 Estudos indicam que o CBC pode promover a neurogênese, incentivando o crescimento de novas células cerebrais, o que é particularmente relevante em condições neurodegenerativas.10 Esse conjunto de propriedades coloca o CBC como um candidato promissor para futuras pesquisas e aplicações clínicas.

Delta-9-tetra-hidrocanabivarina (Δ9-THCV)

A Delta-9-tetra-hidrocanabivarina é um fitocanabinoide derivado da descarboxilação de sua forma ácida, o Δ9-THCVA. Este composto, que não possui o potencial psicotrópico do THC, tem despertado interesse significativo na comunidade científica devido as suas propriedades terapêuticas únicas. A Δ9-THCV está sendo notavelmente explorada no tratamento da obesidade e do diabetes mellitus, graças a sua capacidade de reduzir o apetite e aumentar o gasto metabólico.11 Além disso, possui um interessante potencial anticonvulsivante, que a torna relevante no manejo de epilepsias e outros distúrbios convulsivos.12 Suas propriedades antioxidantes e analgésicas acrescentam mais valor terapêutico.11 A Δ9-THCV representa mais um exemplo promissor de como a diversificação dos fitocanabinoides pode ampliar as opções de tratamento em variados contextos clínicos.

Conclusão

Em resumo, os fitocanabinoides, compostos bioativos produzidos pela Cannabis sativa, possuem um vasto potencial terapêutico, que desperta crescente interesse na comunidade científica e médica. Dentre os mais estudados temos o THC e o CBD, que se destacam por seus perfis farmacológicos únicos e complexos mecanismos de ação. Esses compostos interagem com o sistema endocanabinoide humano, modulando uma variedade de processos fisiológicos. Além disso, outros fitocanabinoides como o CBG, CBN, Δ8-THC, Δ9-THCA, CBDA e CBC também apresentam perfis terapêuticos diversificados, com potenciais aplicações em contextos clínicos, que variam desde a obesidade e diabetes mellitus até distúrbios neurodegenerativos e inflamatórios crônicos.

Cada fitocanabinoide oferece uma combinação única de efeitos terapêuticos, sublinhando a importância de continuidade das pesquisas para explorar plenamente suas capacidades e ampliar as opções de tratamento em várias doenças. A compreensão detalhada de seus mecanismos de ação e efeitos clínicos é crucial para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas e tratamentos inovadores para diversas condições médicas. Nesse contexto, a WeCann desempenha um papel fundamental ao fornecer informações científicas atualizadas e recursos tecnicamente qualificados para médicos, capacitando-os a incorporar os fitocanabinoides em sua prática clínica de maneira ética e responsável, visando o bem-estar e a qualidade de vida dos pacientes.

Referências

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  2. 1. Marinho AM da N, Silva Neto RWG da. Anti-inflammatory effects of cannabinoids. BrJP [Internet]. 2023;6:31–7. Available from: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20230010-en
  3. Tramèr MR, Carroll D, Campbell FA, Reynolds DJ, Moore RA, McQuay HJ. Cannabinoids for control of chemotherapy induced nausea and vomiting: quantitative systematic review. BMJ. 2001 Jul 7;323(7303):16-21. doi: 10.1136/bmj.323.7303.16. PMID: 11440936; PMCID: PMC34325.
  4. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
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  6. Nduma B N, Mofor K A, Tatang J, et al. (March 14, 2023) The Use of Cannabinoids in the Treatment of Inflammatory Bowel Disease (IBD): A Review of the Literature. Cureus 15(3): e36148. doi:10.7759/cureus.36148.
  7. Russo, E. B. & Marcu, J. Cannabis pharmacology: the usual suspects and a few promising leads. Adv. Pbarmacol. 80, 67-134 (2017). 
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  10. Shinjyo, N. & Di Marzo, V. The effect of cannabichromene on adult neural stem/ progenitor cells. Neurochem. Int. 63, 432-437 (2013).
  11. Tetrahydrocannabivarin (THCV): a commentary on potential therapeutic benefit for the management of obesity and diabetes. J. Cannabis Res. 2, 6 (2020). 
  12. Hill, A.J. et al. 9-Tetrahydrocannabivarin suppresses in vitro epileptiform and in vivo seizure activity in adult rats: Anticonvulsant Potential of A9-THCV. Epilepsia 51, 1522-1532 (2010).
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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