Canabicromeno (CBC): propriedades medicinais

Publicado em 27/12/25 | Atualizado em 27/12/25 | Leitura: 12 minutos

Canabicromeno (CBC)Canabinoides

Enquanto o foco da medicina endocanabinoide se concentra frequentemente no CBD e no THC, o Canabicromeno (CBC) surge como um canabinoide menor com um perfil de ação e características singulares que merecem a atenção da comunidade clínica. Isolado pela primeira vez do extrato de cannabis por Rafael Mechoulam e Y. Gaoni em 1966, o CBC não é apenas um componente histórico da Cannabis; ele possui uma notável estabilidade química, o que é um diferencial para o desenvolvimento e a preservação de formulações terapêuticas. 

Este canabinoide não psicotrópico — cuja complexidade se estende por uma família de nove membros distintos — reforça a necessidade de olhar além dos compostos mais conhecidos, reconhecendo o vasto e inexplorado potencial terapêutico da planta. No post de hoje, vamos explorar o potencial terapêutico do canabicromeno e as evidências científicas disponíveis para esse canabinoide.

Canabicromeno 

Para compreender o potencial clínico do Canabicromeno, é fundamental situá-lo no universo dos fitocanabinoides — a classe de compostos produzidos pela planta Cannabis. O CBC é um desses canabinoides minoritários, e sua origem é uma porta de entrada para a complexidade bioquímica da planta.¹

A síntese dos canabinoides começa com a alquilação do ácido olivetólico com geranil-pirofosfato. Este passo é catalisado pela enzima geranil pirofosfato-ácido olivetólico geraniltransferase, que resulta na formação do ácido canabigerólico (CBGA). O CBGA é, crucialmente, o “canabinoide mãe” e o substrato a partir do qual as três principais famílias de canabinoides são produzidas: o ácido tetra-hidrocanabinólico (THCA), o ácido canabidiólico (CBDA) e, pertinentemente, o ácido canabicroménico (CBCA).²

Este processo biossintético permite variações estruturais: a mesma enzima pode utilizar outras porções fenólicas, como o ácido divarinólico, levando à formação de canabinoides que possuem cadeias laterais de três carbonos (a família dos canabinoides varniol).²

Finalmente, o CBC é gerado a partir de seu precursor ácido, o CBCA. A conversão das formas ácidas (como CBCA) em suas formas neutras (como o CBC) ocorre através da descarboxilação, que é espontaneamente acelerada pela aplicação de calor e secagem. Essas conversões sequenciais e espontâneas geram a ampla diversidade de moléculas canabinoides encontradas na planta.²

Biossíntese do CBC. A via enzimática que leva à produção de CBC é ilustrada. O CBC é produzido enzimaticamente a partir do precursor canabinóide CBGA, por meio de um intermediário CBCA. A descarboxilação (círculo vermelho) do CBCA através do calor resulta no CBC neutro. O círculo verde destaca a cadeia alquil lateral que pode variar em comprimento de três a sete carbonos em canabinoides isolados da Cannabis sativa. Fonte: Sepulveda, D. E., Vrana, K. E., Kellogg, J. J., Bisanz, J. E., Desai, D., Graziane, N. M., & Raup-Konsavage, W. M. (2024). The Potential of Cannabichromene (CBC) as a Therapeutic Agent. The Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, 391(2), 206–213.
Biossíntese do CBC. A via enzimática que leva à produção de CBC é ilustrada. O CBC é produzido enzimaticamente a partir do precursor canabinóide CBGA, por meio de um intermediário CBCA. A descarboxilação (círculo vermelho) do CBCA através do calor resulta no CBC neutro. O círculo verde destaca a cadeia alquil lateral que pode variar em comprimento de três a sete carbonos em canabinoides isolados da Cannabis sativa. Fonte: Sepulveda, D. E., Vrana, K. E., Kellogg, J. J., Bisanz, J. E., Desai, D., Graziane, N. M., & Raup-Konsavage, W. M. (2024). The Potential of Cannabichromene (CBC) as a Therapeutic Agent. The Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, 391(2), 206–213.

Atuação e a correlação com o Sistema Endocanabinoide

A ação terapêutica do CBC e de outros fitocanabinoides se deve à sua interação com o Sistema Endocanabinoide (SEC), a rede de sinalização responsável por manter a homeostase. A singularidade do CBC reside em sua relação não clássica com o SEC. Ao contrário do THC, que se liga fortemente ao receptor central CB1​, o CBC não demonstra afinidade conhecida por este alvo, garantindo sua natureza não psicotrópica

Sua principal atuação é como agonista do receptor CB2 que modula a inflamação e a dor na periferia. Mais notavelmente, o CBC interage com alvos que vão além do SEC clássico, como os receptores de potencial transitório (TRPA1​ e TRPV2​), confirmando que sua contribuição para o equilíbrio fisiológico ocorre através de um amplo cross-talk molecular, sem a ativação psicoativa central.³

Apesar de o CBC não ser psicotrópico, estudos in vitro sobre o receptor CB1​ são controversos. O CBC demonstrou capacidade de deslocar agonistas sintéticos, mas sua falha em induzir o recrutamento de β-arrestina-2 sugere que a ligação, se ocorrer, não leva à ativação clássica do receptor. Sua afinidade de ligação ao CB1​ é considerada semelhante ao CBG e significativamente menor do que o Δ9-THC. Vários estudos reforçam que o CBC não ativa o CB1​, o que é plenamente consistente com sua ausência de efeitos psicomiméticos.³

A ausência de recrutamento de β-arrestina-2 é um ponto de interesse fundamental. Esse fenômeno, conhecido como sinalização tendenciosa (biased signaling), tem sido associado em outros sistemas de receptores à melhora da analgesia com efeitos colaterais reduzidos. Isso levanta a hipótese de que a natureza não psicotrópica do CBC e seu potencial analgésico podem estar ligados à sua incapacidade de estimular o recrutamento de β-arrestina-2 no CB1​.4

Potencial terapêutico

​O CBC possui um espectro de atividades terapêuticas promissoras que se baseia em uma farmacologia de alta seletividade, conferida por sua ação como agonista do receptor CB2​ e modulador chave dos canais TRPA1​ e TRPV2​. Esta atuação multifacetada, livre da ativação CB1​, o posiciona como um agente de grande valor, especialmente em doenças inflamatórias.

O CBC demonstrou atividade anticancerígena em modelos de câncer de pâncreas humano, induzindo apoptose e ferroptose (morte celular dependente de ferro). O CBC regula a expressão de genes como o HMOX1 e os efeitos de morte celular são revertidos com inibidores de TRPV1 e CB2, sugerindo uma modulação integrativa de múltiplas vias. Estes achados foram confirmados in vivo, somando-se ao potencial antitumoral já demonstrado em células de câncer de mama.5

Ademais, estudos de atividade funcional confirmaram que o CBC é um agonista seletivo do receptor CB2​, ativando-o para produzir hiperpolarização celular (em células AtT20) sem ativar o CB1​. Essa ativação é sensível à toxina da coqueluche e pode induzir mecanismos regulatórios do receptor CB2​, como a dessensibilização e perda de receptores de superfície. Essa seletividade é crucial, pois sugere que o CBC contribui para a eficácia terapêutica de extratos de Cannabis através da modulação de processos inflamatórios mediados pelo CB2 sem o efeito psicotrópico.6

Adicionalmente, o CBC demonstrou fortes efeitos anti-inflamatórios em modelos de edema através de mecanismos não CB1​. Em macrófagos ativados por LPS, o CBC reduziu significativamente os níveis de nitrito e aumentou os níveis de oleoiletanolamida (OEA). É notável que o efeito anti-inflamatório do CBC em macrófagos foi inibido por antagonistas do receptor CB1​, sugerindo um acoplamento negativo da sinalização CB1 com a ação anti-inflamatória, reforçando sua segurança em relação a este receptor.

O potencial do CBC é particularmente evidente em modelos de doenças inflamatórias sistêmicas.

  • Colite: In vivo, o CBC melhorou a inflamação colônica experimental (induzida por DNBS), reduzindo a atividade da mieloperoxidase e demonstrando melhorias histológicas. Sua eficácia aqui está ligada à ativação do TRPA1 e à modulação de mediadores pró-inflamatórios em macrófagos.7
  • Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA): Em um modelo murino, o CBC administrado de forma inalatória (um modelo translacional) foi capaz de reverter a hipóxia (aumentando a saturação de O2​), melhorar os sintomas (reduzindo citocinas pró-inflamatórias em 50%) e proteger o tecido pulmonar contra a destruição. O mecanismo subjacente envolveu o aumento de 5 vezes na expressão dos canais TRPA1​ e TRPV2​ nos tecidos pulmonares, restabelecendo a homeostase imune. Este achado propõe um novo e vital papel para os canais TRP como mecanismo potencial para os efeitos benéficos do CBC em doenças inflamatórias sistêmicas.8

 

A versatilidade do CBC é complementada por outras ações importantes. Esse canabinoide apresenta um perfil neurofarmacológico notavelmente promissor. Estudos sistemáticos têm demonstrado que o CBC (em doses de 10–75 mg em modelos animais) mostra-se promissor em quadros de convulsão e hipomobilidade, além de demonstrar eficácia em modelos de doença de Huntington e Parkinson. Essa ação é complementada por um potencial antidepressivo.9

Mais recentemente, o CBC ganhou destaque na pesquisa de epilepsias pediátricas refratárias, como a Síndrome de Dravet. Estudos in vivo em modelos murinos de Dravet (Scn1a) confirmaram que o CBC, o ácido canabicromênico (CBCA) e o ácido canabicromovarínico (CBCVA) são prontamente absorvidos e demonstram substancial penetração cerebral. Mais importante, o CBC e seus análogos ácidos aumentaram significativamente o limiar de temperatura no qual os camundongos apresentavam convulsões tônico-clônicas generalizadas.10

Esses achados sugerem que o CBC e seus derivados atuam como anticonvulsivantes em um modelo de epilepsia pediátrica intratável. Portanto, eles podem constituir uma parte fundamental do mecanismo de ação pelo qual os extratos de Cannabis demonstram eficácia clínica nestes pacientes.10

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Conclusão e implicações para a prática médica

O CBC reafirma sua posição como um fitocanabinoide minoritário de importância majoritária. Longe de ser apenas um coadjuvante, seu perfil farmacológico singular e sua notável estabilidade química o tornam um agente terapêutico promissor.

As evidências científicas consolidam o CBC como um canabinoide de grande potencial, devido à sua ação como agonista seletivo do receptor CB2​ e modulador de TRPA1​ e TRPV2​. Essa atuação é fundamental no combate à inflamação crônica (em patologias como SDRA e colite) e no manejo da dor. Além disso, as descobertas em oncologia (indução de ferroptose) e neuroproteção (eficácia anticonvulsivante na Síndrome de Dravet) elevam o CBC ao status de um agente terapêutico promissor que exige investigações mais aprofundadas.

Para a prática clínica, a seletividade e a segurança do CBC são de alta relevância, sugerindo que esse fitocanabinoide pode ser um componente essencial na otimização de terapias de espectro completo. Em essência, o CBC nos convida a ir além da farmacologia isolada do CBD e a ponderar profundamente sobre a sinergia e a ação completa da planta como um meio mais robusto para alcançar a homeostase do paciente. Fica o questionamento: diante de um quadro inflamatório ou dor crônica refratária, de que maneira a inclusão estratégica de um canabinoide com potente ação em CB2​ e TRPA1​ pode redefinir os limites do nosso protocolo terapêutico atual?

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Referências

  1. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  2. Odieka AE, Obuzor GU, Oyedeji OO, Gondwe M, Hosu YS, Oyedeji AO. Os produtos naturais medicinais da Cannabis sativa Linn.: Uma revisão. Moléculas. 4 de março de 2022; 27(5):1689. DOI: 10.3390/molecules27051689. PMID: 35268790; PMCID: PMC8911748.
  3. Sepulveda, D. E., Vrana, K. E., Kellogg, J. J., Bisanz, J. E., Desai, D., Graziane, N. M., & Raup-Konsavage, W. M. (2024). The Potential of Cannabichromene (CBC) as a Therapeutic Agent. The Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, 391(2), 206–213.
  4. Darcq E, Kieffer BL. Opioid receptors: drivers to addiction? Nat Rev Neurosci. 2018 Aug;19(8):499-514. doi: 10.1038/s41583-018-0028-x. PMID: 29934561.
  5. Hwang, YN., Park, JH., Na, HH. et al. Cannabichromene: integrative modulation of apoptosis, ferroptosis, and endocannabinoid signaling in pancreatic cancer therapy. Cell Death Discov. 11, 377 (2025). https://doi.org/10.1038/s41420-025-02674-8
  6. Udoh, Michael et al. “Cannabichromene is a cannabinoid CB2 receptor agonist.” British journal of pharmacology vol. 176,23 (2019): 4537-4547. doi:10.1111/bph.14815
  7. Romano, B et al. “The cannabinoid TRPA1 agonist cannabichromene inhibits nitric oxide production in macrophages and ameliorates murine colitis.” British journal of pharmacology vol. 169,1 (2013): 213-29. doi:10.1111/bph.12120
  8. Khodadadi, Hesam et al. “A potential role for cannabichromene in modulating TRP channels during acute respiratory distress syndrome.” Journal of cannabis research vol. 3,1 45. 1 Oct. 2021, doi:10.1186/s42238-021-00101-0
  9. Stone, Nicole L et al. “A systematic review of minor phytocannabinoids with promising neuroprotective potential.” British journal of pharmacology vol. 177,19 (2020): 4330-4352. doi:10.1111/bph.15185
  10. Anderson LL, Ametovski A, Lin Luo J, Everett-Morgan D, McGregor IS, Banister SD, Arnold JC. Cannabichromene, Related Phytocannabinoids, and 5-Fluoro-cannabichromene Have Anticonvulsant Properties in a Mouse Model of Dravet Syndrome. ACS Chem Neurosci. 2021 Jan 20;12(2):330-339. doi: 10.1021/acschemneuro.0c00677. Epub 2021 Jan 4. PMID: 33395525.

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