Cannabis e Artrite Reumatoide: Pode ajudar?

Publicado em 08/07/24 | Atualizado em 16/07/24 Leitura: 8 minutos

Cannabis como MedicamentoReumatológicas

A artrite reumatoide é uma doença autoimune crônica que provoca inflamação nas articulações, resultando em dor persistente, inchaço, rigidez e comprometimento da função articular. Os tratamentos convencionais, que incluem medicamentos anti-inflamatórios e imunossupressores, muitas vezes não proporcionam alívio adequado dos sintomas, especialmente quando fármacos como o Metotrexato se mostram ineficazes. Nesse cenário, muitos pacientes recorrem a alternativas como a cannabis, reconhecida por seus potenciais efeitos analgésicos e anti-inflamatórios. Neste post, exploraremos como a cannabis pode auxiliar no tratamento da artrite reumatoide, oferecendo uma nova perspectiva no manejo dessa condição debilitante.

Artrite Reumatoide 

A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune crônica que afeta predominantemente as articulações, mas pode também ter repercussões sistêmicas. Caracteriza-se pela inflamação persistente da membrana sinovial, o tecido que reveste as articulações, levando a uma série de manifestações clínicas. Essa inflamação resulta em dor, inchaço, rigidez e perda da função articular, frequentemente em padrões simétricos, afetando principalmente mãos, pés, joelhos e punhos.

Os mecanismos patológicos da AR envolvem a ativação anormal do sistema imune, que ataca erroneamente as células da membrana sinovial. Isso resulta na produção de citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucinas (IL-1, IL-6) e outras moléculas inflamatórias, que promovem a degradação da cartilagem articular e do osso subcondral. A progressão da doença pode levar à destruição articular, deformidades e incapacidade funcional significativa.

Além das manifestações articulares, a AR pode apresentar sintomas sistêmicos, incluindo fadiga, febre, perda de peso e, em alguns casos, envolvimento de outros órgãos, como os pulmões, coração e olhos. O diagnóstico é baseado na história clínica, exame físico, exames laboratoriais (como fator reumatoide e anticorpos anti-CCP) e imagem (radiografias, ultrassonografia ou ressonância magnética).

O tratamento da artrite reumatoide visa controlar a inflamação, prevenir danos articulares e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Isso é frequentemente alcançado com o uso de medicamentos antirreumáticos modificadores da doença (DMARDs), incluindo metotrexato, sulfassalazina e hidroxicloroquina, bem como terapia biológica e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). No entanto, esses medicamentos não raras vezes são ineficazes para alguns pacientes e possuem uma série de efeitos colaterais significativos, como toxicidade hepática, risco aumentado de infecções, problemas gastrointestinais e supressão da medula óssea. Nesse contexto, a terapia com cannabis medicinal surge como uma alternativa promissora, oferecendo potenciais efeitos analgésicos e anti-inflamatórios que podem complementar os tratamentos convencionais.

Efeitos Anti-inflamatórios do CBD

O canabidiol (CBD) é um canabinoide não psicotrópico que possui diversos mecanismos de ação anti-inflamatórios. Ele inibe a produção de citocinas inflamatórias e a proliferação de células sinoviais, que são responsáveis pela formação do pannus na artrite reumatoide. Além disso, o CBD influencia a ativação de receptores TRPV1 e TRPA1, que estão envolvidos na percepção da dor e na modulação da inflamação.² Adicionalmente, o CBD tem demonstrado modular a expressão de genes relacionados à inflamação e ao estresse oxidativo. Ele também pode interferir na migração de células imunológicas para os locais de inflamação, reduzindo assim a resposta inflamatória local.³

Papel do THC na Modulação da Dor

O tetrahidrocanabinol, por sua vez, atua predominantemente através da ativação dos receptores CB1 no sistema nervoso central, modulando a percepção da dor.4 O THC também possui propriedades anti-inflamatórias e pode atuar sinergicamente com o CBD para proporcionar alívio da dor e da inflamação em pacientes com AR. A combinação desses canabinoides pode resultar em um efeito terapêutico mais robusto, explorando a interação entre diferentes mecanismos de ação. Além disso, o THC influencia a liberação de neurotransmissores que modulam a transmissão da dor, como a dopamina e a serotonina, resultando em um efeito analgésico mais potente.5 A combinação de THC e CBD pode atuar sinergicamente, explorando a interação entre diferentes mecanismos de ação para proporcionar um alívio mais eficaz da dor e da inflamação em pacientes com AR.

Evidências Científicas

As evidências clínicas sobre o potencial terapêutico da cannabis no manejo de doenças reumáticas, como a artrite reumatoide, têm se expandido significativamente nos últimos anos. Desde as primeiras menções ao uso terapêutico da cannabis para doenças articulares na antiguidade, estudos contemporâneos têm validado seu potencial clínico. Até julho de 2023, diversos ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRs) duplo-cegos demonstraram que canabinoides como o THC e o CBD podem proporcionar alívio substancial da dor e melhorar a qualidade do sono em pacientes com AR.6

Um estudo pioneiro realizado no Reino Unido por Blake et al. (2006) envolveu um ECR duplo-cego que avaliou a segurança, tolerabilidade e eficácia do nabiximols, um extrato padronizado de cannabis, em 58 pacientes com AR. Os resultados indicaram que, após cinco semanas de tratamento com uma dose média de 5,4 pulverizações diárias (contendo 14,58 mg de THC e 13,5 mg de CBD), houve uma melhoria estatisticamente significativa na dor ao movimento, dor em repouso e qualidade do sono, com um perfil de efeitos adversos aceitável. Este estudo foi um marco, evidenciando que a cannabis pode ser uma opção terapêutica viável para a AR.7

Além disso, há evidências significativas do potencial do canabidiol no alívio das dores associadas à artrite reumatoide, conforme demonstrado em uma pesquisa norte-americana realizada com 196 pacientes que utilizam regularmente cannabis medicinal para melhorar sintomas e manejar quadros de dor crônica, incluindo artrite, depressão e náuseas. Os resultados dessa pesquisa são promissores, indicando que 76% dos participantes relataram uma pontuação de 8 ou mais em uma escala de 10 pontos, o que sugere uma melhora substancial no quadro clínico geral. Além disso, 68% dos pacientes relataram uma pontuação de 8 ou mais em relação à diminuição das dores crônicas com o uso regular de cannabis medicinal. Esses dados reforçam o potencial terapêutico do CBD, especialmente em pacientes com artrite reumatoide, destacando sua eficácia no manejo da dor crônica e na melhoria da qualidade de vida.8,

Conclusão

É fundamental que os médicos estejam continuamente atualizados sobre as últimas descobertas e avanços científicos, especialmente no campo de novas alternativas terapêuticas como a cannabis medicinal. Esta atualização constante não apenas permite que os profissionais médicos ofereçam o melhor cuidado possível aos seus pacientes, mas também garante que possam considerar todas as opções terapêuticas disponíveis de maneira segura e eficaz. Nesse contexto, a WeCann Academy desempenha um papel crucial ao oferecer suporte educacional especializado para médicos interessados em explorar o uso terapêutico seguro e responsável da cannabis medicinal. Através de uma base científica sólida, buscamos assegurar que os profissionais médicos possam tomar decisões informadas e baseadas em evidências científicas ao considerar a cannabis como parte do arsenal terapêutico para diversas condições médicas, como a artrite reumatoide.

Referências

  1. Battista N, Di Tommaso M, Bari M, Maccarrone M. The endocannabinoid system: an overview. Front Behav Neurosci. 2012 Mar 14;6:9. doi: 10.3389/fnbeh.2012.00009. PMID: 22457644; PMCID: PMC3303140.
  2. MARINHO, Alexandre Magno da Nóbrega; SILVA-NETO, Ricardo Wagner Gomes da. Efeitos anti-inflamatórios dos canabinoides. Brazilian Journal of Pain, v. 6, Suppl. 1, p. S1-S10, 2023. Disponível em: <https://doi.org/10.5935/2595-0118.20230010-pt>.
  3. Booz GW. Cannabidiol as an emergent therapeutic strategy for lessening the impact of inflammation on oxidative stress. Free Radic Biol Med. 2011 Sep 1;51(5):1054-61. doi: 10.1016/j.freeradbiomed.2011.01.007. Epub 2011 Jan 14. PMID: 21238581; PMCID: PMC3085542.
  4. Pertwee RG. The diverse CB1 and CB2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids: delta9-tetrahydrocannabinol, cannabidiol and delta9-tetrahydrocannabivarin. Br J Pharmacol. 2008 Jan;153(2):199-215. doi: 10.1038/sj.bjp.0707442. Epub 2007 Sep 10. PMID: 17828291; PMCID: PMC2219532.
  5. CECILIO, Soraya A. J.; OLIVEIRA JÚNIOR, José Oswaldo de. Cannabis versus neuromoduladores na dor crônica. Brazilian Journal of Pain, v. 1, n. 1, p. 1-10, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20230057-pt.
  6. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. Wecann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  7. Blake, D. R., Robson, P., Ho, M., Jubb, R. W. & McCabe, C. S. Preliminary assessment of the efficacy, tolerability and safety of a cannabis-based medicine (Sativex) in the treatment of pain caused by rheumatoid arthritis. Rbeumatology 45, 50-52 (2006). 
  8. Luque JS, Okere AN, Reyes-Ortiz CA, Williams PM. Mixed methods study of the potential therapeutic benefits from medical cannabis for patients in Florida. Complement Ther Med. 2021 Mar;57:102669. doi: 10.1016/j.ctim.2021.102669. Epub 2021 Jan 15. PMID: 33460744; PMCID: PMC8053674.
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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