O canabidiol (CBD), um dos compostos mais estudados da planta Cannabis sativa, tem ganhado cada vez mais destaque no campo da medicina devido ao seu vasto potencial terapêutico e pela sua baixa toxicidade, sendo amplamente pesquisado pela indústria farmacêutica. Ao contrário do Δ9-tetrahidrocanabinol (THC), o CBD não possui efeitos psicotrópicos, permitindo que seus benefícios terapêutico sejam aproveitados sem causar efeitos psicoestimulantes. Extraído principalmente das flores da planta, o CBD está disponível em várias formas, como óleos, cápsulas, cremes e produtos comestíveis, facilitando sua incorporação em tratamentos diversos.
Neste artigo, vamos explorar como o CBD pode ser uma alternativa eficaz no tratamento de várias doenças, destacando seus benefícios cientificamente comprovados e os mecanismos pelos quais ele atua no corpo humano.
Doenças que podem ser tratadas com Canabidiol
Dores Crônicas
Dor Neuropática
Os estudos têm demonstrado os múltiplos benefícios do canabidiol no tratamento da dor neuropática crônica. Em um ensaio clínico¹ envolvendo 125 pacientes, a combinação de CBD e THC administrada por 4 semanas proporcionou uma redução significativa nos escores de dor, além de melhorias nos índices de incapacidade funcional e na impressão global de mudança dos pacientes.
Os benefícios do CBD em comparação com outros tratamentos farmacológicos para dor neuropática são notáveis. Formulações de Cannabis, especialmente aquelas com uma proporção de CBD e THC 1:1, obtiveram as pontuações mais altas em eficácia, superando medicamentos convencionais como duloxetina, gabapentinoides, amitriptilina, tramadol, ibuprofeno, metadona e oxicodona². Com estimativas indicando que cerca de 35% das síndromes dolorosas têm um componente neuropático, caracterizado por sensações de formigamento, queimadura ou hipersensibilidade, o CBD destaca-se como uma opção terapêutica segura e promissora, oferecendo alívio eficaz e melhorando a qualidade de vida desses pacientes.
Fibromialgia
A fibromialgia é uma condição crônica caracterizada por dor generalizada, fadiga e sensibilidade aumentada, cuja terapêutica convencional muitas vezes falha em proporcionar alívio adequado da dor. Diante disso, o canabidiol emerge como uma opção para o manejo dos sintomas, oferecendo uma alternativa eficaz e bem-tolerada para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Estudos modernos demonstram que os canabinoides, particularmente o canabidiol (CBD), podem oferecer uma alternativa terapêutica eficaz para pacientes com fibromialgia que não respondem bem aos tratamentos convencionais. Um estudo, publicado em 2019 no Journal of Clinical Medicine³, acompanhou 367 pacientes com fibromialgia que foram tratados com Cannabis medicinal ao longo de seis meses. Os resultados deste estudo mostraram que o Canabidiol pode ser uma opção eficaz e segura, destacando-se por suas baixas taxas de dependência e ausência de efeitos adversos graves. Em comparação com os opioides, que são frequentemente associados a altos riscos de dependência e efeitos colaterais severos, o Canabidiol se apresenta como uma alternativa viável e promissora para o manejo da dor crônica em pacientes com fibromialgia.
Além da diminuição na severidade da doença, os pacientes que utilizaram Cannabis relataram melhorias significativas no bem-estar geral, na capacidade para o trabalho e na percepção da dor. Esses achados indicam que a combinação de CBD e THC pode ser uma alternativa eficaz para o alívio das dores crônicas associadas à fibromialgia, oferecendo uma opção terapêutica que melhora a qualidade de vida dos pacientes.
Enxaqueca
O CBD tem demonstrado potencial promissor no tratamento da enxaqueca, atuando através da modulação do Sistema Endocanabinoide (SEC), essencial para a homeostase do organismo. Evidências científicas indicam que pacientes com enxaqueca crônica apresentam níveis reduzidos de anandamida (AEA)4, um dos endocanabinoide principais endocanabinoides do corpo humano, o que pode facilitar a percepção da dor. A suplementação com CBD pode auxiliar a restaurar o equilíbrio do SEC, aumentando os níveis de anandamida e reduzindo a frequência e a intensidade das crises álgicas. Além disso, evidências científicas revelam que o SEC interage com o Sistema Trigeminovascular (ST), que desempenha um papel significativo nas crises de enxaqueca, sugerindo que o CBD pode ser uma alternativa terapêutica segura e eficaz para aliviar os sintomas dessa condição debilitante.
Estudos recentes indicam que as formulações orais de canabinoides, como FM2®, Bedrocan® e Bediol®, são eficazes no tratamento da enxaqueca crônica5. Ao longo de seis meses, pacientes tratados com essas formulações relataram uma redução significativa na intensidade da dor e no uso de medicação analgésica para alívio imediato, sem mudanças no número de dias de enxaqueca por mês. A maioria dos efeitos adversos relatados foi leve, o que sugere uma boa tolerabilidade.
Para prescrever CBD, recomenda-se iniciar com uma dose baixa e ajustá-la conforme necessário, monitorando parâmetros como o número de dias de enxaqueca, intensidade das dores e uso de medicamentos para alívio imediato. Revisões de literatura também destacam a sinergia entre CBD, THC, flavonoides e terpenos, que potencializa os efeitos terapêuticos e reduz a frequência das crises6. Esta abordagem oferece uma alternativa eficaz para pacientes com enxaqueca, melhorando a qualidade de vida e diminuindo a dependência de analgésicos tradicionais.
Distúrbios Neurológicos
Epilepsia (incluindo Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa)
O CBD tem emergido como uma opção terapêutica essencial no manejo da epilepsia, particularmente em pacientes refratários aos tratamentos convencionais. Estudos clínicos têm revelado a capacidade do CBD de reduzir tanto a frequência quanto a intensidade das convulsões em pacientes com epilepsia resistente, como aqueles afetados pela síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut.
Um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, que investigou o impacto do CBD em pacientes com síndrome de Dravet, revelou uma redução expressiva na frequência de crises convulsivas entre os participantes tratados com CBD7. Além disso, evidências recentes destacam os benefícios do CBD no tratamento de outras formas de epilepsia, como a síndrome de Lennox-Gastaut.
Em um estudo multicêntrico envolvendo pacientes com essa síndrome, o CBD demonstrou uma redução significativa na ocorrência de convulsões ao longo de um período de tratamento de 14 semanas8. Essas descobertas sugerem que o CBD pode representar uma opção terapêutica eficaz e bem tolerada para pacientes com epilepsia refratária, preenchendo uma lacuna importante no arsenal terapêutico disponível para essa condição neurológica desafiadora.
Doença de Parkinson
A Doença de Parkinson (DP) é uma das doenças neurodegenerativas mais prevalentes, afetando principalmente pessoas com mais de 65 anos. Caracteriza-se por sintomas motores como rigidez muscular, tremor de repouso, bradicinesia e alterações posturais. Embora a Levodopa seja amplamente utilizada no tratamento para reduzir esses sintomas, sua eficácia a longo prazo é limitada devido ao surgimento de complicações motoras incapacitantes, como a discinesia. Nesse contexto, o CDB surge como uma alternativa complementar, estudos recentes têm explorado o seu potencial terapêutico no tratamento da DP, para o controle dos sintomas motores e não motores da doença e redução das complicações associadas ao tratamento convencional.
As pesquisas demonstram melhorias significativas nos sintomas psicóticos associados à DP, um desafio comum no tratamento da DP, sem piora na função motora ou nas habilidades cognitivas, oferecendo uma alternativa promissora com poucos efeitos colaterais. Um estudo de 2014, que incluiu 339 pacientes com Parkinson, revelou que cerca de 25% deles relataram o uso regular de Cannabis, principalmente por via oral. Após o uso, uma proporção significativa desses pacientes experimentou melhorias nos sintomas gerais da DP, tremor de repouso, bradicinesia, rigidez muscular e até mesmo na discinesia induzida por levodopa9.
Estudos científicos recentes corroboram o potencial terapêutico da cannabis na DP. Um estudo de 2021 destacou a capacidade dos canabinoides em proteger as células neuronais, retardando a progressão da doença10. Outras pesquisas demonstraram que o CBD pode reduzir a ansiedade e a amplitude dos tremores em pacientes com DP, além de melhorar distúrbios do sono frequentemente associados à doença. Também foi observado que o CBD pode ser eficaz no manejo da psicose,
Esclerose Múltipla (EM)
A esclerose múltipla é uma condição neurológica autoimune, crônica e debilitante, que afeta predominantemente mulheres jovens, causando uma série de sintomas incapacitantes, incluindo fadiga, fraqueza muscular, espasmos musculares, desequilíbrio, disfunção urinária e intestinal, tremores e incontinência urinária. A Associação Brasileira de Esclerose Múltipla estima que aproximadamente 40 mil brasileiros vivem com a doença. Em um estudo realizado pela Universidade de Michigan, constatou-se que 42% dos pacientes com EM utilizaram cannabis medicinal ou produtos derivados da planta em 2019, principalmente para melhorar o sono e aliviar dores11.
Estudos têm demonstrado os efeitos benéficos do CBD no alívio da espasticidade e da dor neuropática associadas à EM. O CBD atua sobre os receptores endocanabinoides do sistema nervoso, reduzindo a excitabilidade neuronal e a inflamação, o que pode resultar em uma diminuição dos sintomas da EM. Medicamentos como o Sativex®, que contém CBD, têm sido eficazes no controle da rigidez muscular e dos espasmos associados à doença.
Além disso, o CBD tem sido associado à melhora da qualidade do sono e à redução da incontinência urinária, sintomas comuns e impactantes na qualidade de vida dos pacientes com EM. Sua ação neuroprotetora e anti-inflamatória pode ajudar a modular a progressão da doença, oferecendo uma abordagem terapêutica abrangente.
Transtornos Psiquiátricos
Ansiedade
O CBD tem se destacado no tratamento da ansiedade ao atuar no sistema endocanabinoide, que é crucial para regular o humor e as respostas ao estresse. Um dos mecanismos principais é a inibição da enzima FAAH, responsável pela degradação da anandamida, uma molécula que contribui para a sensação de bem-estar. Ao aumentar os níveis de anandamida, o CBD ajuda a promover sensações de relaxamento e bem-estar.
Além disso, o CBD interage com os receptores de serotonina, particularmente o receptor 5-HT1A, que desempenha um papel importante na regulação do humor e da ansiedade. A ativação deste receptor pelo CBD resulta em efeitos ansiolíticos e antidepressivos. O CBD também reduz a atividade da amígdala, a parte do cérebro envolvida no processamento de emoções intensas, como medo e ansiedade12. Esse efeito diminui as respostas exageradas ao estresse, promovendo um estado de relaxamento e tranquilidade. Assim, o CBD oferece uma abordagem segura e eficaz para controlar os sintomas de transtornos de ansiedade.
Ao contrário do tetrahidrocanabinol (THC), o CBD não possui efeitos psicotrópicos, o que o torna uma opção atraente para aqueles que buscam alívio da ansiedade sem os efeitos colaterais indesejados associados ao THC. Além disso, o CBD tem demonstrado uma relação de dose/resposta mais linear, o que significa que os pacientes podem experimentar benefícios terapêuticos consistentes sem o risco de efeitos colaterais importantes.
No entanto, é importante notar que a eficácia do CBD no tratamento da ansiedade pode variar de pessoa para pessoa, e a dose ideal pode precisar ser ajustada individualmente. É fundamental consultar um profissional médico qualificado antes de iniciar qualquer tratamento com CBD, especialmente se houver condições clínicas preexistentes ou uso de outros medicamentos. Com a orientação adequada, o CBD pode oferecer uma opção segura e eficaz para gerenciar os sintomas da ansiedade e melhorar a qualidade de vida.
Depressão
O CBD emerge como uma possível alternativa terapêutica complementar no tratamento da depressão, através uma abordagem distinta e bastante segura para os pacientes. Em uma revisão bibliográfica foi visto que pesquisas pré-clínicas destacam seu papel na regulação dos sistemas neurotransmissores associados à depressão, sugerindo efeitos antidepressivos semelhantes aos medicamentos alopáticos convencionais13. Além disso, os estudos indicam que o CBD pode atuar relativamente rápido no alívio dos sintomas depressivos, modulando a atividade cerebral e influenciando positivamente o processamento emocional.
A segurança do CBD é um dos aspectos mais atrativos dessa opção terapêutica, com um perfil de efeitos colaterais geralmente benignos em comparação com outros tratamentos antidepressivos. Além disso, as propriedades ansiolíticas e antidepressivas do CBD, juntamente com sua capacidade de aliviar o estresse, representam um potencial significativo no manejo da depressão. Com um entendimento crescente de seu papel no Sistema Endocanabinoide e seus efeitos antidepressivos potenciais, o CBD surge como uma abordagem complementar segura e inovadora para o tratamento da depressão, com o potencial de melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa condição desafiadora.
Conclusão
A resposta ao canabidiol é altamente individualizada, e dependente de diversos fatores, como a formulação adequada, a dosagem correta, e características individuais de absorção e metabolização.. Esses elementos são, por sua vez, influenciados por questões específicas da condição médica do paciente e outros medicamentos que possam estar em uso.
Com o mercado de cannabis medicinal em constante crescimento, os médicos estão sendo cada vez mais procurados por pacientes em busca de orientação sobre o uso terapêutico do canabidiol e outros compostos da planta. Diante dessa demanda em evolução, é imprescindível que os profissionais médicos se mantenham atualizados e melhor capacitados para atender às necessidades crescentes de assistência na área. Investir em educação continuada e estar receptivo às evidências científicas emergentes são passos essenciais para garantir que os médicos possam oferecer o melhor cuidado possível, adaptando suas práticas clínicas às demandas do cenário atual da medicina baseada em evidências.
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