Legislação Internacional da Cannabis Medicinal: Um Panorama Completo.

Publicado em 14/08/24 | Atualizado em 26/08/24 Leitura: 12 minutos

Cannabis como Medicamento

O uso medicinal da cannabis tem sido alvo de intensos debates e significativas mudanças legislativas ao redor do mundo. Com o avanço das pesquisas científicas, que cada vez mais demonstram os benefícios terapêuticos dos canabinoides, muitos países estão reavaliando suas políticas e regulamentações relacionadas ao uso medicinal da planta. Neste post, iremos fornecer uma análise abrangente sobre a legislação internacional da cannabis medicinal, destacando os principais países e suas diversas abordagens regulatórias.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a regulamentação da cannabis medicinal é complexa e varia significativamente de estado para estado. Embora a cannabis permaneça ilegal a nível federal sob a Lei de Substâncias Controladas, mais de 30 estados já legalizaram o uso medicinal da planta. Cada estado implementa suas próprias regulamentações, que incluem listas de condições médicas qualificadoras, requisitos específicos para prescrição e dispensação de produtos à base de cannabis, além de limitações quanto à quantidade de THC permitida.

Estados como Califórnia e Colorado são pioneiros nesta área, oferecendo modelos maduros para a regulamentação da cannabis medicinal. A Califórnia, por exemplo, foi o primeiro estado a legalizar o uso medicinal da cannabis em 1996, o Colorado seguiu em 2000.¹,² Esses estados estabeleceram sistemas detalhados para o cultivo, a distribuição e o uso medicinal da cannabis, servindo como referência para outras jurisdições.

Além disso, as regulamentações estaduais variam amplamente em termos de acesso e controle. Alguns estados exigem registros de pacientes e médicos, enquanto outros impõem limites rigorosos sobre a quantidade de cannabis que pode ser cultivada ou adquirida. Há também diferenças significativas nas condições médicas que qualificam os pacientes para o uso medicinal da cannabis, refletindo uma abordagem fragmentada em nível nacional.

A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos tem um papel essencial na regulamentação de medicamentos à base de cannabis. Como agência reguladora, a FDA supervisiona alimentos, suplementos dietéticos, medicamentos, cosméticos, dispositivos médicos e produtos biológicos, garantindo que sejam seguros e eficazes antes de chegarem ao mercado. Diferentemente dos produtos alimentícios e suplementos dietéticos à base de cannabis, que não estão sob a jurisdição da FDA, medicamentos como o Epidiolex® passam por processos rigorosos de aprovação. O Epidiolex®, uma solução oral de CBD aprovada em 2018, foi registrado para tratar convulsões associadas à síndrome de Dravet e à síndrome de Lennox-Gastaut em pacientes pediátricos. A diversidade das regulamentações nos Estados Unidos evidencia tanto os desafios quanto às oportunidades na formulação de políticas eficazes para o uso medicinal da cannabis.³

Canadá

O Canadá é amplamente reconhecido como um dos países mais progressistas em relação à regulamentação da cannabis medicinal. Desde 2001, o país permite o uso medicinal da cannabis, oferecendo aos pacientes uma alternativa terapêutica valiosa para uma variedade de condições médicas. Este avanço inicial foi consolidado com a promulgação do Cannabis Act em 2018, que legalizou completamente a planta, tanto para uso medicinal quanto uso adulto.4

A abordagem do Canadá é considerada um modelo de referência devido ao seu equilíbrio entre acessibilidade e controle regulatório. O governo federal, através da Health Canada, supervisiona a produção e distribuição de cannabis medicinal, garantindo que os produtos atendam a padrões rigorosos de qualidade e segurança. Este controle regulatório é fundamental para assegurar que os pacientes recebam produtos consistentes e eficazes para o tratamento de suas condições médicas.5

A regulamentação canadense permite que pacientes com prescrição médica adquiram cannabis de fornecedores licenciados pelo governo ou cultivem suas próprias plantas para uso medicinal. Esse sistema é projetado para garantir que os pacientes tenham acesso seguro e controlado à cannabis, minimizando riscos associados ao consumo não regulamentado.

Europa

Na Europa, a regulamentação da cannabis medicinal apresenta variações consideráveis entre os países, refletindo diferentes abordagens em termos de acesso, controle e aprovação de medicamentos à base de cannabis.

  • Alemanha: Desde 2017, a Alemanha legalizou a cannabis medicinal, permitindo que pacientes com prescrição médica adquiram a planta em farmácias. A legislação alemã inclui um sistema de reembolso pelo seguro de saúde para pacientes elegíveis, facilitando o acesso. Entre os medicamentos disponíveis estão o Epidiolex® (solução oral de CBD), o spray bucal Sativex® (combinação de THC e CBD), Pedanios Cannabis® (extrato líquido de THC e CBD), Canemes® (nabilona) e diversos tipos de flores de cannabis para vaporização.4

 

  • Reino Unido: Em 2018, o Reino Unido atualizou suas leis para permitir a prescrição de cannabis medicinal por médicos especializados. Apesar disso, o acesso ainda é limitado devido a obstáculos burocráticos e altos custos e está sujeito a diretrizes estritas do NICE (National Institute for Health and Care Excellence). 

 

  • Países Baixos: Segundo a legislação de entorpecentes dos Países Baixos, a posse, venda ou produção de produtos à base de cannabis é proibida. No entanto, a lei prevê exceções para uso medicinal e pesquisa, permitindo essas atividades sob condições específicas. Além disso, produtos à base de cannabis podem ser comercializados em coffee shops, sujeitos a regulamentos detalhados. A regulamentação da cannabis medicinal é rigorosa, através da Agência de Cannabis Medicinal (OMC), um órgão federal, responsável pelo controle completo do cultivo, importação e venda da cannabis para fins medicinais e científicos. Todos os produtos à base de cannabis estão sujeitos às normas gerais de medicamentos, requerendo autorização específica para serem comercializados e disponíveis apenas mediante prescrição médica.4

 

  • Itália: Não existe uma regulamentação específica para os produtos à base de Cannabis na Itália. Porém, desde 2006, a Itália permite a prescrição de cannabis medicinal pelo Decreto Legislativo 219. Médicos podem prescrever preparações magistrais de THC ou CBD, além de produtos importados como nabiximols para tratar condições como espasticidade relacionada à esclerose múltipla. Os produtos industriais aprovados incluem o spray bucal Sativex® e a solução oral Epidiolex®.4

 

  • França: O Código de Saúde Pública (CSP) proíbe o cultivo, a fabricação e o uso da planta Cannabis. No entanto, o mesmo artigo permite o uso medicinal, se caso autorizado de acordo com a regulamentação geral. Tendo isso em vista, recentemente, a França autorizou o uso de medicamentos à base de cannabis para certas condições médicas refratárias, como epilepsia e dor neuropática. A solução oral Epidiolex® está entre os produtos autorizados no país.4

 

  • Espanha: Não há nenhuma regulamentação específica na Espanha para medicamentos à base de Cannabis. Apesar disso, a Espanha está em processo de implementar uma regulamentação específica para medicamentos à base de cannabis, prevista para entrar em vigor esse ano. Sendo o uso de cannabis medicinal permitido sob certas condições, com regulamentações específicas para cada região autônoma. Atualmente, apesar de não haver uma regulação específica, dois produtos são autorizados para venda, o spray bucal Sativex® e a solução oral Epidiolex®.4

América Latina

A América Latina tem visto um crescimento significativo na adoção de leis favoráveis à cannabis medicinal.

  • Brasil: No Brasil, a regulamentação do uso da cannabis medicinal passou por avanços significativos nos últimos anos, culminando com a aprovação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 327 em dezembro de 2019 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Esta resolução estabelece as diretrizes para a produção, importação, comercialização e prescrição de produtos à base de cannabis em território nacional. Produtos a base de cannabis para fins medicinais podem ser vendidos em farmácias e drogarias, desde que sejam prescritos por profissionais médicos com registro ativo e que atendam a critérios rigorosos de qualidade e segurança.4 

 

  • Uruguai: Desde a legalização pioneira em 2013, o Uruguai estabeleceu um sistema abrangente de regulamentação da cannabis, incluindo tanto seu uso adulto quanto medicinal. A Lei 19.172/2014 modificou as políticas de entorpecentes para permitir a produção, distribuição e comercialização controladas da planta, enquanto a Lei 19.847/2019 implementou o Programa Nacional de Cannabis Medicinal e Terapêutica. Sob o Decreto 56/2023, medicamentos de síntese, à base da planta e manipulados são regulamentados pelo Ministério da Saúde, com restrições específicas para a prescrição médica de acordo com o teor de THC. Além disso, o Uruguai também permite o uso de derivados da cannabis em cosméticos, sujeitos a diretrizes rigorosas de segurança estabelecidas pelo governo.4

 

  • Argentina: O quadro regulamentar para o uso medicinal da cannabis é estabelecido pela Lei 27.350 de 2017 e regulamentado pelo Decreto 883 de 2020. O Ministério da Saúde coordena o programa através de várias resoluções: a Resolução 654 de 2021 permite acesso individual excepcional a produtos à base de cannabis; a Resolução 800 de 2021 estabelece o Programa Nacional de Cannabis; e a Resolução 781 de 2022 cria uma nova classificação sanitária para medicamentos à base de cannabis, regulamentada pela Disposição 6.431 de 2022. Pacientes com indicação médica podem se inscrever no Registro do Programa de Cannabis (REPROCANN), garantindo acesso gratuito a produtos através de fabricação nacional, importação registrada ou formulações manipuladas por farmácias autorizadas. A autorização para cultivo pessoal também é possível, sob supervisão e requisitos regulatórios específicos.4

 

  • Colômbia: Possui um dos quadros regulamentares mais abrangentes da região para produtos à base de cannabis medicinal, estabelecido pela Lei 1787/2016 e regulamentado pelo Decreto 613/2017, coordenado pelos Ministérios da Justiça, Agricultura e Saúde. O Instituto Nacional de Vigilância de Medicamentos e Alimentos (INVIMA) é responsável pela emissão de licenças e registros necessários para todas as atividades relacionadas à cannabis, desde cultivo até comercialização. A regulamentação categoriza os produtos conforme seu teor de THC, permitindo a comercialização de produtos com menos de 1% de THC para uso geral, enquanto produtos com maior concentração são restritos a uso medicinal. A preparação e distribuição de medicamentos manipulados à base de cannabis são permitidas sob prescrição médica, sujeitas a requisitos específicos de controle. Além disso, a Colômbia permite a importação e exportação de cannabis medicinal, com um único medicamento aprovado até julho de 2023. A inclusão de medicamentos manipulados à base de cannabis no Plano de Benefícios em Saúde (PBS) em 2023 reflete o compromisso do país em ampliar o acesso a tratamentos à base de cannabis, sob regulamentação rigorosa para garantir segurança e eficácia aos pacientes.4

 

  • Peru: A regulamentação da cannabis medicinal no Peru é estabelecida pela Lei 30.681 de 2017, que inicialmente regulamentou a pesquisa, produção, importação e comercialização de cannabis e seus derivados exclusivamente para fins medicinais e terapêuticos. Posteriormente alterada pela Lei 31.312 de 2021, a legislação é atualmente regulada pelo Decreto Supremo DS-004-2023-SA, substituindo o DS-005-2019-SA. Esta regulamentação divide os produtos derivados da cannabis em categorias como medicamentos manipulados, industriais (incluindo produtos de síntese e à base da planta) e produtos naturais, com distinção entre “psicoativos” (com teor de THC igual ou superior a 1%) e “não psicotrópicos” (com teor inferior a 1% de THC), ambos destinados apenas para uso medicinal e terapêutico. Importações individuais também são permitidas sob regulamentação específica de medicamentos.4

 

  • Chile: A regulamentação da cannabis medicinal foi alterada por dois decretos significativos do Ministério da Saúde: o Decreto 84 de 2015 e o Decreto 8 de 2020, que modificaram as normas de Entorpecentes e Psicotrópicos para permitir o uso medicinal de produtos à base de cannabis. A Resolução 432 de 2015 também é relevante, especificando o uso do óleo de semente de cannabis como ingrediente alimentar. As normas sanitárias estabelecem que as matérias-primas derivadas da cannabis podem ser utilizadas tanto na fabricação de produtos farmacêuticos quanto em pesquisas científicas. Importações individuais de produtos não registrados são possíveis para pacientes sob prescrição médica, com produtos contendo até 0,2% de THC não sendo sujeitos às regulamentações de drogas entorpecentes/psicotrópicas, enquanto aqueles com teor superior a 0,2% são regulados conforme as diretrizes estabelecidas desde 2010.4

Conclusão

A evolução das regulamentações sobre cannabis medicinal ao redor do mundo reflete um movimento crescente em direção ao reconhecimento de suas propriedades terapêuticas. A análise abrangente da legislação internacional da cannabis medicinal revela uma variedade de abordagens adotadas pelos países ao redor do mundo, que representam um avanço na ciência médica. É fundamental que os médicos busquem atualizações constantes para proporcionar o melhor cuidado aos seus pacientes. Nesse contexto, a WeCann surge como uma ferramenta de extrema relevância para os médicos, oferecendo suporte e conhecimento sério e responsável, baseado em evidências científicas sobre o uso da cannabis medicinal.

Referências

  1. California Cannabis Portal. Laws and regulations. Disponível em: https://cannabis.ca.gov/cannabis-laws/laws-and-regulations/. Acesso em: 05 jul. 2024.
  2. Colorado Department of Public Health & Environment (CDPHE). Medical marijuana registry laws and policies. Disponível em: https://cdphe.colorado.gov/medical-marijuana-registry-laws-policies. Acesso em: 05 jul. 2024.
  3. Food and Drug Administration (FDA). What We Do. Disponível em:\<https://www.fda.gov/about-fda/what-we-do>. Acesso em: 05 jul. 2024.
  4. MONTAGNER,Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. Wecann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
  5. Rudenko, V., Rafiuddin, A., Leheste, J. R. & Friedman, L. K. Inverse relationship of cannabimimetic (R+)WIN 55, 212 on behavior and seizure threshold during the juvenile period- Pbarmacol. Biochem. Bebav. 100, 474-484 (2012). 
Esse texto foi elaborado pelo time de experts da WeCann, baseado nas evidências científicas partilhadas nas referências e, amparado na ampla experiência prescritiva dos profissionais.

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