A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune crônica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Caracterizada por uma inflamação persistente nas articulações, a AR leva a sintomas debilitantes como dor intensa, inchaço, rigidez e, em longo prazo, à destruição das articulações. O tratamento tradicional da AR geralmente inclui anti-inflamatórios e imunossupressores, que podem ter efeitos colaterais significativos e nem sempre são eficazes. Com o avanço das pesquisas, o uso de canabinoides, especialmente o canabidiol (CBD), tem emergido como uma opção promissora para o manejo dos sintomas da AR. No post de hoje, vamos abordar como o CBD e outros canabinoides podem contribuir para o alívio dos sintomas e melhoria da qualidade de vida dos pacientes com AR.
O que é Artrite Reumatoide e quais são os seus impactos na vida dos pacientes?
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória, autoimune, crônica e progressiva, de etiologia desconhecida, cuja característica principal é a inflamação persistente da membrana sinovial, ou sinovite, de grandes e pequenas articulações periféricas dos membros superiores e inferiores. Essa resposta autoimune desencadeia uma série de sinais flogísticos e pode causar danos significativos à cartilagem e ao osso subjacente, promovendo deformidades e erosões ósseas ao longo do tempo. Além do comprometimento físico e funcional, a AR impacta profundamente a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), com repercussões no bem-estar físico, emocional e social do paciente.
A dor crônica, rigidez articular e a limitação de movimento afetam diretamente a funcionalidade diária, frequentemente reduzindo a capacidade laboral e a produtividade. Com a progressão da doença, sintomas como fadiga, distúrbios do sono, depressão e ansiedade se tornam comuns, aumentando o ônus emocional e psicológico. A perda de autonomia e a dificuldade em realizar atividades rotineiras podem levar a um quadro de isolamento social e sobrecarregar as relações familiares e sociais. Dados de estudos clínicos indicam que o diagnóstico precoce é essencial para conter a progressão da AR e minimizar os danos irreversíveis nas articulações, ajudando a preservar a qualidade de vida dos pacientes.¹
O tratamento da artrite reumatoide envolve uma abordagem multidisciplinar, com foco no controle da inflamação, alívio da dor, preservação da função articular e melhora da qualidade de vida. Os tratamentos convencionais incluem medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), corticosteroides e drogas antirreumáticas modificadoras da doença (DMARDs), como o metotrexato, que atuam no retardo da progressão da doença. Nos últimos anos, terapias biológicas, como inibidores do TNF e agentes anti-IL-6, têm sido utilizadas para casos mais graves, proporcionando um controle mais eficaz da inflamação e dos sintomas articulares.
No entanto, os tratamentos convencionais para artrite reumatoide apresentam limitações significativas, incluindo efeitos colaterais como imunossupressão, que eleva o risco de infecções, além de outros efeitos adversos, como disfunções hepáticas e alterações gastrointestinais. Além disso, a resposta terapêutica pode variar amplamente entre os pacientes, e muitos não conseguem um controle adequado dos sintomas com os medicamentos disponíveis. Em casos de resposta insuficiente, é comum a busca por terapias complementares, como fisioterapia e exercícios supervisionados, e mais recentemente, pesquisas têm se concentrado no potencial dos canabinoides como adjuvantes no manejo da dor crônica e da inflamação.
A cannabis tem ganhado atenção como uma alternativa terapêutica promissora para o tratamento da artrite reumatoide, especialmente para alívio da dor crônica e modulação da resposta inflamatória. Os principais compostos ativos da planta, o canabidiol e o tetraidrocanabinol (THC), interagem com o sistema endocanabinoide, que possui receptores tanto nas articulações quanto no sistema imunológico. Esta interação pode auxiliar na redução da inflamação e no alívio da percepção de dor.
Sistema Endocanabinoide e Artrite Reumatoide
O Sistema Endocanabinoide (SEC) desempenha um papel essencial na regulação de diversos processos fisiopatológicos envolvidos nas doenças reumáticas, influenciando mecanismos como controle da dor, modulação imunológica, homeostase articular e proteções contra a degradação de tecidos conjuntivos. Este sistema, por meio da ativação de receptores canabinoides, exerce efeitos terapêuticos promissores, especialmente no que tange à redução da inflamação e ao alívio de sintomas típicos dessas condições.²
Os receptores canabinoides, em especial o CB2, estão amplamente expressos em células imunes, como macrófagos e linfócitos T, que desempenham papel central nas respostas inflamatórias das doenças reumáticas. A ativação de receptores CB2 tem demonstrado suprimir a produção de mediadores inflamatórios, como o TNF-α e a IL-6, além de inibir a infiltração de células inflamatórias nas articulações. Adicionalmente, o SEC está implicado na indução de uma resposta imunomoduladora, promovendo a geração de células T reguladoras, as quais desempenham um papel crucial na atenuação da inflamação crônica.³
O CBD, um dos principais fitocanabinoides derivados da planta cannabis, tem sido amplamente estudado por suas propriedades anti-inflamatórias. Pesquisas demonstram que o CBD reduz a formação de espécies reativas de oxigênio e óxido nítrico, que são mediadores chave na resposta inflamatória, em modelos experimentais de inflamação. Além disso, o CBD é capaz de bloquear a produção de citocinas pró-inflamatórias, como o TNFα, IL-1β, IL-2, IL-6 e IL-8, e de inibir a ativação da via de sinalização NF-κB, que desempenha um papel chave na perpetuação da inflamação crônica observada na AR. Em modelos experimentais, o CBD demonstrou capacidade de reduzir a secreção de citocinas de células T humanas, o que sugere um efeito imunossupressor direto e relevante para o controle da atividade inflamatória.4
O Δ9-THC, tem mostrado eficácia em modelos experimentais de AR devido à sua capacidade de regular a resposta das células T helper. Estudos in vitro indicam que o Δ9-THC modula a resposta Th1, promovendo a secreção de citocinas associadas à resposta Th2, o que ajuda a reduzir a inflamação e a ativação de vias de sinalização pró-inflamatórias, como a NF-κB e a JAK/STAT. Esses mecanismos são fundamentais para a regulação do microambiente inflamatório e podem ser decisivos na diminuição da progressão da AR.4
Pesquisas envolvendo células microgliais ativadas por lipopolissacarídeos revelaram que tanto o THC quanto o CBD modulam a via JAK/STAT e diminuem a ativação da NF-κB, potencializando um ciclo de feedback negativo anti-inflamatório. Esses achados são importantes, pois sugerem que os canabinoides não apenas reduzem a produção de citocinas inflamatórias, mas também favorecem a regulação negativa da inflamação, uma característica desejável no manejo de doenças autoimunes como a AR.5
Estudos mais recentes indicam que o CBD também afeta diretamente a expressão de microRNAs, que são reguladores chave da expressão gênica e da resposta imune. A modulação do miRNA146a pelo CBD, que atua como um regulador negativo da inflamação, e a regulação positiva do miRNA34a, associado à sobrevivência celular e ao ciclo celular, sugerem que o CBD poderia alterar de forma crítica os processos imunológicos subjacentes à AR. Esses achados indicam que o CBD poderia ser utilizado como uma ferramenta para reverter os danos causados pela inflamação crônica e para promover um ambiente mais equilibrado no microambiente articular.
O SEC contribui para a manutenção da homeostase articular, com efeitos protetores nos tecidos articulares, incluindo condrócitos, osteoclastos e fibroblastos sinoviais. A ativação dos receptores canabinoides nestes tecidos tem demonstrado reduzir a liberação de mediadores da dor e da inflamação, além de proteger a cartilagem articular ao inibir a produção de metaloproteinases de matriz (MMPs).4 A presença de endocanabinoides, como a anandamida e o 2-AG, tem sido identificada em níveis elevados no líquido sinovial de pacientes com osteoartrite (OA) e artrite reumatoide (AR), sugerindo uma supraregulação do SEC nestas condições. Esses achados indicam que o sistema endocanabinoide pode ser alvo de intervenções terapêuticas para o controle da dor e da progressão articular nas doenças reumáticas.²
Os efeitos imunomoduladores dos canabinoides, particularmente do CBD e do THC, demonstram um grande potencial terapêutico no controle da progressão da artrite reumatoide. A modulação da produção de citocinas inflamatórias, a inibição da degradação da matriz extracelular e a promoção de um ciclo anti-inflamatório negativo são mecanismos cruciais que posicionam os canabinoides como terapias emergentes na AR.
Evidências Científicas
O uso de cannabis para o tratamento de doenças reumáticas, como a artrite reumatoide, tem sido investigado em vários estudos clínicos, com foco em diferentes formas de administração e tipos de compostos canabinoides. Embora os resultados ainda sejam inconclusivos em alguns casos, as evidências disponíveis sugerem que os canabinoides podem desempenhar um papel importante no manejo da dor, na melhoria da qualidade de vida e na modulação da inflamação associada a essas condições.
O primeiro estudo relevante foi conduzido por Blake et al. (2006), no Reino Unido, e avaliou o impacto do nabiximols (formulação balanceada de THC e CBD) em 58 pacientes com artrite reumatoide que sofriam de dor crônica. Esse ensaio clínico duplo-cego demonstrou que cinco semanas de tratamento com uma dose média de 5,4 pulverizações diárias de nabiximols (equivalente a 14,58 mg de THC e 13,5 mg de CBD) resultaram em melhorias significativas nos escores de dor durante o movimento e em repouso, além de melhorias na qualidade do sono e em outras medidas de incapacidade associada à dor.6
Para saber mais sobre o papel dos Canabinoides no sono acesso: Uso de Canabinoides no tratamento de distúrbios do sono
O perfil de efeitos adversos foi considerado aceitável, corroborando a segurança do uso do medicamento. Blake et al. também investigaram o efeito da mesma medicação à base de cannabis nabiximols versus placebo para a dor ao movimento, dor em repouso, rigidez matinal e qualidade do sono em pacientes com artrite reumatoide. Neste estudo, o tratamento à base de cannabis melhorou significativamente a dor durante o movimento, a dor em repouso e a qualidade do sono, embora não tenha mostrado efeito sobre a rigidez matinal. Não houve efeitos adversos graves no grupo de tratamento ativo, reforçando a segurança da medicação à base de cannabis para o manejo da dor na AR.6
O estudo de Lowin et al. (2021) investigou os efeitos do CBD em uma cultura in vitro de fibroblastos sinoviais humanos provenientes de pacientes com artrite reumatoide. Os resultados indicaram que o CBD aumentou os níveis de cálcio intracelular, reduziu a viabilidade celular e diminuiu a produção de citocinas pró-inflamatórias, como IL-6, IL-8 e MMP-3.7 Esses efeitos foram parcialmente mediados por um antagonista do receptor TRPA1, mas não do TRPV1, sugerindo que o CBD exerce sua ação principalmente por meio de TRPA1. Além disso, o pré-tratamento com TNFα potencializou esses efeitos, o que sugere que o CBD tem como alvo preferencial os fibroblastos sinoviais ativados, possivelmente com uma ação antiartrítica, aliviando a inflamação e a dor associadas à doença. Esse estudo reforça a hipótese de que o CBD pode oferecer uma abordagem inovadora para o controle da inflamação sinovial na artrite reumatoide.7
Em um estudo paralelo, Winklmayr et al. (2020) exploraram os efeitos do CBD em uma cultura in vitro de condrócitos humanos, focando nos mecanismos celulares envolvidos na resposta à lesão e à inflamação. As concentrações de CBD superiores a 4 μM demonstraram diminuir a viabilidade celular, aumentar a atividade da caspase 3/7 e induzir o aumento dos níveis de cálcio intracelular (Ca2+) e a fosforilação das quinases reguladas por sinal extracelular 1/2. Esses efeitos foram associados ao aumento da população de células apoptóticas, sugerindo que o CBD pode induzir a morte celular programada em condrócitos danificados. O efeito foi mediado, em parte, pelo receptor CB1, uma vez que o antagonista AM251 inibiu o influxo de cálcio e reduziu os efeitos tóxicos do CBD, apontando para um mecanismo receptor-dependente. Esses achados reforçam a ideia de que o CBD pode atuar em diversas células da articulação, modulação da inflamação crônica e da morte celular, com potenciais aplicações em doenças articulares degenerativas, como a osteoartrite.8
Estudos laboratoriais e pré-clínicos indicam que o CBD pode reduzir a inflamação e modular respostas imunes, atuando na expressão de citocinas e outros mediadores inflamatórios, enquanto o THC apresenta propriedades analgésicas, em grande parte devido a sua interação com os receptores canabinoides CB1 e CB2. Contudo, ainda existem poucos ensaios clínicos rigorosos, e as evidências sobre a eficácia do CBD especificamente para o manejo da dor crônica na artrite reumatoide em humanos permanecem limitadas. Uma revisão abrangente sobre o uso terapêutico da cannabis relata evidências substanciais de sua eficácia para a dor crônica em adultos em geral. Entretanto, dados específicos e consistentes para a dor associada à AR ainda são escassos.9
Portanto, embora existam relatos de casos e experiências clínicas individuais de melhora, o uso clínico da cannabis para o tratamento da artrite reumatoide ainda necessita de estudos mais robustos e bem estruturados para que se compreenda melhor os mecanismos de ação dessa planta, nessa patologia.
Conclusão
Os canabinoides, especialmente o canabidiol e o tetraidrocanabinol, oferecem um potencial terapêutico promissor no manejo da artrite reumatoide, ao modularem as respostas inflamatórias e promoverem efeitos imunossupressores. Por meio da interação com o sistema endocanabinoide, esses compostos podem aliviar a dor crônica, reduzir a inflamação e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com AR. Embora ainda sejam necessários estudos clínicos adicionais para confirmar e expandir esses benefícios, as evidências atuais indicam que o uso de canabinoides pode complementar os tratamentos convencionais, proporcionando uma abordagem mais abrangente para o manejo da doença e dos seus sintomas debilitantes, ajudando a melhorar a qualidade de vida desses pacientes.
Nesse contexto, é essencial que os médicos estejam atentos aos avanços no uso terapêutico da cannabis medicinal no manejo da artrite reumatoide. A WeCann desempenha um papel importante nesse processo, fornecendo conteúdo técnico de alta qualidade, continuamente atualizado e respaldado por evidências científicas. Por meio de suas iniciativas, a WeCann promove a integração segura e responsável dos derivados canabinoides na prática médica, contribuindo para uma abordagem terapêutica mais eficaz para o tratamento de doenças crônicas e frequentemente incapacitantes, como a artrite reumatoide.
Referências
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